Mudança social guiada por uma ideia de justiça é o mais difícil empreendimento humano. Exige combate a poderes enraizados, hierarquias e interesses lucrativos. Em mudanças assim, os de cima descem e os debaixo sobem. Alguém sempre perde, se entendermos a promoção de justiça como derrota daquele que se beneficiava da injustiça.
A Constituição de 1988 se comprometeu com projeto desse tipo. Além de prever metas, direito e deveres, dividiu atribuições aos que devem liderar o processo. Há fracassos e êxitos coletivos ao longo desses quase 40 anos de constitucionalismo democrático.
Entre os êxitos, a educação oferece alguns dos exemplos mais inspiradores, sobretudo na educação de crianças com deficiência. Uma vanguarda internacional. O Estado construiu gradualmente arcabouço normativo e política pública orientada pelo princípio da educação inclusiva.
Significa que crianças com deficiência devem frequentar escolas e salas de aula regulares, suplementadas por atendimento educacional especial de acordo com suas singularidades. Demos passos para superar a prática de segregação escolar, onde a linha entre "normalidade" e "deficiência" determina se a criança tem condições para desenvolver autonomia, se tem ao menos a chance da educação plural.
Em sintonia com consensos internacionais, percebemos que o "pleno desenvolvimento da pessoa", o "preparo para o exercício da cidadania" e a "qualificação para o trabalho", que compõem o direito constitucional à educação (art. 205), são potencializados pelo modelo inclusivo. Ali crianças aprendem a lidar mais radicalmente com a diferença, o conflito, a cooperação e a criatividade. Têm melhores oportunidades de saírem preparadas para a vida social, política e econômica.
O caminho entre a filosofia inclusiva e a política educacional inclusiva têm muitos desafios práticos. Estabelecimentos tradicionais como APAEs e Pestalozzis continuam a oferecer "atendimento educacional especializado" e a receber recursos públicos para esse papel suplementar.
O governo federal, sob liderança do Ministério da Educação e do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, editou o decreto 12.686, que estabeleceu a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva. O decreto não fez maiores alterações na legislação e na jurisprudência constitucional vigentes, apenas a reforça e consolida. Não corta recursos nem fecha salas, apenas regula de modo mais criterioso o atendimento especial.
Grupo de parlamentares, sobretudo dos partidos PL, PP e Republicanos, repentinamente reagiu com série de propostas de decreto legislativo para sustar o decreto presidencial. O objetivo seria defender o "direito da família" de optar por um modelo de educação segregado, mesmo que esse reduza o direito da criança com deficiência ao seu melhor desenvolvimento. Ignora que "direito da família" não é uma categoria constitucional, mas sim o "dever do Estado e da família" em prover educação.
É mais um grave exemplo de forças anti-liberais e anti-pluralistas que capturaram, como não vimos nas últimas décadas, a agenda do Congresso brasileiro. Afinal, emancipação coletiva é sua derrota. Preservar hierarquias e estruturas de dominação e exclusão é sua vitória. Contra mulheres, negros, indígenas, moradores de favelas e, até mesmo, pessoas com deficiência.

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1 mês atrás
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