Foto colorizada de Adolf Hitler fazendo discurso

Crédito, Getty Images

    • Author, Tiffany Wertheimer
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  • Há 28 minutos

Uma análise do DNA do sangue de Adolf Hitler — com novas tecnologias — revelou descobertas extraordinárias sobre a ancestralidade do ditador alemão e também sobre possíveis problemas de saúde.

Testes científicos minuciosos realizados por uma equipe internacional de especialistas conseguiram desmentir um boato sobre se Hitler tinha ascendência judaica (ele não tinha) e determinar que ele possuía uma condição genética que afeta o desenvolvimento dos órgãos sexuais — tudo isso a partir de um antigo pedaço de tecido manchado de sangue.

Embora manchetes sensacionalistas tenham se concentrado sobre se o ditador nazista teria um "micropênis" e apenas um testículo, houve descobertas mais sérias na análise do seu DNA.

O material genético de Hitler apresentou pontuações "muito altas" — no percentil superior de 1% — para predisposição ao autismo, esquizofrenia e transtorno bipolar.

Isso significa que ele tinha esses problemas neurológicos? Absolutamente não, dizem os especialistas. Não é um diagnóstico.

Para muitos, surgiram preocupações sobre a estigmatização e a ética da pesquisa, o que leva à pergunta: será que ela deveria ter sido feita?

Rigor acadêmico

"Eu sofri muito com isso", diz a professora Turi King nos primeiros minutos do novo documentário do canal britânico Channel 4 sobre a pesquisa, intitulado Hitler's DNA: Blueprint of a Dictator.

A especialista em genética disse à BBC que, quando foi abordada pela primeira vez para participar do projeto há alguns anos, estava muito consciente das potenciais implicações de estudar o DNA de alguém como Adolf Hitler: "Não tenho interesse em sensacionalizar as coisas".

Mas, segundo ela, era provável que alguém o fizesse em algum momento, e pelo menos sob sua supervisão ela poderia garantir que a pesquisa fosse feita com rigor acadêmico e com todas as "ressalvas e salvaguardas em vigor".

Pedaço de tecido

Crédito, Gettysburg Museum of History

Legenda da foto, O pedaço de tecido foi cortado do sofá do bunker de Hitler — a mancha de sangue pode ser vista no canto inferior esquerdo

O pedaço de tecido ensanguentado — agora com 80 anos — foi retirado do sofá no bunker subterrâneo de Hitler, onde ele se suicidou quando as forças aliadas invadiram Berlim no final da Segunda Guerra Mundial.

Ao inspecionar o bunker, o Coronel Roswell P. Rosengren, do exército americano, viu a oportunidade de obter um troféu de guerra singular e guardou o tecido no bolso. Agora, ele está emoldurado e em exposição no Museu de História de Gettysburg, nos EUA.

Os cientistas estão confiantes de que se trata realmente do sangue de Hitler, porque conseguiram encontrar uma correspondência perfeita entre o cromossomo Y e uma amostra de DNA de um parente do sexo masculino, coletada uma década antes.

Os resultados, que agora estão sob revisão por pares, são realmente fascinantes.

Esta é a primeira vez que o DNA de Hitler foi identificado e, ao longo de quatro anos, os cientistas conseguiram sequenciá-lo para ver a composição genética de um dos tiranos mais horríveis da história.

O que é certo, dizem os especialistas, é que Hitler não tinha ascendência judaica — um rumor que circulava desde a década de 1920.

Outra descoberta fundamental é que ele tinha síndrome de Kallmann, uma doença genética que, entre outras coisas, pode afetar a puberdade e o desenvolvimento dos órgãos sexuais. Em particular, pode levar ao micropênis e à criptorquidia (uma condição médica nos testículos) — o que, se você conhece as músicas britânicas da época da guerra, era outro rumor que circulava sobre Hitler.

A síndrome de Kallmann também pode afetar a libido, o que é particularmente interessante, afirmou o historiador e professor da Universidade de Potsdam, Alex Kay, que é entrevistado no documentário.

"Isso nos diz muito sobre sua vida privada — ou, mais precisamente, que ele não tinha vida privada", explica ele.

Os historiadores debatem há muito tempo por que Hitler era tão completamente dedicado à política, "excluindo quase totalmente qualquer tipo de vida privada", e isso poderia ajudar a explicar tal fato.

Segundo os especialistas, esse tipo de descoberta é o que torna esses estudos fascinantes e úteis. Como afirma King: "a união da história e da genética".

Turi King e Alex Kay

Crédito, Tom Barnes/Channel 4

Legenda da foto, A especialista em genética Turi King e o historiador Alex Kay

Mais complexos e controversos são os resultados que sugerem que Hitler pode ter tido uma ou mais condições neurodivergentes ou de saúde mental.

