Cientistas preparam uma vala para colocar o corpo de um animal e analisar seu processo de decomposição

Crédito, José Silván

Legenda da foto, Investigadores preparam o local onde serão exumados diversos animais para averiguação
    • Author, Alejandro Millán Valencia
    • Role, BBC News Mundo
  • Há 23 minutos

O terreno era firme e plano. Não havia indícios de que, ali, poderia existir uma vala comum, repleta de cadáveres.

Mas um grupo de especialistas na busca de valas comuns e outro que procura desaparecidos estavam certos de que aquele terreno, em uma fazenda do Estado mexicano de Jalisco, continha corpos de pessoas desaparecidas.

Apesar dos esforços manuais dos integrantes dos dois grupos para encontrar os corpos, não houve resultados. Eles não conseguiam indicar um local que pudesse esconder uma vala comum.

Até que um dos participantes fez uma proposta diferente: fazer um drone sobrevoar o local com uma câmera térmica, projetada para detectar mudanças da temperatura do solo. Desta forma, seria possível saber se havia corpos enterrados por ali.

Depois de vários voos, o drone conseguiu detectar uma ligeira alteração naquele terreno firme. Ali, havia corpos enterrados.

A pessoa encarregada de fazer voar o drone pertencia à Comissão de Busca de Pessoas Desaparecidas do México. Mas ela havia usado informações desenvolvidas por outro organismo oficial, o Centro de Pesquisa em Ciências da Informação Geoespacial (CentroGeo​).

Cadáveres de porcos cobertos com cal

Crédito, José Silván

Legenda da foto, Os porcos são enterrados para estudo pelos cientistas dos organismos oficiais do México

"Usamos ferramentas projetadas para outras funções, que nos ajudam a encontrar os corpos das pessoas desaparecidas", declarou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o cientista Juan José Silván, especializado no processamento de imagens de satélite do CentroGeo.

O que eles fazem continuamente, desde 2023, é detectar valas com tecnologia geoespacial, que coleta e analisa informações com a ajuda de drones e satélites.

E, para poder obter informações precisas, eles também utilizam insetos, árvores e até porcos.

"Nós vestimos os porcos e os enterramos em locais sendo analisados nesta investigação", explica Silván. "A ideia é tentar reproduzir os efeitos produzidos por um corpo enterrado no solo."

"Estes efeitos no solo podem ser desde variações térmicas até protuberâncias imperceptíveis para o olho humano. Eles podem ser lidos posteriormente com equipamentos de geolocalização ou leitura de imagens digitais, com uma pergunta que é básica para nós: como a luz é refletida?"

Agente verifica uma possível vala comum, cercada por fita amarela

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Foram encontradas no México cerca de 6 mil valas comuns nos últimos anos

Cerca de 6 mil valas

A questão das valas comuns e dos desaparecidos cresceu exponencialmente no México, ao longo dos últimos 12 anos.

Este problema começou a aumentar com o início da guerra contra o narcotráfico, declarada pelo governo do ex-presidente Felipe Calderón, em 2006.

Segundo o governo mexicano, em 2013, havia 26 mil pessoas registradas como desaparecidas no país. Hoje, são 130 mil.

Nesse período, foram encontradas cerca de 6 mil valas e surgiram mais de 300 grupos em busca dos desaparecidos.

Muitos desses grupos usam um método simples que possibilitou encontrar a maioria das valas. Eles fincam uma espécie de estaca no solo para poder encontrar evidências de restos humanos ou valas comuns.

"O que fez com que nos dedicássemos à investigação científica para encontrar respostas a esta problemática foi o caso dos estudantes de Ayotzinapa", conta Silván.

Túmulos desenterrados de uma vala comum no México

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Estima-se que haja 130 mil pessoas desaparecidas no México

O incidente comoveu o país. Os jovens estudantes não deixaram nenhum rastro. Até o momento, apenas três deles foram identificados.

