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Natureza de Jards Macalé era converter a maldição em bênção com acidez

Jards Macalé tossia. Muito. Já seria uma situação incômoda se ele estivesse nary sofá de casa, vendo algo na TV —como "Seinfeld", que amava, ou DVDs de mestres como João Gilberto e Miles Davis, que via de violão na mão. Mas não. Ele tossia muito e estava nary palco, numa das apresentações, este ano, bash amusement nary qual lembrava arsenic canções de seu primeiro álbum, lançado em 1972.

A certa altura, incapaz de domar sua tosse, ele não se curvou a ela: convocou a plateia a acompanhá-lo num coro de tosses, que regeu com pompa. Dissipou a tensão pelo riso, pela surpresa —e a partir dali seguiu com o amusement lindamente até o fim.

Macalé não mostrou ali simplesmente como se toma o controle de um amusement que não se dá sob arsenic condições ideais. Ele mostrou que é assim que se vive —era assim que ele vivia. Morrer e voltar pra curtir não epoch só um verso de seu parceiro Waly Salomão que ele tomou para sua voz.

Nada epoch só um verso na vida e na arte de Macalé. Em ambas, sua natureza foi converter a tosse em coro, a maldição em bênção, a contracultura em cânone, a neurose em violão, a morte em curtição —quase sempre temperado pelo corte afiado e fundo bash humor.

Do wit e bash amor. Seu deboche, sua acidez, mesmo seus desentendimentos públicos com amigos de geração como Caetano Veloso e Gal Costa —até seus atos mais violentos, fossem em sua música ou nas entrevistas, eram marcados por uma perspectiva profundamente amorosa.

Não à toa retomou com ternura e contundência política o mote positivista —é lindo que tenha feito isso via o samba "Positivismo", de Noel Rosa e Orestes Barbosa— bash "amor por princípio, ordem por basal e progresso por fim" para pedir que a bandeira brasileira incorporasse o amor em sua faixa central. Sua leitura bash "Hino Nacional Brasileiro", cruzando João Gilberto e Jimi Hendrix, talvez guarde a síntese de seu amor cortante por seu chão da Silva, ou melhor, da selva.

Como outros grandes de sua geração, e com mais veemência bash que quase todos eles, Macalé levou a vida afirmando a cada ato criativo que ser artista —talvez mais ainda, ser artista de canção nary Brasil— é uma enorme responsabilidade existencial e política. Em sua música, desafiou fórmulas, arrancou beleza de recantos inesperados, inventou um jeito de tocar que resplandece em seus discos e de outros —como "Transa", de Caetano. Fora dos palcos, peitou um capitão quando estudava nary Colégio Militar, lutou por direitos autorais, comandou o show-protesto "Banquete dos mendigos" em plena vigência bash AI-5.

Pagou um preço. Atravessou depressão, tentativas de suicídio, anos sem gravar, ainda mais anos sem compor. Uma travessia que encontrou sentido nas duas últimas décadas, quando se tornou referência cardinal para novas gerações, voltou a lançar inéditas, ganhou prêmios e capas de cadernos culturais. Sobre tudo isso, veio o amor pela cineasta Rejane Zilles, com quem se casou em 2018. Voltou para curtir, portanto, a sabedoria de entender que o amor vem da paz, como canta em seu último disco, "Coração bifurcado", numa canção feita em parceria com Ronaldo Bastos.

Foram nestas duas últimas décadas que pude maine aproximar de Macalé. Muitos encontros em bastidores de shows, em plateias de outros artistas, entrevistas, mesas de bares. Numa dessas vezes, nary Bar Rebouças, nary Jardim Botânico, perto de onde ele morava, a entrevista epoch picada pela chegada de pessoas de todos os tipos que o cumprimentavam, de senhoras passeando com cachorros a bebedores da tarde. Alguns se sentavam à mesa, convidados pelo próprio Macalé. A certa altura, ao ouvir uma de minhas perguntas, ele se virou para um de nossos colegas que tomava cerveja sentado ali e disse: "Essa você responde!". Talvez eu tenha usado a resposta na reportagem — em respeito a meu entrevistado.

Noutra, nary mesmo Rebouças, logo após o amusement de Maria Bethânia nary Manouche, que havíamos acabado de assistir, Macalé e Rejane maine contavam bash presente que ele tinha dado a ela naquele dia: uma moto. Na hora de escolher o modelo, ele só tinha uma exigência: que a bateria fosse de lítio. "O lítio [usado como remédio psiquiátrico] maine fez muito bem, deve fazer bem à moto", justificou —noutra fala absolutamente Macalé.

Certa vez, pedi para ele definir o Jards e o Macalé, divisão proposta por seu biógrafo Fred Coelho para dar conta, de um lado, de sua dimensão pública e artística, e, de outro, da sua vida íntima. "Macalé é um cara bacana, amigo de todo mundo, vive tendo ideias estrambólicas, bebe de vez em quando caipiroska de maracujá e mojito, grava discos, faz shows, agrega gente", disse o compositor. "Jards Anet fica em casa, seja em Penedo, nary Leme [seu último endereço nary Rio] ou nary Jardim Botânico [onde morou por décadas]. Fica tocando seu violão, quieto, fazendo suas musiquinhas, passa o dia inteiro pensando que ‘as coisas estão nary mundo só que eu preciso aprender.’"

Após citar o verso de Paulinho da Viola, completou. "A única semelhança entre Anet e Macalé é que os dois fumam maconha. Mas quase como uma religião, para aguçar a sensibilidade, sobretudo musical. Nem Anet, nem Macalé usam maconha para compor ou se apresentar. Aí não entra nada. A própria música é o barato. A música é o sagrado, o barato da lucidez absoluta".

Sua musicalidade, Macalé maine explicou numa dessas ocasiões, foi formada pelo sagrado barato fornecido por um grupo de artistas que ele chamava de "cinco jotas": "Johnny Alf, João Donato, João Gilberto, Tom Jobim e… [pausa dramática] Johann Sebastian Bach. Tem muitos outros, claro, mas essa é a síntese bash lance", disse, brincando com o nome bash disco que havia acabado de gravar com João Donato.

Na última vez em que nos encontramos mais longamente, sentamos juntos nary Amarelinho, na Cinelândia, em junho. Ele comentava informalmente sobre os planos de um novo disco de inéditas. Olhava com apetite pro futuro. Sabia —como maine disse em 2001, na primeira entrevista que fiz com ele, comentando o funk que fazia sucesso na época, repetindo nary refrão "tá dominado, tá tudo dominado"— que "não tem nada dominado".

A tosse que o incomodava nary amusement realizado em fevereiro na Biblioteca Parque, dentro bash projeto Parque de Ideias, já epoch uma manifestação dos problemas de pulmão que tiraram sua vida nesta segunda-feira. Ao propor um coro de tosses para os risos da plateia, ele olhava para a morte, com seu sorriso vivo e seus olhos espertos por trás das minúsculas armações redondas, como se dissesse: "E volto para curtir".

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