
Crédito, Reprodução/Instagram
- Author, Tom Cardoso
- Role, De São Paulo para a BBC News Brasil
Há 2 minutos
O cantor e compositor Lô Borges morreu na noite de domingo (2/11), em Belo Horizonte, aos 73 anos. O artista estava internado desde meados de outubro, devido a uma intoxicação por medicamentos.
Salomão Borges Filho, conhecido pelo nome artístico de Lô Borges, fez parte da geração de compositores mineiros que entrou para a história da música popular brasileira ao gravar, coletivamente, discos antológicos, que continuam influenciando novas gerações de artistas.
Conhecido por ser um dos fundadores do Clube da Esquina ao lado de Milton Nascimento, a carreira do artista é também marcada por composições como Um Girassol da Cor do Seu Cabelo, O Trem Azul e Paisagem da Janela.
Um dos caçulas de sua turma, dez anos mais novo que Milton Nascimento, Lô quase ficou de fora das gravações de Clube da Esquina, o álbum duplo e colaborativo, gravado em 1971 - e que até hoje encabeça listas de melhores discos já lançados no país.
Os executivos da gravadora EMI achavam que o menino de 19 anos, sem nada gravado, era jovem demais para se misturar no estúdio a músicos devidamente testados e com uma carreira em andamento, como era o caso de Milton, o já famoso autor de Travessia, e dos experientes Wagner Tiso e Toninho Horta.
Milton bateu o pé. Se a EMI continuasse implicando com o garoto, eles estavam fora. "Eu devo muita coisa pra esse cara, bicho! Eles não querendo perder o Milton, me levaram de brinde", brincou o compositor, em uma de suas últimas entrevistas, concedida ao Metrô 1, em outubro.
Lô ficou e provou que Bituca estava certo. Sua participação em Clube da Esquina foi muito além do imaginado até pelo novato, autor, entre outras canções, de grandes sucessos do álbum, como Paisagem da Janela e O Trem Azul.
Antes reticente, a direção da EMI, surpreendida pela atuação de Lô, convidou o estreante para gravar um disco solo, desde que, claro, ele tivesse um repertório pronto. O disco seria lançado em poucos meses.

