
Crédito, Prince Group/Getty Images
- Author, Jonathan Head
- Role, Correspondente no sudeste asiático, BBC News
Há 3 minutos
Com apenas 37 anos de idade, Chen Zhi é acusado de ser "o cérebro por trás de um extenso império de ciberfraudes... uma empresa criminosa construída com base no sofrimento humano".
Com sua barba rala e feições infantis, ele aparenta ter ainda menos idade. E, sem dúvida, Chen Zhi enriqueceu muito, em muito pouco tempo.
Em meados de outubro, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos acusou Chen Zhi de dirigir empresas no Camboja, responsáveis por fraudes que roubaram bilhões de dólares em criptomoedas, de vítimas de todo o mundo.
O Departamento do Tesouro americano confiscou cerca de US$ 14 bilhões (cerca de R$ 75,5 bilhões) em bitcoins que estariam vinculados a Chen Zhi. O órgão também afirma que este é o maior confisco de criptomoedas já realizado até hoje.
A empresa Cambodian Prince Group, de sua propriedade, descreve Chen Zhi no seu website como "empresário respeitado e renomado filantropo", cuja "visão e liderança transformaram o Grupo Prince em um líder empresarial no Camboja, que respeita os padrões internacionais".
A BBC entrou em contato com o Grupo Prince, solicitando comentários a respeito.
Mas o que sabemos sobre Chen Zhi, a misteriosa figura acusada de dirigir um império de fraudes?
Ascensão surpreendente
Criado na província de Fujian, no sudeste da China, Chen Zhi começou com uma pequena empresa de jogos via internet.
Aparentemente, a empreitada teve pouco sucesso e ele se mudou para o Camboja no final de 2010 ou em 2011. Ali, ele começou a trabalhar no florescente setor imobiliário do país.
Sua chegada coincidiu com o início de uma explosão imobiliária especulativa no Camboja. Ela foi impulsionada pela disponibilidade de grandes extensões de terras desapropriadas por figuras poderosas, com conexões políticas, e por uma avalanche de entrada de capital chinês.
Parte deste capital se destinava ao ponto final da Iniciativa Cinturão e Rota — a Nova Rota da Seda, do presidente chinês Xi Jinping, criada para exportar infraestrutura de fabricação chinesa.
Havia também investidores chineses individuais, buscando alternativas mais acessíveis para o superaquecido mercado imobiliário da China. E o número de turistas chineses que visitavam o Camboja também aumentou rapidamente naquela época.
Com tudo isso, o horizonte da capital cambojana, Phnom Penh, mudou drasticamente. Sua paisagem urbana característica, de construções baixas e mansões coloniais francesas de cor mostarda, se transformou em mais uma floresta asiática de arranha-céus de aço e vidro.
A transformação de Sihanoukville, antes um pequeno e tranquilo balneário no sul do país, foi ainda mais radical.
Para ali, além dos turistas chineses e especuladores imobiliários, passaram também a se dirigir jogadores, já que o jogo é ilegal na China.
Surgiram novos cassinos, portentosos hotéis de luxo e blocos de apartamentos. Havia muito dinheiro para ganhar naquele local.
Ainda assim, a trajetória de Chen Zhi foi surpreendente.
Em 2014, ele se naturalizou cambojano, renunciando à sua nacionalidade chinesa. Esta decisão permitiu que ele comprasse terrenos no seu próprio nome no Camboja, mas exigiu um investimento mínimo ou doação de US$ 250 mil (cerca de R$ 1,35 milhão) ao governo do país.
Nunca se soube ao certo de onde vinha o dinheiro de Chen Zhi.
Ao abrir uma conta bancária na ilha de Man, em 2019, ele mencionou um tio anônimo que, segundo ele, havia dado US$ 2 milhões (cerca de R$ 10,8 milhões) para que ele fundasse sua primeira empresa imobiliária, em 2011. Mas ele nunca comprovou essa doação.

