Jair Bolsonaro com as mãos abertas diante de um quadro com uma pintura sua usando a faixa presidencial

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas foram denunciadas pela PGR. Eles são acusados de um plano de golpe de Estado. O ex-presidente nega sua participação na trama

19 fevereiro 2025, 10:08 -03

Atualizado Há 1 minuto

Segundo a PGR, uma organização criminosa foi criada e era liderada por Bolsonaro e pelo seu então candidato a vice-presidente, o general Walter Braga Neto.

"A organização tinha por líderes o próprio presidente da República [Jair Bolsonaro] e o seu candidato a vice-presidente, o General Braga Neto. Ambos aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do Estado de Direito democrático", escreve o procurador-geral, Paulo Gonet.

Para a PGR, o plano golpista começou a ser articulado em 2021, com a anulação das condenações contra Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que o recolocaram no jogo eleitoral de 2022.

A denúncia aponta, entre outras coisas, que Bolsonaro teria conhecimento de um plano para matar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do STF Alexandre de Moraes, tido como um dos principais adversários políticos do núcleo bolsonarista.

A denúncia principal sobre o caso tem 272 páginas e elenca diversos eventos e evidências que, na avaliação da procuradoria, demonstram a participação de Bolsonaro e dos demais na suposta trama golpista.

Confira abaixo quatro pontos da denúncia feita pela PGR.

Lula e Jair Bolsonaro, usando ternos , durante um debate eleitoral realizado em 2022

Crédito, Alexandre Schneider/Getty Images

Legenda da foto, Lula e Jair Bolsonaro durante debate televisivo durante as eleições de 2022

PGR: Bolsonaro sabia de plano para matar Lula

De acordo com a denúncia, Bolsonaro tinha conhecimento sobre o chamado plano "Punhal Verde Amarelo", um conjunto de ações que seriam executadas por integrantes da organização supostamente liderada por Bolsonaro e que previam o assassinato de Alexandre de Mores, Lula e de Geraldo Alckmin.

"As investigações revelaram aterradora operação de execução do golpe, em que se admitia até mesmo a morte do Presidente da República e do Vice-Presidente da República eleitos, bem como a de Ministro do Supremo Tribunal Federal [...] O plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República, que a ele anuiu", diz um trecho da denúncia feita pela PGR.

Segundo a PGR, o plano "Punhal Verde e Amarelo" foi identificado pela Polícia Federal durante as investigações.

O plano previa a "neutralização" de figuras centrais da República como Moraes, Lula e Alckmin. Em relação ao ex-ministro, a PF sustenta que pessoas ligadas ao plano chegaram a executar ações de monitoramento sobre a movimentação de Alexandre de Moraes, em Brasília.

A denúncia aponta que a PF descobriu que o general Mário Fernandes, à época secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, teria impresso cópias do plano em uma impressora localizada no Palácio do Planalto e, em seguida, levado o material para o Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro ficou recolhido após a derrota nas eleições presidenciais de 2022.

Fernandes está preso e também é um dos denunciados.

A BBC News Brasil não conseguiu localizar a defesa de Mário Fernandes.

Desde que a denúncia foi divulgada, Bolsonaro nega que tenha planejado um golpe de Estado.

Em manifestação enviada à imprensa, o ex-presidente disse que "jamais compactuou" com qualquer movimento que visasse um golpe de Estado e que a acusação não apresenta nenhuma mensagem enviada por ele que o incrimine.

A defesa do ex-presidente afirmou ainda que a denúncia seria "inepta" e contraditória e baseada apenas na delação de Mauro Cid.

"[Trata-se de] um delator que questiona a sua própria voluntariedade. Não por acaso ele mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa", diz um trecho da nota.

A defesa do ex-presidente diz ainda que Bolsonaro "confia na Justiça e, portanto, acredita que essa denúncia não prevalecerá."

