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Netflix sofre impacto bilionário por disputa tributária no Brasil; entenda

Com isso, as ações da companhia recuaram, e o valor de mercado da Netflix passou de US$ 527 bilhões (R$ 2,8 trilhões) para US$ 494 bilhões (R$ 2,6 trilhões) no mesmo dia.

A Netflix normalmente não divulga dados de quanto fatura no Brasil. Mas, desta vez, explicou a investidores que uma cobrança de impostos no país afetou seus resultados. Entenda o caso abaixo.

O impacto tributário do Brasil na Netflix

A empresa afirmou que o resultado veio abaixo do esperado devido a uma disputa tributária "em andamento" no país, que a obrigou a registrar uma despesa de US$ 619 milhões (cerca de R$ 3,3 bilhões) no terceiro trimestre.

O caso envolve a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), um imposto cuja aplicação foi ampliada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto, afetando também outras empresas.

  • 💰 A Cide é um tributo federal usado para regular setores da economia e financiar políticas públicas específicas. Um exemplo é a Cide-Combustíveis, cobrada sobre petróleo e derivados para bancar obras de transporte e programas ambientais.
  • 🍿 No caso da Netflix, o impasse envolve a cobrança da Cide Royalties, conhecida também como Cide-Tecnologia — uma taxa sobre pagamentos ao exterior ligados ao uso de tecnologia. O objetivo é estimular a inovação nacional e aumentar a arrecadação.
  • 🌎 Nos serviços de streaming, a Cide não incide sobre a assinatura em si, mas sobre a remessa de dinheiro ao exterior — ou seja, pagamentos feitos por empresas estrangeiras por serviços digitais.
  • 🇧🇷 O imposto é cobrado desde 2001 no Brasil. Com isso, a importação de serviços e tecnologias fica sujeita a um pagamento de 10% sobre a remessa ao exterior.
"O impacto acumulado dessa despesa (aproximadamente 20% referente a 2025 e o restante ao período de 2022 a 2024) reduziu nossa margem operacional em mais de cinco pontos percentuais no terceiro trimestre", afirmou a Netflix no balanço.

Em agosto deste ano, o STF decidiu manter a constitucionalidade da Cide sobre remessas ao exterior, abrangendo qualquer tipo de contrato, incluindo serviços administrativos e direitos autorais, e não apenas a importação de tecnologia.

Por seis votos a cinco, o colegiado negou o Recurso Extraordinário (RE) 928.943, que questionava a legalidade da tributação.

O julgamento no STF foi 6 a 5, com o voto vencedor do ministro Flávio Dino, prevalecendo sobre o relator inicial, Luiz Fux, que defendia uma interpretação mais restrita do tributo.

“Mais do que uma questão tributária, estamos falando da defesa da soberania tecnológica do Brasil e da capacidade de desenvolver soluções para os nossos desafios", enfatizou a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, à época da decisão.

"Sobretudo nesse contexto de ataques à soberania nacional e à economia do nosso país, o STF assegura um instrumento que é capaz de gerar empregos, combater as desigualdades, garantir saúde e educação, promover o desenvolvimento sustentável e criar oportunidades para nossa gente.”

Segundo a pasta, o tributo é a principal fonte de financiamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), respondendo por 74% da composição do FNDCT, sendo este o principal instrumento de subsídio público da CT&I no país.

Flávia Holanda Gaeta, advogada tributarista e sócia fundadora do FH Advogados, lembra que o caso da Cide não surgiu a partir da Netflix, mas sim de uma interpretação mais ampla do tributo:

"Empresas que não estavam tributando a Cide — por estarem discutindo judicialmente ou se defendendo de autos de infração na via administrativa — serão prejudicadas e poderão repassar os custos para o consumidor. No entanto, muitas empresas no Brasil já pagam regularmente a Cide sobre licenças de uso, transferência de tecnologia, serviços técnicos, assistência administrativa e royalties de qualquer natureza", afirma Gaeta.