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Lô mentiu para assinar o contrato. Não tinha nenhuma música pronta, absolutamente nada. Havia gasto toda a munição no disco coletivo. "Eu pensei: 'Não tenho nenhuma canção, mas eu vou criar, vou arregaçar as mangas, vou pegar o violão, vou dormir com ele, vou ficar abraçado com o violão 24 horas por dias e vou fazer o disco. E foi o que aconteceu'", lembrou o compositor, em entrevista ao Correio Braziliense, em 2017.
A ousadia de Lô rendeu outro registro histórico, o Disco do Tênis (1972), chamado assim por conta da foto de capa de um tênis todo surrado, repassado ao compositor por um primo. A imagem tem um alto valor simbólico: Lô teve que gastar muita sola de sapato para deixar o disco pronto em tempo recorde.
A reportagem da BBC News Brasil foi atrás de histórias curiosas envolvendo esse disco, cultuado internacionalmente e que, apesar de levar o nome do compositor, é resultado de outro esforço coletivo.
Modo Beatles de produção
Lô armou um plano para colocar o disco em pé. Combinou com o irmão, o também compositor Márcio Borges, que o processo criativo duraria 24 horas. De dia, ele trabalharia. À noite, o irmão. E assim, durante uma semana, os dois compuseram compulsivamente, esboços de canções que seriam lapidadas com a ajuda dos amigos, os mesmos do Clube da Esquina.
"Era uma oficina intensa de criação, uma coisa incrível. Rolou uma química entre todo mundo que em nenhum outro álbum que eu tenha gravado na minha vida aconteceu de novo. A gente não tinha tempo para fazer ensaios, pensar arranjos, então era tudo feito na hora pela intuição, pela musicalidade. Todas as pessoas emprestaram seu talento para as músicas que eu estava apresentando", recordou Lô, na entrevista ao Correio Braziliense.
No meio do processo, Lô pensou em desistir diversas vezes. O tempo era curto. Logo após a assinatura do contrato, a gravadora havia pedido que o compositor passasse uma lista de canções inéditas, para começar a pensar no repertório, nos arranjos, na cara do disco. Não havia rosto porque não havia música.
Lô, fã dos Beatles, como todos os músicos de sua geração, lembrou que ele não era o único artista a sofrer com prazos e cobranças. "Eu sempre fui um beatlemaníaco e eu me lembrava que, nos primeiros álbuns dos Beatles, eles faziam duas, três músicas por dia, às vezes gravavam um álbum inteiro em uma semana. Eu ainda tinha um tempo a mais do que isso, uns dois meses para compor e gravar tudo. Eu pensava nessas coisas para me ajudar", afirmou o compositor, ao Correio Braziliense.
Assim como os quatro músicos de Liverpool, Lo recorreu a "aditivos" para produzir compulsivamente e buscar inspiração. Eram tempos das drogas lisérgicas. Embora traga toques de psicodelia, o Disco do Tênis é uma apanhado de tudo que Lô e sua turma ouviam na época, de Jimi Hendrix, Emerson, Lake & Palmer a Chico Buarque, Caetano Veloso e Hermeto Pascoal.
Mutirão musical
Os amigos dividiram os ácidos e as tarefas. Milton assumiu a assistência de produção, junto com Márcio Borges, parceiro de Lô em O Caçador, Para Onde Vai Você, Faça Seu Jogo e Não se Apague Esta Noite.
Duas das mais fortes canções do disco, que abrem o álbum, Você Fica Melhor Assim e Canção Postal são parcerias de Lô, respectivamente, com Tavinho Moura e Ronaldo Bastos.
O mutirão envolveu até músicos que não eram propriamente da turma, como Danilo Caymmi, que toca flauta em Não foi Nada e Calibre. Outro filho de Dorival, Dori Caymmi, havia assumido os arranjos e a regência do disco.
Apesar dos esforços, deu tudo errado. O disco não saiu do jeito que Lô queria e também não atendeu às expectativas da gravadora, que achou o disco pouco comercial.
"Eu fiz as canções no sufoco, tanto que rejeitei esse álbum durante algumas décadas. Eu achava ele muito caótico, experimentalista, ansioso. Ele me lembrava os tempos da ditadura, quando eu me sentia oprimido", lembrou Lô, em entrevista ao site Tenho Mais Discos Que Amigos!, em 2021.
Sem investimento, o álbum não aconteceu. E acabou servindo de aprendizado para o autor, que nunca mais aceitou fazer nada sob pressão. O tênis na capa ganhou mais um simbolismo.
"Não queria que a minha carreira fosse regida pelos caras da gravadora. É isso que o tênis quer dizer na capa. Simbolizava que eu estava largando a música naquele momento. Eu não queria sobreviver de música, eu queria que a música sobrevivesse em mim", afirmou Lô, em entrevista ao Correio Braziliense.
Era hora de cair na estrada, sem obrigações. Viver como um cara de 19 anos. "Eu saí da gravação do disco anoréxico, drogado. Quando acabei, eu falei: 'Não quero ver gravadora, não quero saber de showbiz. Quero viver a vida do pessoal da minha idade, ir pra Bahia de carona'", disse o músico, em entrevista ao Jornal do Comércio, em 2017.

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Fãs internacionais
Rejeitado pelo próprio, o Disco do Tênis não foi abandonado pelos fãs. Com o tempo, o culto ao álbum cresceu e rompeu fronteiras. Em 2018, a banda britânica Arctic Monkeys citou o álbum como uma de suas grandes influências musicais.
O vocalista e líder do grupo, Alex Turner, é tão enlouquecido por Aos Barões, que confessou ter feito quase todas as canções do novo disco, Tranquility base hotel & cassino, com a música de Lô na cabeça.
O próprio Lô, com o tempo, diante de tanta idolatria, passou a ver com outros olhos o disco até então renegado.
Ele havia autorizado os diretores Vânia Catani e Rodrigo de Oliveira a rodar um filme sobre o processo de criação do Disco do Tênis, que deve sair em breve.

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