Porto de Brest

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Legenda da foto, Pesquisadores estão reunindo evidências do nosso impacto no planeta por meio das marcas que deixamos na natureza
  • Author, Chris Baraniuk
  • Role, BBC Future
  • Há 1 minuto

Os micróbios que vivem neste porto francês nunca se recuperaram da Segunda Guerra Mundial.

Entre 2012 e 2017, Raffaele Siano extraiu núcleos de sedimentos do fundo do mar no porto de Brest, imaginando o que encontraria.

Quando ele e seus colegas do Instituto Francês de Ciências Oceânicas (Ifremer) analisaram os fragmentos de DNA capturados nesses núcleos, descobriram algo impressionante.

As camadas mais antigas e profundas de sedimento — que datam de antes de 1941 — tinham traços de plâncton chamados dinoflagelados que eram notavelmente diferentes dos traços genéticos de plâncton deixados nas camadas mais rasas e recentes.

"Havia um grupo, uma ordem desses dinoflagelados, que era muito abundante antes da Segunda Guerra Mundial, e que praticamente desapareceu após a Segunda Guerra Mundial", diz Siano.

Ele e seus colegas publicaram um estudo detalhando suas descobertas em 2021.

Siano lembra que o porto de Brest foi bombardeado durante a guerra. Depois, em 1947, um navio de carga norueguês explodiu na Baía de Brest.

O desastre matou 22 pessoas e espalhou nitrato de amônio, um produto químico tóxico usado para fabricar fertilizantes e explosivos, no mar.

Sedimentos ainda mais jovens, nas décadas de 1980 e 1990, revelaram outras mudanças na comunidade de plâncton do porto.

"Correlacionamos isso com outro tipo de poluição proveniente de atividades agrícolas intensivas", diz Siano.

A natureza tem uma maneira de se lembrar das coisas. Os ecos de determinadas atividades humanas, especialmente as altamente poluentes, às vezes aparecem nos anéis de crescimento das árvores, nos sedimentos costeiros e nos ecossistemas.

Pode-se dizer que esses traços são indícios do Antropoceno, uma época geológica proposta na qual se diz que a humanidade alterou a Terra de forma irreversível e drástica.

A história humana, ao que parece, está gravada na própria estrutura do nosso planeta — e na vida que coexiste aqui conosco.

Etang de Thau

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Legenda da foto, Os cientistas extraíram núcleos de sedimentos do Etang de Thau, uma lagoa de água salgada no sul da França

Ecos de Pearl Harbour

Siano e seus colegas são predominantemente ecologistas, mas também trabalham com historiadores.

"A terra mudou por causa do impacto humano, e também por causa de eventos históricos", diz Siano.

Quando a equipe analisou os núcleos de sedimentos de Brest, também detectou um umento gradual na poluição por metais pesados com o passar do tempo.

As camadas mais jovens de sedimentos continham volumes maiores de mercúrio, cobre, chumbo e zinco, por exemplo.

O relatório observa que havia níveis semelhantes de alguns destes metais — especialmente chumbo e cromo — em Pearl Harbour, uma importante base naval dos EUA, no Havaí, que foi fortemente bombardeada por aviões de guerra japoneses em 1941.

No entanto, Siano acrescenta que não se pode ter certeza se esses metais vieram diretamente das bombas.

De qualquer forma, há um sinal tanto em Brest quanto em Pearl Harbour de um momento calamitoso e poluente na história da humanidade.

Outros pesquisadores também vasculharam o planeta em busca de registros geológicos de poluição antropogênica.

Na China, sedimentos do solo revelam um aumento acentuado na contaminação por metais desde 1950 — o que se correlaciona com um aumento na poluição do ar durante a segunda metade do século 20.

Um estudo separado explora como o surgimento de indústrias como a de construção naval pode estar ligado a uma maior incidência de depósitos de metais pesados nos anéis de crescimento de árvores de certas partes da China.

Até mesmo a metalurgia romana, de muitos séculos atrás, deixou sua marca. Um estudo de 2022 constatou um aumento notável na contaminação por chumbo em núcleos de gelo, sedimentos e turfa na Europa, correlacionado com o desenvolvimento da indústria romana.

No entanto, às vezes é difícil ter certeza de que eventos específicos causaram picos de contaminação por chumbo, observam os autores.

Jean-Luc Loizeau, da Universidade de Genebra, na Suíça, estudou os sedimentos do Lago Genebra, especialmente o material encontrado em uma pequena área do lago próxima a uma estação de tratamento de águas residuais.

O pesquisador diz que o sedimento ali contém muitos traços de atividades humanas.