Crédito, Getty Images
Chen Zhi fundou o Grupo Prince em 2015, voltado para incorporações imobiliárias. Ele tinha apenas 27 anos de idade.
Em 2018, ele conseguiu licença para operar um banco comercial e fundou o Banco Prince.
Naquele mesmo ano, ele obteve um passaporte cipriota, em troca de um investimento mínimo de US$ 2,5 milhões (cerca de R$ 13,5 milhões). Com isso, ele obteve acesso fácil à União Europeia.
Posteriormente, Chen Zhi também adquiriu cidadania de Vanuatu, na Oceania. Ele fundou a terceira linha aérea do Camboja e, em 2020, obteve o certificado para operar uma quarta.
A divisão imobiliária do Grupo Prince construiu shopping centers de luxo em Phnom Penh, hotéis cinco estrelas em Sihanoukville e desenvolveu um ambicioso projeto para construir ali uma "ecocidade" de US$ 16 bilhões (cerca de R$ 86,3 bilhões), chamada de "Baía das Luzes".
Em 2020, Chen Zhi recebeu o título máximo outorgado pelo rei do Camboja, de Neak Oknha. O título exige a doação ao governo de pelo menos US$ 500 mil (cerca de R$ 2,7 milhões).
Àquela altura, ele já havia sido nomeado assessor oficial do ministro do Interior do Camboja, Sar Kheng, desde 2017. E também era sócio comercial do seu filho, Sar Sokha, e assessor oficial do homem mais poderoso do país, Hun Sen — e, posteriormente, do seu filho, Hun Manet, que sucedeu o pai como primeiro-ministro em 2023.
Chen Zhi foi elogiado pela imprensa local como filantropo. Ele financiou bolsas de estudo para estudantes de baixa renda e realizou doações consideráveis para ajudar o Camboja a enfrentar a pandemia de covid-19.
Mas ele continuou sendo uma figura enigmática. Chen Zhi se mantinha afastado dos holofotes, com poucas declarações públicas.

Crédito, AFP via Getty Images
"Todas as pessoas com quem conversei, que trabalharam diretamente com ele, ou que estiveram na mesma sala com ele, o descrevem como muito gentil, muito tranquilo, muito comedido", afirma o jornalista Jack Adamovic Davies. Ele realizou uma investigação de três anos sobre Chen Zhi, que foi publicada no ano passado pela emissora norte-americana Rádio Ásia Livre.
"Acredito que ele foi inteligente ao não se tornar aquele tipo de pessoa extravagante, sobre quem seriam escritas notícias sensacionalistas", comenta ele.
"Até aqueles que não querem mais se associar a ele continuam impressionados pelo seu carisma discreto, sua seriedade."
Mas de onde provinha tanta riqueza e poder?
'Longa lista de delitos transnacionais'
Em 2019, estourou a bolha imobiliária em Sihanoukville.
O negócio das apostas online atraiu organizações criminais chinesas, que travaram violentas guerras territoriais entre si, afugentando os turistas.
Pressionado pela China, o então primeiro-ministro cambojano Hun Sen proibiu as apostas via internet em agosto daquele ano.
Cerca de 450 mil chineses abandonaram a cidade, após o colapso do seu principal negócio. Muitos dos blocos residenciais do Grupo Prince ficaram vazios.
Mas Chen Zhi continuou expandindo seus negócios e gastando livremente.
Autoridades britânicas afirmam que, em 2019, ele comprou uma mansão de 12 milhões de libras (cerca de US$ 15,7 milhões ou R$ 85 milhões) no norte de Londres e um edifício de escritórios de 95 milhões de libras (cerca de US$ 124,5 milhões ou R$ 671 milhões) no distrito financeiro da cidade.
Já os Estados Unidos afirmam que Chen Zhi e seus associados compraram propriedades em Nova York, jatos privados, superiates e um quadro de Picasso.
Segundo os americanos, a riqueza de Chen Zhi provém do negócio mais rentável da Ásia atualmente: as fraudes online, acompanhadas de tráfico de pessoas e lavagem de dinheiro.
Os EUA e o Reino Unido impuseram sanções a 128 empresas vinculadas a Chen Zhi e ao Grupo Prince, além de 17 pessoas de sete nacionalidades diferentes, que teriam ajudado a dirigir seu império de golpes via internet.
Os bens vinculados a Chen Zhi nos EUA e no Reino Unido foram congelados.

