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MP 1227/24 divide empresas e governo

A compensação de crédito de PIS/Cofins é permitida no Brasil há mais de 20 anos, mas a limitação do uso dos valores, como determina a Medida Provisória 1227/24, provocou novas reações na última semana. Além de terem sido pegos de surpresa, os 17 setores atingidos avaliavam a alternativa para compensar a desoneração da folha de pagamento. Confisco é um dos termos usados pelo empresariado para definir a determinação do governo federal em manter a MP.

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A compensação de crédito de PIS/Cofins é permitida no Brasil há mais de 20 anos, mas a limitação do uso dos valores, como determina a Medida Provisória 1227/24, provocou novas reações na última semana. Além de terem sido pegos de surpresa, os 17 setores atingidos avaliavam a alternativa para compensar a desoneração da folha de pagamento. Confisco é um dos termos usados pelo empresariado para definir a determinação do governo federal em manter a MP.

O texto foi publicado na terça-feira, dia 4, no Diário Oficial da União, e já está valendo. Logo em seguida, na quinta-feira passada, a MP foi pauta de reunião no Senado. A Coalizão das Frentes Parlamentares, em reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, pediu que ela seja rejeitada, qualificando a proposta de "MP do fim do mundo". O grupo reivindicou alternativas para o abatimento de outros tributos. Após o encontro, o líder do União Brasil, Efraim Filho, disse que Pacheco havia determinado à consultoria do Senado um estudo sobre o impacto da MP e, a partir dele, buscar soluções.

Se por parte do governo a medida é chamada de "MP do Equilíbrio Fiscal", por parte do empresariado é tratada como calote. Isso porque, se antes os setores produtivos podiam contar com a compensação pelos créditos gerados para abater débitos de outros tributos e até contribuições à Previdência, a partir do texto só será permitido abater débitos das mesmas contribuições, PIS e Cofins. Ou seja: para os demais tributos, o empresário terá que abrir o caixa.

O argumento do governo é corrigir distorções do sistema tributário brasileiro sem elevar a alíquota dos tributos e sem prejudicar pequenos contribuintes. O estoque de créditos, diz a Fazenda, não permite o pagamento de Imposto de Renda e contribuições previdenciárias.

Mais do que provocar queixas sobre prejuízos aos mais diversos setores da economia, que já são estimados em bilhões de reais, a proposta é avaliada como uma demonstração de que o governo está disposto a tirar dinheiro de onde puder para não cortar gastos. A estimativa é que possa arrecadar R$ 29,2 bilhões neste ano e mais R$ 60 bilhões no ano que vem.

A previsão é de que, a partir desse movimento no Senado, uma forte reação vá se estender para o Congresso, com apoio de segmentos empresariais, o que é interpretado como perda de apoio político do setor empresarial ao governo Lula.

Se não houver solução legislativa, a discussão tende a alimentar uma batalha judicial. O tema, por exemplo, mobilizou integrantes da Fiesp. Segundo o diretor jurídico, Flávio Unes, a entidade decidiu que vai apoiar questionamentos judiciais que venham a ser feitos no STF (Supremo Tribunal Federal) e orientou as associadas a reivindicarem seus direitos na Justiça se entenderem que seja necessário.

Praticamente todos os setores que compõem a base produtiva da economia nacional são afetados pela MP. Já ocorreram manifestações de entidades ligadas à indústria de forma geral e segmentos em particular, como óleo e gás, biocombustíveis, mineração, agronegócio.

Como os créditos são utilizados especialmente por exportadores, a limitação afeta inclusive a dinâmica financeira dos embarques internacionais e a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Já se fala em risco para embarques.

Os compromissos assumidos estão mantidos, mas as tradings já estão refazendo as contas para negociações futuras, uma vez que o produto ficará mais caro.

Exemplo de reação foi o da Abrasca, associação que defende as posições das companhias abertas da economia brasileira junto aos centros de decisão e à opinião pública. Participam da Abrasca as maiores companhias abertas do País. A entidade, que representa mais de 450 companhias, qualificou a MP de "erro grave", afirmando que ameaça a reforma tributária, causa insegurança jurídica, afeta as operações das empresas e interrompe projetos de investimentos.

No agronegócio, a MP fortalece o discurso da polarização do "nós contra eles". Já se fala que a medida é o prenúncio de que Lula pode acabar imitando os governos argentinos peronistas, criando medidas que prejudiquem as exportações. Em nota nesta quinta, a Aprosoja verbalizou o sentimento registrando que o setor rural e a agroindústria receberam a MP com "grande espanto e revolta".

'MP gera insegurança e um ruído enorme no ambiente de negócios'

Para o governo, a Medida Provisória (MP) 1227/24 é vista como a "MP do Equilíbrio Fiscal". Isso porque a continuidade da política de desoneração da folha custará R$ 26,3 bilhões neste ano, sendo R$ 15,8 bilhões para a parte das empresas e R$ 10,5 bilhões para a dos municípios. Com o fim da compensação via MP, a estimativa é de um aumento de R$ 29,2 bilhões na arrecadação.

Por outro lado, dizem os empresários, não usar créditos gerados exige um novo caixa, sem a previsão orçamentária. Pelo lado dos operadores do Direito, a MP é inconstitucional. Em entrevista ao JC Contabilidade, o advogado Hadler Martines, explica as razões pelas quais a MP ainda carece de debate e enquadramento jurídico. Sócio da área tributária da PwC Brasil, empresa que oferece auditoria e consultoria tributária a organizações, clientes e stakeholders, Martines entende a medida como inconstitucional. A MP estaria ferindo o princípio da anterioridade tributária, isto é, o que disciplina que União, estados e municípios estão proibidos de cobrar qualquer tributo no mesmo exercício financeiro ou antes de 90 dias da data de publicação da lei que os institui ou aumenta.