Alexandre Ramagem usando terno em frente a microfone

Crédito, Carolina Antunes/Presidência da República

Legenda da foto, O deputado federal e policial federal Alexandre Ramagem comandou a Abin durante a gestão de Jair Bolsonaro. Ele também foi denunciado por suposto envolvimento em trama golpista

O papel da ABIN paralela

A denúncia feita pela PGR diz que o grupo que planejava o golpe de Estado trabalhava com uma estrutura paralela de inteligência sob o comando do deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência Abin), Alexandre Ramagem (PL-RJ).

Para a PGR, o grupo realizava ações clandestinas de contrainteligência e tinha como uma de suas principais funções a difusão de informações contrárias a pessoas ou instituições vistas como adversárias políticas de Bolsonaro ou obstáculos ao plano de golpe.

"O núcleo atuava como central de contrainteligência da organização criminosa que, por meio dos recursos e ferramentas de pesquisa da Abin, produzia desinformação contra seus opositores", diz um trecho da denúncia.

Um dos exemplos citados na denúncia teria sido detectado pela PF ao analisar dados de um dos integrantes da chamada Abin paralela.

Os investigadores constataram que os supostos integrantes desta estrutura monitoraram os movimentos do ministro Alexandre de Moraes.

"Em 7.12.2022, um dia depois da conversa com Jair Messias Bolsonaro, o denunciado realizou a compra de um dos aparelhos celulares utilizados na operação clandestina", diz um trecho da denúncia.

Verificou-se, ainda, a intensificação do monitoramento do Ministro Alexandre de Moraes após o encontro no Palácio do Planalto", continuou o documento.

Em um caso diferente, a estrutura da "Abin Paralela" teria envolvido o também ministro do STF Luís Roberto Barroso.

À época, Barroso era visto como um adversário político de Bolsonaro.

De acordo com a denúncia, para prejudicar a imagem de Barroso, um dos integrantes do grupo orientou a divulgação de uma informação negativa sobre o ministro.

"Pode jogar no grupo dos malucos se quiser", disse a mensagem.

As investigações apontam que a informação teria sido então repassada a um militante de direita investigado por conduzir ataques a autoridades brasileiras.

A PGR considerou relevante a ação da Abin paralela no contexto da tentativa de golpe.

"As ações ganham ainda mais relevo quando observada a consonância entre os discursos públicos de Jair Messias Bolsonaro e os alvos escolhidos pela célula infiltrada na Agência Brasileira de Inteligência, confirmando a ação coesa da organização criminosa", diz um trecho da denúncia.

Bolsonaro e a minuta do golpe

Bolsonaro com ex-comandantes militares e ex-candidato à vice-presidência da República

Crédito, Marcos Corrêa/Presidência da República

Legenda da foto, Generais Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto (esq.), ex-presidente Bolsonaro e o almirante Garnier são investigados pela PF

A denúncia da PGR diz que Bolsonaro teve conhecimento e editou a versão final de um decreto golpista organizado por integrantes do seu grupo.

O decreto, diz a denúncia, seria uma espécie de consolidação do plano golpista supostamente desenhado pela organização.

De acordo com a denúncia, o cenário de instabilidade criado pelo grupo tinha como objetivo pavimentar o caminho para um decreto presidencial a ser assinado por Bolsonaro e que previa restrições de direitos e sua permanência no poder.

"O cenário de instabilidade social provocado pela organização criminosa tinha por objetivo criar condições de aceitação política da assinatura por Jair Bolsonaro de decreto que rompesse com as estruturas democráticas", diz um trecho do documento.

Com o decreto editado por Bolsonaro, o grupo teria passado a uma nova fase: usá-lo para pressionar os chefes militares a apoiar o suposto plano golpista.

"Após a primeira apresentação, Jair Bolsonaro dedicou-se a fazer ajustes no texto do Decreto, a fim de obter maior apoio por parte das Forças Armadas. Na manhã do dia 9.12.2022, reuniu-se com Marcelo Câmara, Filipe Garcia Martins Pereira e Braga Netto no Palácio da Alvorada, oportunidade em que decidiu dar seguimento ao plano golpista", diz um trecho da denúncia.

