Crédito, Agência Brasil
- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
Há 13 minutos
A expectativa do governo é que a medida movimente a economia ao ampliar a oferta de financiamento mais barato para 42 milhões de brasileiros que trabalham com carteira assinada, em empresas e como funcionárias domésticas.
Já o novo consignado para CLT pode triplicar a oferta desse tipo de crédito, para R$ 120 bilhões, segundo a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).
O empréstimo consignado oferece taxas de juros menores porque representa menos risco para os bancos, já que as parcelas são descontadas diretamente da remuneração mensal do devedor.
Atualmente, a modalidade é usada amplamente por servidores públicos e aposentados do INSS.
Já no caso dos trabalhadores formais, o funcionamento hoje é mais burocrático e acaba dependendo de convênios entre empresas e bancos para facilitá-lo.
A previsão é de que Lula assine na quarta-feira uma medida provisória com novas regras e mecanismos que facilitem a liberação.
O acesso ao consignado para CLT funcionará por meio do eSocial, sistema público que já unifica de forma obrigatória informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais de empregadores e empregados de todo o país.
Segundo já adiantou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, haverá ainda uma plataforma para o trabalhador comparar as taxas de juros de diferentes bancos.
"Você vai consignar no eSocial, que é algo que toda empresa hoje tem que aderir para fazer o recolhimento do que deve ao trabalhador em termos de INSS, fundo de garantia [FGTS], imposto [de renda] retido na fonte e assim por diante. Então, o eSocial se transformou num veículo que permite o crédito consignado privado", disse Haddad a jornalistas, no final de janeiro.
A expectativa do governo é que o consignado seja oferecido ao empregado formal com juros em torno de 2,5% ao mês (cerca de 34,4% ao ano), contra uma taxa de cerca de 5,5% (cerca de 90,2% ao ano) que é oferecida atualmente para o trabalhador privado no crédito pessoal. Quem já estiver endividado, poderá trocar a dívida mais cara pelo consignado.
O presidente-executivo da Febraban, Isaac Sidney, estima que o novo sistema pode triplicar a carteira de crédito consignado dos bancos.
"[Com o novo sistema], os bancos não vão mais precisar fazer convênios com pequenas e médias empresas, esse é o grande gargalo. Existe uma massa salarial de R$ 113 bilhões e esse grupo só consegue acessar R$ 40 bi de crédito consignado. Esse crédito vai ser mais barato para o trabalhador privado. Esperamos que essa carteira de crédito chegue a R$ 120 bilhões", disse a jornalistas em janeiro, após reunião com Haddad.
Segundo levantamento do Banco Central junto a 46 instituições financeiras, a taxa de juros cobrada no consignado de trabalhadores privados variou de 21,34% ao ano a 128,35% ao ano em janeiro.
Já a taxa do crédito pessoal não consignado cobrada em 80 bancos variou de 13,98% ao ano a 948,97%, no mesmo período.
O crédito consignado para aposentados do INSS hoje tem taxa máxima de 1,80% ao mês (24% ao ano), limite fixado pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
Benefícios e riscos
A ampliação do consignado é vista como forma de colocar mais dinheiro na mão dos trabalhadores e movimentar a economia, embora economistas apontem também riscos potenciais de aumento da inflação e endividamento das famílias.
Para o professor de finanças Rafael Schiozer, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), a ampliação do crédito consignado será especialmente positiva se levar à troca de dívidas mais caras por financiamentos mais barato, ajudando as famílias a reduzirem seu endividamento.
Por outro lado, afirma Schiozer, se a facilitação ao acesso ao consignado acabar seduzindo o trabalhador a se endividar mais para consumir no curto prazo, o impacto pode ser negativo ao comprometer sua renda mensal no futuro.
Ele também vê possível impacto na inflação com o aquecimento do consumo, o que pode dificultar o trabalho do Banco Central de conter a alta dos preços por meio do aumento da taxa de juros.
Ainda assim, Schiozer não considera que isso deveria barrar as mudanças.
"O governo não deveria deixar de avançar em reformas microeconômicas positivas [como opções de crédito mais baratas] porque estamos em um momento macroeconômico difícil", afirma.
A economista Gabriela Chaves, fundadora da plataforma de educação financeira NoFront, considera que seria "natural" que o trabalhador tivesse acesso ao FGTS em momentos de perda de poder de compra, como diante da recente disparada de preços de alimentos.
Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio realizada em dezembro, quase 77% das famílias brasileiras têm alguma dívida.
"Existe uma tendência de aumento do endividamento que me preocupa. O crédito é uma solução de curto prazo para um problema bastante complexo", alerta.
"Enquanto as pessoas não tiverem aumento do poder de compra, elas vão precisar recorrer ao crédito para questões básicas como o supermercado e alimentação. O governo precisa pensar em políticas de aumento do poder de compra."
Segundo especialistas em inflação de alimentos, as soluções para conter a alta dos preços são de médio e longo prazo, como melhorar a infraestrutura de escoamento e armazenagem da produção agrícola do país e dar mais capacitação a produtores menores.
Crédito, EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK
Além do novo consignado, o governo Lula já está turbinando o bolso dos trabalhadores com uma liberação extraordinária do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
A medida beneficia pessoas demitidas desde 2020 que haviam aderido ao saque-aniversário — modalidade que permite sacar anualmente parte do fundo, mas que bloqueia por dois anos o acesso ao dinheiro no momento da demissão.
Segundo o governo, a liberação desse recurso que estava bloqueado tem potencial para beneficiar 12,1 milhões de empregados e poderá injetar R$ 12 bilhões na economia.
Essa possibilidade de saque parcial na data de nascimento do trabalhador foi criada no governo de Jair Bolsonaro (PL) — ela permite tanto o saque anual como antecipar valores futuros em operações de crédito cujas parcelas são, depois, descontadas do FGTS.
Por outro lado, o uso dessa modalidade trava o acesso ao FGTS em caso de demissão. O trabalhador, nesse caso, só recebe a multa rescisória paga pela empresa quando há desligamento sem justa causa.
A novidade, porém, só vale para quem foi demitido até 28 de fevereiro, quando foi publicada a medida provisória liberando o saque.
Segundo disse o ministro Luiz Marinho ao jornal O Globo, trata-se de uma medida extraordinária.
A decisão de não tornar a mudança permanente reflete a oposição do setor de construção, já que o FGTS é usado para financiamento imobiliário — ou seja, com mais saques, há menos recurso para financiar a construção de novos empreendimentos.
Entidades como a Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) criticam a possibilidade de saque-aniversário e gostariam que ela fosse extinta, mas isso é visto como uma medida impopular.
Já as centrais sindicais criticam o bloqueio ao FGTS na demissão, justamente quando o trabalhador está com mais dificuldades financeiras.
Com a publicação da MP, os valores serão liberados em até duas parcelas.
O primeiro pagamento, de até R$ 3 mil por trabalhador, começou a ser feito em 6 de março para os que têm conta bancária previamente cadastrada para recebimento de recursos do FGTS.
Já quem não tem conta cadastrada poderá sacar nos pontos de atendimento. Os nascidos de janeiro a abril terão acesso também no dia 6 de março; os nascidos de maio a agosto podem sacar no dia seguinte; e os demais terão acesso no dia 10 de março.
Os trabalhadores com saldo superior a R$ 3 mil receberão o restante em junho. Os que já têm conta recebem no dia 17.
Os demais podem sacar de acordo com o mês de nascimento: 17 de junho para nascidos entre janeiro e abril; 18 de junho para nascidos entre maio e agosto; e dia 19 para o restante.
Depois, essa MP precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias para ter validade definitiva. Mas, durante a tramitação, os parlamentares podem realizar modificações, aprovando regras diferentes da proposta original do governo.
Por enquanto, a medida provisória prevê que o trabalhador que acessar o saldo retido não terá de sair da modalidade de saque aniversário. Mas, desde 1º de março, aqueles que forem demitidos terão seus saldos bloqueados novamente, podendo sacar apenas a multa rescisória.
Para Schiozer, não faz sentido travar o saque do trabalhador no momento da demissão em caso de uso no saque-aniversário.
Ele nota que há certa controvérsia sobre a validade do FGTS, já que é uma espécie de poupança forçada do empregado formal.
Por outro lado, ressalta o especialista, estudos internacionais sobre mecanismos similares ao FGTS indicam que há impactos positivos nos momentos de maior vulnerabilidade do trabalhador.
"Não acho contraditório ter as duas opções: que o trabalhador possa sacar parte dessa poupança forçada anualmente e que tenha acesso à [maior parte dessa] poupança quando realmente tem necessidade, que é a razão de ser do FGTS", avalia Schiozer.
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