"A grande discussão sempre foi sobre a interpretação do enquadramento da Cide, incluindo se seria necessário tributar importação de serviços mesmo sem transferência de tecnologia."

O processo teve início em 2002, a partir de um pedido da Scania, do setor automotivo, que questionava a cobrança da Cide sobre remessas feitas à matriz da companhia na Suécia.

Embora a decisão recente do STF não envolvesse a Netflix diretamente, o caso teve repercussão geral, ou seja, todas as instâncias do Judiciário devem seguir o mesmo entendimento.

No caso das plataformas de streaming, como Netflix, Disney+, Amazon Prime e HBO Max, o imposto é cobrado sobre o dinheiro que a matriz recebe fora do país pelo uso de tecnologia, sistemas e conteúdos que permitem oferecer os serviços no Brasil.

No caso da operação brasileira, a Netflix paga à matriz nos EUA por serviços que permitem a oferta de assinaturas de streaming aqui no país. Esse tipo de pagamento é o que passou a ser enquadrado na Cide-Tecnologia, segundo decisão do STF.

O vice-presidente financeiro da empresa de streaming, Spencer Neumann, comentou que a cobrança da Cide sobre as operações da empresa é algo "único no mundo".

Ele lembrou que a empresa já havia conseguido decisão favorável em instância inferior em 2022, que concluía que a Netflix não estava sujeita à Cide.

"É um imposto único. Nenhum outro imposto se parece ou se comporta dessa forma em qualquer grande país em que operamos", disse Neumann.

A Strima, associação que representa serviços de streaming como Disney, Globo, HBO, Netflix e Amazon, não se pronunciou até a publicação da reportagem.

Especialistas em tributação alertam que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Cide Tecnologia pode afetar fortemente as empresas — e, no caso das plataformas de streaming, até elevar o preço das assinaturas no Brasil para cobrir os custos do imposto.

"Se a empresa não estava provisionando [estimando] ou recolhendo essa contribuição, ou se estava contestando judicialmente e perdeu a causa, o reconhecimento dessa dívida tributária pode, sim, gerar um impacto financeiro considerável e afetar os lucros", afirma Morvan Meirelles Costa Junior, advogado tributarista e sócio do escritório Meirelles Costa Advogados.

"E isso é mais provável considerando que o mercado brasileiro é relevante para a Netflix", acrescenta.

Ele também afirma que a carga tributária no Brasil é uma das mais elevadas e complexas do mundo, gerando redução de lucratividade, insegurança jurídica e altos custos de conformidade (com as leis).

"A grande discussão sempre foi sobre a interpretação do enquadramento da Cide, incluindo se seria necessário tributar importação de serviços mesmo sem transferência de tecnologia."

Luísa Macário, advogada tributarista e sócia do Macário Menezes Advogados, reforça que "mesmo sem desembolso imediato, a empresa precisa constituir provisões para litígios e riscos fiscais, o que impacta diretamente o lucro líquido reportado aos acionistas".

Ela explica ainda que a complexidade tributária brasileira impõe custos significativos, especialmente no setor de serviços e tecnologia, e que a Reforma Tributária tende a aumentar a carga, que hoje gira em torno de 14% e pode chegar a cerca de 25% no setor de streaming.

Plataformas como Disney+, Prime Video, HBO Max e Spotify devem sentir impactos semelhantes. "Se o aumento de carga tributária se confirmar com a reforma, as empresas terão de escolher entre repassar o custo ao consumidor, encarecendo as assinaturas, ou absorver parte dele, reduzindo margens de lucro", afirma.

"O caso da Netflix mostra que o Brasil continua sendo um mercado relevante, mas com risco fiscal alto e tendência de aumento de tributação sobre o consumo digital", diz Macário.

*Com informações da agência Reuters

Netflix — Foto: Reuters/Dado Ruvic

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