JC Contabilidade - Qual o impacto da Medida Provisória 1227?

Hadler Martines - Essa medida, desde a sua publicação, gerou muita polêmica porque restringe a possibilidade das empresas compensarem seus tributos com outros tributos referente a PIS e Cofins. A restrição principal dessa MP é que ela impossibilita a compensação de créditos, o que é uma prática muito recorrente pelas empresas porque, algumas vezes, elas têm um saldo credor, mas têm que pagar Imposto de Renda, por exemplo. A empresa otimizava esse crédito acumulado, que era possível ser compensado, ao invés de tirar dinheiro do caixa. Essa MP vai para limitar, restringir isso. Com isso, as empresas estão questionando muito especialmente aquelas daqueles setores que são acumuladores de crédito de Pis/Cofins, o agronegócio, o setor de cosméticos , o de medicamentos.

Contab - Ela causará prejuízo às empresas?

Martines - Sim, porque ela limita um direito que o contribuinte tem em um momento tão complicado para as empresas, quando a economia ainda está dando sinais de que não deslanchou. Essa MP faz com essas empresas tirem dinheiro do caixa ou façam financiamentos, empréstimos, para pagar um imposto que ela antes poderia compensar. Por isso, ela está sendo muito mal vista no meio empresarial. E, ainda mais, porque ela vem em paralelo a uma reforma tributária. Todo consumo está sendo discutido hoje, e está sofrendo regulamentação. O governo federal sempre trouxe (para a pauta de discussão da reforma) que eventuais saldo credores hoje existentes e que depois da reforma tributária iriam deixar de existir, seriam compensáveis. Mas essa iniciativa restringe bastante uma compensação que já era possível.

Contab - O impacto no Rio Grande do Sul neste momento seria maior?

Martines - Naturalmente. Esse é uma aspecto muito bem lembrado. Considerando a situação do Estado e das empresas, isso faz com que elas tenham que tirar o dinheiro do caixa para pagar, coisa que não precisariam. O Rio Grande tem empresas do agro, exportadoras. Isso faz com que elas tenham que ir atrás ou utilizar o fluxo de caixa para pagar um imposto que poderiam compensar.

Contab - Há quem considere uma medida inconstitucional. Essa é a sua posição?

Martines - Uma MP tem vigência desde a sua publicação. Estamos falando de um tributo que é uma contribuição. O PIS e a Cofins têm natureza de contribuição dentro do Direito Tributário. Isso faz com que a qualquer aumento de carga tributária tenha que respeitar o princípio da anterioridade, ou seja, 90 dias antes de publicação. Ela não pode vigorar no mesmo dia ou na sequência. Ele teria que esperar 90 dias para valer.

Contab - Este tipo de medida deveria vir de outra forma, de um projeto de lei, por exemplo?

Martines - Com certeza. Esse é o tipo de matéria que não deveria ser tratado via Medida Provisória. As MPs têm sempre o condão de trazer algum tema urgente, relevante e que tenha necessidade de a lei vigorar desde o início. E a MP tem a natureza de não ser debatida antes. Não houve uma aprovação, nem pela Câmara dos Deputados, nem pelo Senado. Ela passa a valer desde o início. Para ser considerada válida, precisa cumprir alguns requisitos. Ela deveria ter aspecto de urgência que justifique. A questão deveria ir pelo caminho normal, que é um projeto de lei, que é uma discussão sobre a matéria em si.

Contab - O argumento do governo é a necessidade de arrecadação, daí a urgência.

Martines - Isso é verdade. É uma preocupação do Executivo. A questão é que isso traz uma insegurança jurídica grande para as empresas. Elas fazem seu orçamento de caixa, de desembolsos financeiros. Esse tipo de MP gera uma insegurança e um ruído enorme no ambiente de negócios. Ao mesmo tempo em que ela foi criada, pode ser que não seja aprovada. Então, ficamos um bom tempo com uma medida negativa, que, ao final fez com que as empresas tivessem que se ajustar, se modificar, e pode ser que ela nem vá pra frente, nem avance.

Contab - Existe essa possibilidade?

Martines - Há chances disso porque ela não foi bem aceita no ambiente empresarial e em setores relevantes como o agronegócio e setores importadores, setores que possuem uma articulação muito grande dentro do Congresso Nacional. Eu diria é que essa MP possa seja muito alterada quando da sua conversão, ou até deixe de valer.

Contab - Ou acabe sendo discutida via judicial.

Martines - Com certeza. Já existem discussões quanto à sua ilegalidade. É natural que empresas entrem com medida judicial para tentar reverter o que foi trazido por essa MP.

O que mudou

Crédito do
PIS/Cofins em geral

Serão compensáveis apenas na sistemática da não cumulatividade, sem compensação com outros tributos ou cruzada, exceto com débitos do próprio PIS/Cofins. Mantém-se a possibilidade de ressarcimento em dinheiro, mediante prévia análise do direito creditório.

Crédito presumido
de PIS/Cofins

Espécie de benefício fiscal concedido a empresas. Leis mais recentes já vedam o ressarcimento em dinheiro, impedindo a tributação negativa ou subvenção financeira para setores contemplados, mas em oito casos a autorização permanecia.

A MP estende a vedação ao ressarcimento para os oito casos que permaneceram e que representaram R$ 20 bilhões pleiteados em 2023. Não se altera a possibilidade de compensação na sistemática da não cumulatividade, ou seja, o direito permanece, desde que haja tributo a ser pago pelo contribuinte.

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