Essencialmente, a forma como a água se move nesta parte do lago ajudou a preservar esses indícios.

"Ele se acumula porque há uma espécie de giro que mantém o sedimento dentro da baía", explica Loizeau, fazendo referência à Baía de Vidy, na margem norte do lago.

Em um artigo de 2017, ele e seus colegas descrevem a poluição por metais pesados que se tornou evidente aqui em camadas de sedimentos que datam da década de 1930.

Entre os exemplos específicos que ele cita, está um pico de contaminação por mercúrio durante a década de 1970.

"Sabemos que houve um acidente em uma destas indústrias", explica Loizeau.

"Houve algum derramamento de mercúrio porque houve um rompimento em um tanque, e realmente encontramos esse pico no sedimento."

Além disso, traços de elementos como o bário nos núcleos de sedimentos podem estar ligados à ascensão dos automóveis, acrescenta Loizeau — porque os freios dos carros geralmente contêm bário.

Além dos metais, materiais radioativos também encontraram aplicações em várias indústrias.

Na Suíça, por exemplo, o rádio foi usado por muito tempo para fabricar detalhes que brilham no escuro de mostradores de relógios.

Restos de rádio do setor de relojoaria apareceram em aterros sanitários e edifícios no país.

Cratera Sedan

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Legenda da foto, A cratera Sedan, no deserto de Nevada, foi criada em 1962, quando um dispositivo nuclear de 104 quilotons foi detonado no subsolo

E espalhadas pelo mundo estão evidências que revelam o legado sombrio deixado pelas armas nucleares durante o século 20.

Veja, por exemplo, as crateras gigantescas no deserto de Nevada, nos EUA, provocadas por enormes testes de armas. Mas algumas contaminações causadas por detonações nucleares são muito mais sutis.

Em 2019, pesquisadores revelaram que alguns dos grãos de areia nas praias próximas à cidade japonesa de Hiroshima são, na verdade, partículas de detritos criados quando os EUA lançaram uma bomba atômica na cidade, em 6 de agosto de 1945, no final da Segunda Guerra Mundial.

"A composição química dos detritos derretidos fornece pistas sobre sua origem, especialmente em relação aos materiais de construção da cidade", escreveram os autores.

Em outras palavras, a bomba transformou os edifícios em pó, o calor da explosão remodelou esse pó, e a explosão acabou espalhando esse material pela paisagem próxima — marcando-a para sempre.

Os resíduos de explosões nucleares não se limitam ao ar livre. Eles também podem estar no seu sótão.

A poeira do sótão geralmente permanece intocada por décadas — diferentemente do solo urbano, que tem maior probabilidade de ser remexido —então, é possível que permaneçam vestígios de contaminantes.

Um estudo publicado em 2003 relata os resultados de uma pesquisa em 201 residências do Estado americano de Nova Jersey.

Entre os vestígios encontrados pelos pesquisadores, havia concentrações de chumbo que se correlacionavam aproximadamente com a prevalência de chumbo na poluição do ar durante o século 20.

Mas eles também encontraram pequenas quantidades de Césio-137, um isótopo radioativo.

Isso era mais comum quanto mais antiga era a propriedade, e talvez possa ser explicado, sugerem os pesquisadores, pela frequência de testes de armas nucleares acima do solo nos EUA, especialmente durante as décadas de 1950 e 1960.

Grupo de pessoas no Santuário de Itsukushima com maré baixa, na Ilha de Miyajima, no Japão

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Legenda da foto, Partículas de detritos criadas quando os EUA lançaram uma bomba atômica em Hiroshima, no Japão, se misturam à areia das praias próximas

Siano e seus colegas estão agora indo mais longe em sua busca por pistas da história humana incorporadas na natureza.

A equipe coletou mais de 120 núcleos de sedimentos de nove países diferentes da Europa, na esperança de encontrar mais correlações entre eventos históricos e traços de DNA ou contaminação por metais deixados nesses núcleos.

"Podemos procurar os impactos da [erupção] do vulcão Vesúvio em Nápoles", diz Siano, observando que o vulcão entrou em erupção pela última vez em 1944. E aqui, como em outros locais, a equipe também pode detectar sinais de material radioativo emitido durante o desastre nucelar de Chernobyl — a contaminação do acidente se espalhou por mais de 40% da Europa.

Em ainda mais lugares, observa Siano, evidências de tudo, desde derramamentos de óleo até o desenvolvimento de fazendas de ostras, podem ter ficado retidas nos sedimentos.

"Temos todo o material para responder a essas perguntas", diz ele.