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Namorar chatbot é traição? IA já virou pivô de divórcios

Coincidentemente, o Dicionário Cambridge nomeou "parassocial" a palavra do ano para 2025. O termo, originalmente usado para explicar uma conexão que as pessoas sentem por alguém que não conhecem, passa a ser adotado também para descrever vínculos com as máquinas.

Conversar com uma IA que responde de forma afetiva muda radicalmente as expectativas e o comportamento das pessoas. Ainda não sabemos se esta é só uma febre passageira, mas alguns indícios apontam que a tendência veio para ficar, sobretudo quando estudamos o comportamento das novas gerações.

Por exemplo, um estudo recente do Centro para Democracia e Tecnologia nos EUA identificou que 1 a cada 5 jovens nos EUA tem ou conhece quem tem um relacionamento romântico com IA. Uma outra pesquisa realizada pelo Institute for Family Studies mostrou que 25% dos jovens adultos acreditam que a IA pode substituir um romance da vida real.

Precisamos de um debate amplo sobre o tema porque suas consequências imediatas e futuras não se restringem ao universo pessoal. Relações afetivas produzem efeitos coletivos ao reorganizar normas, expectativas e formas de vínculo.

Quando isso passa a incluir uma automatização pela IA, o impacto deixa de ser apenas íntimo e se torna estrutural.

Traição e divórcio são dois efeitos sociais que estão ganhando manchetes da mídia internacional. Uma matéria da Wired mostra que escritórios de advocacia já começam a registrar casos em que parceiros citam o envolvimento emocional com chatbots como motivo direto do fim do casamento.

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Em alguns casos, o vínculo não se limitou apenas a uma fantasia romântica e sexual, mas envolveu gastos adicionais do parceiro com a IA e seus serviços, além do compartilhamento de segredos financeiros que, no limite, poderiam impactar a vida financeira do casal.

Da popularização do pornô na internet à troca de mensagens em redes sociais, novas tecnologias influenciam comportamentos que nos fazem pensar nas definições sobre o que é ou não traição. Só que agora adicionamos mais uma dimensão, a de uma máquina conversante.

Ainda que não exista um terceiro corpo na relação, pode existir a ruptura de um pacto emocional? Alguns cônjuges dizem que o que está em jogo não é a presença do outro, mas o deslocamento do afeto para fora da experiência compartilhada.

A pergunta que começa a assombrar é moral, antropológica, psicológica, mas também jurídica: é possível trair alguém com uma entidade que não é humana, mas imita muito bem uma pessoa?

Essa discussão está começando a chegar aos tribunais no mundo inteiro. Instituições que foram moldadas para lidar com conflitos entre humanos se deparam com dilemas inéditos ao considerar um vínculo sem sujeito, mas com consequências reais.

Para entender melhor como a legislação brasileira entende esse fenômeno, eu conversei com o colega Filipe Medon, professor da FGV Direito Rio e Pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da mesma instituição.

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Ele destaca que ainda não existe uma legislação específica sobre a relação entre humanos e IA e que, por não se tratar de um ser humano, também não parece possível aplicar as regras vigentes do Direito de Família para se falar em traição.

"O artigo 1.566, inciso I do Código Civil traz o dever de fidelidade recíproca, que, em tese, se aplicaria somente a relações humanas, até mesmo naquilo que hoje se tem discutido na doutrina sob a expressão infidelidade virtual, em que poderia até não haver contato físico direto."

No entanto, Medon também concorda que, talvez, no futuro, precisaremos atualizar a legislação para dar conta de uma manifestação social impulsionada pela tecnologia.

"Não é de se espantar que, em algum momento, a doutrina possa vir a ampliar essa discussão para interpretar se essas interações com chatbots, dado o grau de investimento emocional e até financeiro, também poderiam ensejar violações a esses deveres conjugais, os quais foram concebidos, porém, para uma outra realidade social e tecnológica. É de se pensar, assim, se seria necessário eventualmente modificar a legislação para abarcar explicitamente essas novas hipóteses."

Deu para ver que o assunto não é tão simples assim.

Cada nova conversa com a IA desloca um pouco do que entendemos por humano e tensiona as estruturas das nossas relações.

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Talvez a maior lição aqui não seja sobre tecnologia, mas sobre antecipação: precisamos debater essas novas dinâmicas agora, de uma maneira interdisciplinar, antes que elas redefinam nossos afetos sem a nossa própria participação.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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