A versão final do documento teria sido apresentada no dia 14 de dezembro de 2022 pelo então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira aos comandantes das três Forças Armadas.

O documento previa:

  • Decretação do Estado de defesa, dando a Bolsonaro poderes extraordinários mesmo após ter sido derrotado nas eleições
  • Criação de uma "Comissão de Regularidade Eleitoral", um órgão que faria uma revisão do resultado das eleições

As investigações apontam, no entanto, que o plano teria sido rechaçado por Freire Gomes e Baptista Júnior.

Em junho de 2023, ao falar sobre o assunto, Bolsonaro negou ter conhecimento sobre a minuta ou que ela tivesse conteúdo golpista.

"Não tive conhecimento… Não existe golpe com respaldo jurídico. Golpe é pé na porta e arma na cara, meu deus do céu. Golpe tem que depor alguém", disse o ex-presidente da jornalistas.

Um mês depois, Bolsonaro voltou a tentar se desvincular do tema.

"Estado de defesa é previsto na Constituição. Não tomei conhecimento desse documento, dessa minuta. Nas perícias, só encontraram digitais do delegado da operação e de um agente, de mais ninguém. Papéis, eu recebia um monte. Então, é óbvio que não tem cabimento você dar golpe com respaldo da Constituição", disse Bolsonaro.

Pressão sobre comando militar

A denúncia narra como militares que faziam parte do suposto núcleo golpista passaram a agir para pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderirem ao plano.

À época, diz a denúncia, havia rumores sobre a hesitação de alguns dos comandantes militares, entre eles o do Exército e da Aeronáutica.

Na ocasião, já após a derrota de Bolsonaro nas eleições, esses militares, a maioria integrantes ou ex-integrantes das Forças Especiais, passaram a organizar reuniões com objetivo de elaborar um plano de pressão.

"Os diálogos confirmam a ideia de reunir exclusivamente militares com formação em Forças Especiais que poderiam, de algum modo, influenciar seus comandantes, valendo-se também dos seus conhecimentos táticos especializados", diz um trecho da denúncia.

Segundo a PGR, os militares se encontraram no salão de festas do prédio onde morava o coronel do Exército Márcio Nunes de Resende Júnior, que também foi denunciado.

Após a reunião, os militares teriam elaborado a minuta de uma carta ao comando militar com o objetivo de pressioná-lo a aderir ao plano golpista.

Em seu depoimento à Polícia Federal, o então comandante do Exército, general Freire Gomes, confirmou essa tese.

"Indagado se a publicação no dia 28.11.2022 (data em que a carta foi divulgada) do documento intitulado 'Carta ao comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro' foi feita para pressionar o depoente (Freire Gomes)", diz um trecho do documento.

A minuta da carta foi divulgada pelo jornalista Paulo Figueiredo, que também foi denunciado como integrante da organização criminosa.

Procurado sobre o assunto, Figueiredo enviou uma nota.

"Estou honrado em estar ao lado de patriotas neste documento histórico que reflete a ditadura na qual vivemos. Vamos vencer e todos os agentes públicos que se utilizam das suas posições para perseguir opositores políticos serão responsabilizados sem misericórdia no momento oportuno", disse Figueiredo.

Ao final, as investigações concluíram que Freire Gomes e o então comandante da Aeronáutica, o Brigadeiro Baptista Júnior, teriam se posicionado contra a tentativa de golpe. Entre os três comandantes militares da época, segundo a investigação, apenas o almirante Almir Garnier, que liderava a Marinha, teria se colocado a favor do plano.

De acordo com o portal UOL, o advogado de Garnier, Demóstenes Torres, disse que ainda lerá a denúncia.

"Creio que agora teremos acesso à delação do Cid. Em seguida exerceremos o contraditório", disse o advogado.