Crédito, Tribunal Distrital EDNY dos Estados Unidos
O anúncio das sanções descreve uma complexa rede de empresas-fantasma e carteiras de criptomoedas, que movimentavam dinheiro para ocultar sua origem.
O documento declara que "a Organização Criminosa Transnacional Prince Group lucra com uma longa lista de delitos transnacionais, incluindo a sextorsão (um tipo de fraude que consiste em solicitar material sexualmente explícito, frequentemente de menores, para chantagem), lavagem de dinheiro, diversas fraudes e extorsões, corrupção, jogos online ilegais e o tráfico, tortura e extorsão, em escala industrial, de trabalhadores escravizados, para impulsionar a operação de pelo menos 10 complexos de fraudes no Camboja".
'Império da fraude'
A China também investigou discretamente o Grupo Prince, pelo menos desde 2020.
Foram apresentadas diversas ações judiciais acusando a empresa de executar esquemas de fraude na internet.
O Escritório Municipal de Segurança Pública da capital chinesa, Pequim, criou um grupo de trabalho "para investigar o Grupo Prince, uma importante organização internacional de jogos de azar na internet, com sede no Camboja".
Os EUA e o Reino Unido alegam que suas atividades estavam centralizadas em negócios como o Parque Científico e Tecnológico Golden Fortune, um complexo construído pelo Grupo Prince em Chrey Thom, perto da fronteira com o Vietnã.
O Grupo Prince negou no passado qualquer envolvimento em golpes e declarou que não mantém mais ligações com o Golden Fortune. Mas as investigações americanas e britânicas defendem que ainda existem vínculos comerciais claros entre eles.
Adamovic Davies entrevistou diversas pessoas que moravam e trabalhavam perto do Golden Fortune, para sua investigação sobre Chen Zhi.
Elas descreveram agressões brutais, principalmente aos chineses, vietnamitas e malaios que tentavam escapar do complexo, onde eram obrigados a realizar golpes online.
"Acredito que a magnitude das suas operações é o que realmente diferencia Chen Zhi", afirma ele.
Davies destaca que é surpreendente que o Grupo Prince tenha conseguido construir uma "presença global" sem gerar alarme, considerando as graves acusações criminais enfrentadas atualmente pelo grupo.
"O que deveria incomodar muitas pessoas é que Chen Zhi nunca conseguiu adquirir todos esses ativos, nem em Singapura, nem em Londres, nem nos Estados Unidos", explica ele.
"Advogados, contadores, agentes imobiliários, banqueiros, todos deveriam ter observado esse grupo e dito: 'Um momento, isso não faz sentido.' E eles não fizeram."

Crédito, AFP via Getty Images
Atualmente, após toda a publicidade negativa gerada pelas sanções dos EUA e do Reino Unido, as empresas vêm rapidamente se desvinculando do Grupo Prince.
O Banco Central do Camboja precisou emitir um comunicado aos correntistas preocupados, garantindo que eles poderão retirar seus fundos do Banco Prince. E autoridades da Coreia do Sul congelaram US$ 64 milhões (cerca de R$ 345 milhões) dos seus depósitos nos bancos do país.
Já os governos de Singapura e da Tailândia prometem conduzir investigações sobre as subsidiárias do Banco Prince nas suas jurisdições. Das 18 pessoas procuradas pelos EUA e do Reino Unido, três são cidadãos de Singapura.
O governo do Camboja fez poucas declarações, a não ser apelar às autoridades americanas e britânicas para que se assegurem de terem provas suficientes para suas acusações.
Mas a elite cambojana terá dificuldades para se distanciar de Chen Zhi, depois de manter com ele relações tão estreitas, por tanto tempo.
O Camboja já enfrentava pressão cada vez maior, devido à sua tolerância às empresas fraudulentas. Há quem calcule que elas possam representar cerca da metade da economia do país.
E onde está Chen Zhi, em meio a tudo isso?
Não se tem notícias dele desde o anúncio das sanções, em meados de outubro. O enigmático magnata, que já foi uma das figuras mais poderosas do Camboja, aparentemente desapareceu.

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