Ao analisar seu genoma e compará-lo com pontuações poligênicas, os cientistas descobriram que Hitler tinha uma alta predisposição para autismo, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, esquizofrenia e transtorno bipolar.

É aqui que a ciência se torna complexa.

A análise poligênica examina o DNA de uma pessoa e calcula a probabilidade de ela desenvolver uma doença. Pode ser útil para detectar a predisposição de um indivíduo a doenças como problemas cardíacos e tipos comuns de câncer. No entanto, ela compara o DNA da pessoa com uma grande amostra populacional e, portanto, os resultados podem ser muito menos precisos quando se trata de um indivíduo específico.

Ao longo do documentário, que a BBC assistiu, os especialistas fazem questão de reiterar que a análise de DNA não é um diagnóstico, mas sim uma indicação de predisposição — não significa que Hitler tivesse alguma dessas condições.

No entanto, alguns geneticistas manifestaram preocupação com o fato de as conclusões terem sido simplificadas demais.

Denise Syndercombe Court, professora de genética forense no King's College London, diz que os cientistas que estudaram o DNA de Hitler "foram longe demais em suas suposições".

"Em termos de caráter ou comportamento, eu diria que isso é praticamente inútil", disse Court, que analisou a mesma amostra de sangue em 2018, à BBC.

Ela disse que não gostaria de fazer nenhuma previsão sobre se alguém tinha uma doença específica com base nos resultados, devido à "penetrância incompleta".

Simplificando, nas palavras de Sundhya Raman, também cientista genética: "Só porque você tem algo codificado em seu DNA, não significa que você o expressará."

Isso foi expresso no documentário por Simon Baron-Cohen, diretor do Centro de Pesquisa do Autismo da Universidade de Cambridge, que disse: "Passar da biologia para o comportamento é um grande salto", afirma ele.

"Ao analisar resultados genéticos como esses, corre-se o risco de estigmatizar. As pessoas podem pensar: 'Será que meu diagnóstico está sendo associado a alguém que cometeu atos tão monstruosos?'"

"O risco é um reducionismo com a genética", diz ele, quando há tantos outros fatores a serem considerados.

Foto preto e branco de bebê

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Adolf Hitler quando bebê — foto provavelmente tirada em 1889

A Sociedade Nacional de Autismo do Reino Unido reagiu à pesquisa, classificando as descobertas como um "golpe barato".

"Pior do que a ciência de má qualidade, estamos chocados com o descaso insensível [do documentário] pelos sentimentos das pessoas autistas", disse Tim Nicholls, diretor assistente de pesquisa.

"Pessoas autistas merecem algo melhor do que isso."

A BBC levou essas preocupações ao Channel 4 e à Blink Films, a produtora que realizou o documentário.

Em um comunicado, a produtora destacou que especialistas como Baron-Cohen "explicam que o comportamento de uma pessoa é produto de muitos fatores, não apenas da sua genética, mas também, e muito importante, do seu ambiente, desde a infância e as experiências de vida, a forma como foi criada, o acesso à educação e aos recursos, e os fatores culturais que a rodeiam".

"O programa enfatiza que as informações genéticas reveladas nos filmes lançam luz sobre Hitler, mas não nos dizem que ele estava biologicamente predestinado a se comportar de uma maneira específica."

Thomas Weber

Crédito, Stephanie Bonnas

Legenda da foto, O professor Thomas Weber disse que se sentiu "igualmente empolgado e preocupado" ao ver os resultados da pesquisa

O próprio título do documentário, especialmente a segunda parte: Blueprint of a Dictator (algo como "o mapa de um ditador", em português), também causou estranheza.

A professora King disse que esse não é um nome que ela teria escolhido, e o historiador professor Thomas Weber, que aparece no programa, disse à BBC que ficou surpreso com o título, visto que eles haviam enfatizado que "não existe um gene ditador".

O professor, que não tinha visto o documentário antes de falar com a BBC, disse que achou a análise de DNA ao mesmo tempo empolgante e preocupante.

"Empolgante porque confirmou muitas coisas que eu já suspeitava sobre Hitler... mas eu tinha receio de que as pessoas não interpretassem demais a genética, como se estivessem tentando encontrar o 'gene do mal'."

Ele também se preocupa com a forma como o programa está sendo recebido, especialmente por pessoas com autismo e outras síndromes mencionadas.

Existem muitas dificuldades e armadilhas quando se tenta produzir um programa preciso sobre ciência complexa para o público em geral.

"É televisão – às vezes as coisas são simplificadas demais", disse King, que tem muita experiência em equilibrar suas responsabilidades como cientista com as realidades da mídia.

"Eles [os documentaristas] poderiam ter adotado uma abordagem diferente e optado por um sensacionalismo, mas não o fizeram; tentaram captar algumas nuances... e nós estabelecemos os limites."