"O que fizemos foi assumir a tarefa de encontrar, na ciência e na investigação, uma forma de poder ajudar na busca de pessoas desaparecidas", explica Silván.

O investigador destaca que, para ele, era preciso recriar as condições em que um corpo se decompõe debaixo da terra. Mas, frente à impossibilidade de fazê-lo com corpos humanos reais, os porcos foram a melhor opção.

"A composição anatômica dos porcos é muito similar à dos seres humanos", prossegue Silván. "Compartilhamos 98% do DNA, sem falar no tamanho, na distribuição de gordura e na espessura da pele."

Eles vestem os porcos com roupas humanas e os enterram em diferentes lugares, basicamente no Estado de Jalisco, para observar o processo de decomposição e seus efeitos no terreno.

Mas não se trata apenas de enterrar os animais. Eles precisam reproduzir as diferentes formas em que foram enterrados os corpos de pessoas desaparecidas que foram encontrados.

"Nós os colocamos cortados em pedaços, com mantas, amarrados, queimados ou cobertos com cal", explica o investigador. "Também os colocamos em grupos e individualmente."

O objetivo do método é observar o efeito da decomposição sobre o terreno, de um drone ou satélite, para poder identificar possíveis locais onde se encontram valas comuns.

"A ideia é podermos ter todas as variáveis de informação possíveis para obter os dados mais precisos e fazer com que as ferramentas tecnológicas possam nos ajudar em nosso objetivo."

Escaravelho verde-azulado sobre uma folha

Crédito, José Silván

Legenda da foto, Os insetos também podem servir de fonte de informação

Além das informações obtidas enterrando os animais, os investigadores também usam dados coletados em conflitos, como os ocorridos na Colômbia, nos Bálcãs e também na Ucrânia.

Os resultados

"Algo que nos chamou a atenção é que a roupa não faz diferença nos efeitos sobre o solo, mas as mantas, sim", explica Silván. "E, como este, existem milhares de outros detalhes."

Do ponto de vista técnico, a melhor forma de detectar corpos enterrados é usar uma câmera que emite um facho de luz e permite identificar variações do terreno examinado.

A vegetação também pode ajudar. Os grupos de buscadores de desaparecidos sabem que, nos terrenos onde há valas comuns, surgem flores amarelas.

"Isso se deve ao fósforo produzido pelos corpos sepultados", afirma Silván. "As plantas também são mais verdes e brilhantes onde há valas comuns, pois existe aumento da clorofila."

Mas os corpos dos desaparecidos não são apenas enterrados. Eles também são borrifados com substâncias como cal, ácido ou soda cáustica, para desaparecer com seus rastros.

Nos estudos com porcos, os investigadores não analisam sua influência sobre o solo, mas o efeito da luz sobre essas substâncias.

"Inicialmente, era apenas o efeito da luz sobre o terreno. Agora, acrescentamos avaliações de exploração geofísica, com aparelhos que produzem tomografia eletrônica do solo", explica o investigador.

Investigadores trabalhando com drones

Crédito, José Silván

Legenda da foto, As análises aéreas, utilizando drones e diversas ferramentas de medição da luz, permitem a identificação das valas comuns

Outra descoberta da investigação é que, nos lugares onde foram enterrados os corpos dos porcos, surgiu uma espécie de "microecossistema", que faz com que insetos como escaravelhos ou moscas também sirvam de fontes de informação.

Todos estes dados são empregados pela Comissão de Busca de Pessoas Desaparecidas de Jalisco e de outros Estados mexicanos.

Já surgiram alguns resultados positivos, mas, segundo Silván, é preciso que as investigações não fiquem restritas a Jalisco.

Segundo a imprensa local, já foi encontrada pelo menos uma vala comum contendo corpos de pessoas desaparecidas em cada um dos 31 Estados mexicanos.

"Isso é apenas uma ajuda. A melhor forma de continuar buscando valas é no terreno, com as pessoas rastreando cada centímetro de terra", conclui Juan José Silván.