O Channel 4 defendeu o nome do programa dizendo que "DNA é coloquialmente conhecido como 'blueprint of life' (ou o 'mapa da vida')". Além disso, seu objetivo é "produzir programas que alcancem um público amplo, e este programa visa tornar ideias científicas complexas e pesquisas históricas acessíveis a todos os telespectadores".

Homem olhando sofá

Crédito, Alamy

Legenda da foto, Jornalistas de guerra examinam o sofá dentro do bunker de Hitler em 1945 — acredita-se que a mancha no braço da cadeira é sangue

Existem muitas questões sobre a ética do projeto.

O DNA de Hitler deveria ter sido examinado sem que fosse possível obter sua permissão — ou a de um descendente direto?

E como isso se relaciona com o fato de ele ter sido responsável por uma das piores atrocidades da história? Isso anula o seu direito à privacidade?

"Este é Hitler — ele não é um personagem místico sobre o qual ninguém possa realizar pesquisas de DNA. Quem toma essa decisão?", argumenta King.

A historiadora Subhadra Das concorda: "É isso que os cientistas fazem. Existem centenas de pessoas que morreram há muito tempo e que tiveram seu DNA analisado; é uma prática comum na ciência e na arqueologia — o problema começa na forma como interpretamos esses dados."

O historiador Alex Kay disse que não estava preocupado com o aspecto ético, "desde que os fatos estivessem presentes e nos certificássemos de que tudo seja verificado e revisado".

E sobre se o DNA de Hitler deveria ter sido analisado: "Hitler está morto há 80 anos. Ele não tem descendentes diretos e não teve filhos. Ele foi responsável por um sofrimento incalculável — temos que ponderar isso em relação ao dilema ético de analisar seu DNA."

Curiosamente, vários laboratórios na Europa se recusaram a participar do projeto. Foi um laboratório nos EUA que realizou os testes.

Os documentaristas disseram à BBC que a pesquisa "passou pelo processo padrão de revisão ética para trabalhos acadêmicos", que inclui revisões realizadas em dois países.

Foto de Hitler caminhando com homens atrás dele

Crédito, General Photographic Agency/Hulton Archive/Getty Images

Legenda da foto, Hitler em 1933

Então, essa pesquisa deveria ter sido realizada? A BBC conversou com diversos cientistas da área de genética e historiadores, e a resposta depende de quem você pergunta.

Os participantes do documentário, naturalmente, dizem que sim. Isso ajuda a construir um perfil mais completo de Hitler, uma figura que ainda fascina e aterroriza na mesma medida, segundo eles.

"Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para compreender o extremismo do passado", acredita Weber.

"Sejamos honestos", diz Kay, "esses assuntos já existiam... não plantamos essa ideia na cabeça das pessoas de repente. Há décadas que se especula se Hitler tinha certos distúrbios."

Nem todos os historiadores concordam.

"Acho que é uma maneira muito duvidosa de tentar explicar o que motivou as ações de Hitler", diz Iva Vukusic, professora assistente de história internacional na Universidade de Utrecht.

Vukusic, cujos estudos se concentram na perpetração de violência em massa, disse à BBC que entende o interesse das pessoas, mas "quaisquer que sejam as respostas que buscamos, elas não serão encontradas por meio de um teste de DNA".

E embora a pesquisa seja interessante, corre o risco de obscurecer as verdadeiras lições da história, afirma Anne van Mourik, historiadora do Instituto NIOD em Amsterdã.

A lição é que "pessoas normais, em certos contextos, podem cometer, instigar ou aceitar atos de violência horríveis".

Ela afirma que focar no (possível) micropênis de Hitler não nos ensina nada sobre como a violência em massa e o genocídio funcionam e por que ocorrem.

Hitler e Eva Braun com cachorros

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Hitler com Eva Braun, com quem se casou pouco antes de ambos se suicidarem no bunker

Com o estudo concluído e a pesquisa em processo de revisão por pares, os resultados completos estarão disponíveis em algum momento.

Weber diz que elas devem ser usadas "com extrema cautela e sobriedade", mas tem esperança de que sejam úteis de alguma forma.

"Essa é a grande vantagem dos resultados de pesquisa: eles podem se concretizar daqui a cinco, 150 ou 500 anos. Essa pesquisa estará disponível para a posteridade e tenho certeza de que pessoas inteligentes a utilizarão no futuro."

Mas todos nós temos uma responsabilidade em relação à forma como utilizamos esses resultados.

Kay afirma que todos devem "seguir a ciência" e deixar claro o que sabemos e o que não sabemos.

Isso inclui a mídia e a forma como as notícias são divulgadas.

"Qualquer pessoa que assista a este documentário tem a responsabilidade de escrever sobre ele com precisão, para garantir que não esteja contribuindo para a estigmatização."

"Um documentário como este não existe isoladamente."