Foto de uma mulher musculosa vestindo roupas de ginástica roxas, pulando corda na academia.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Gabriela (foto) diz que 'tentou de tudo', desde dietas mais rigorosas até treinos intensos seis dias por semana, mas 'nada funcionou'
  • Há 16 minutos

A advogada carioca Gabriela, de 40 anos, conta que "tentou de tudo" para perder os quilos extras que ganhou durante a pandemia de covid-19 — incluindo fazer dietas rigorosas e manter treinos intensos na academia, seis dias por semana.

Mas "nada funcionou", diz ela, que preferiu não ter seu nome real usado nesta reportagem.

Foi então que suas amigas lhe revelaram que estavam usando as chamadas "canetas emagrecedoras" e amaram os resultados.

Apesar de sua aparência atlética, Gabriela, que mede 1,69 m de altura e pesava 76 kg, decidiu seguir o mesmo caminho.

Em fevereiro de 2024, comprou suas primeiras canetas de Ozempic em uma farmácia no Rio de Janeiro — sem receita médica e fora dos critérios clínicos para prescrição — e começou a usá-las por conta própria, sem supervisão médica.

Os resultados foram quase imediatos. "Foi surreal. Eu ia a um buffet japonês, comia seis pedaços de sushi e me sentia como se tivesse devorado uma costela inteira."

Ela continua a usar o medicamento de forma intermitente até hoje. "Quando me olho no espelho e gosto do que vejo, tudo na vida parece mais fácil", acrescenta.

Mas médicos e entidades de saúde alertam que o uso de canetas emagrecedoras sem indicação médica e sem supervisão pode ser perigoso, chegando a causar a morte.

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), esses medicamentos só podem ser vendidos com receita médica e devem ser usados exclusivamente por pessoas que atendam às indicações médicas aprovadas, geralmente pacientes com obesidade ou diabetes tipo 2.

Nesta quinta-feira (27/11), a Polícia Federal deflagrou uma operação contra uma quadrilha que fabricava e vendia ilegalmente a tirzepatida, príncipio ativo das canetas de Mounjaro, que tem efeito semelhante às de Ozempic.

Entre os alvos de busca e apreensão estava o médico Gabriel Almeida, que tem um consultório no bairro Jardim Europa, área nobre de São Paulo.

Ele é suspeito de intermediar médicos para receitar o produto, atrair pacientes, além de usar as redes sociais — onde ele acumula mais de 750 mil seguidores — para vender o produto e o tratamento para emagrecimento como se fosse uma atividade legalizada.

A defesa de Gabriel Almeida negou o envolvimento dele na fabricação, manipulação e venda do medicamento e disse que a relação dele com a substância tirzepatida é "estritamente científica e acadêmica".

Também afirmou que o médico não faz propaganda de produtos ilegais, mas "promove o debate técnico sobre diferenças, vantagens e desvantagens entre a medicação de referência e as possibilidades da medicina personalizada (manipulados)".

'Um pouco inchado'

Duas canetas para perda de peso sobre um fundo rosa.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Especialistas alertam contra o uso sem supervisão para resultados rápidos

As canetas emagrecedoras estão mudando completamente a forma de tratar a obesidade e outras condições relacionadas ao peso.

Conhecidas por marcas como Ozempic, Wegovy e Mounjaro, esses medicamentos injetáveis imitam um hormônio liberado após a alimentação, chamado GLP-1, que ajuda a controlar o apetite e prolonga a sensação de saciedade. O Mounjaro ainda atua em outro hormônio, o GIP.

Embora cada país tenha suas regras, normalmente esses medicamentos são indicados para adultos obesos — com IMC acima de 30 — ou para quem tem IMC entre 27 e 30 e alguma condição relacionada ao peso, como diabetes, hipertensão ou problemas cardíacos.

Mas cada vez mais, essas canetas estão sendo usadas simplesmente para perder alguns quilos extras, mesmo quando não há necessidade médica.

Com IMC de 26,6 ao começar o tratamento, Gabriela estava na faixa de leve sobrepeso.

Mas o índice não distingue massa muscular de gordura, e pessoas atléticas como ela podem ser classificadas como acima do peso mesmo estando saudáveis.

Na época, Gabriela estava abaixo do limite recomendado para prescrição e não possuía nenhuma condição clínica que justificasse o uso do medicamento.

Em junho deste ano, o Brasil ampliou os critérios para a prescrição de medicamentos para perda de peso, permitindo seu uso também em pacientes com IMC abaixo de 30, desde que passem por avaliação clínica prévia.

As novas diretrizes — divulgadas pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) em parceria com 15 sociedades médicas — também passaram a considerar medidas como circunferência da cintura e relação cintura/altura.

"Estes são medicamentos aprovados para tratar condições como diabetes ou obesidade — eles não são ferramentas cosméticas", explica a médica endocrinologista Simone van de Sande Lee, diretora do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Segundo Lee, familiares, amigos e até médicos frequentemente lhe perguntam onde conseguir o medicamento.

Bharti Shetye, vice-presidente da Associação de Medicina da Obesidade, nos Estados Unidos, trabalha em diversos países e afirma ouvir relatos de "tantos casos de pessoas usando somente por estética".

No TikTok e no Instagram, é possível encontrar centenas de fotos e vídeos de pessoas antes e depois do tratamento, e celebridades têm se aberto cada vez mais sobre o uso das canetas emagrecedoras.

Em agosto, a tenista americana Serena Williams falou publicamente sobre seu uso.

A atriz e cantora britânica Kelly Osbourne, que também usou essas canetas, explicou sua motivação em uma entrevista em 2024. "Existem milhões de maneiras de perder peso. Por que não fazer isso através de algo que não seja tão chato quanto se exercitar?"

Andrew, executivo britânico de 49 anos, recorreu às canetas emagrecedoras por descontentamento com a aparência.

"Me sentia um pouco inchado… Não me sentia bem comigo mesmo. Voltei do recesso de Natal e pensei 'vou resolver isso de algum jeito'."

Na época, Andrew, que tem 1,83 m de altura, pesava cerca de 90 kg. Assim como Gabriela, ia à academia com regularidade. Seu IMC era de 26,9 — abaixo do limite para prescrição no Reino Unido.

Mesmo assim, ele obteve as canetas por meio de uma farmácia online, preenchendo somente uma autoavaliação. Ninguém checou se as informações eram corretas ou se o tratamento era apropriado.

No início de 2024, começou a aplicar semanalmente Wegovy e depois Mounjaro, e perdeu peso rapidamente. Assim como Gabriela, pediu para não ter seu nome verdadeiro divulgado.

"Quase imediatamente, o que senti foi que aquela vontade de comer desapareceu… Passei a não pensar tanto em comida."

Acostumado a dar festas luxuosas em sua cobertura em Londres, ele ainda frequenta restaurantes, mas passou a comer muito menos.

"Nunca sinto, ou sinto muito raramente, aquela vontade louca de comer que costumava sentir."

Foto de um homem sem rosto, com o torso musculoso à mostra na praia, usando shorts azuis.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Andrew começou a usar canetas para perda de gordura, mesmo não atendendo aos critérios estabelecidos no Reino Unido

Efeitos colaterais

Apesar de Gabriela e Andrew relatarem experiências positivas, especialistas alertam que todos os medicamentos envolvem riscos, e ainda existem muitas incógnitas sobre o uso das canetas emagrecedoras.

Versões anteriores dos medicamentos GLP‑1 já eram usadas no início dos anos 2000 para tratar diabetes tipo 2, mas só nos últimos quatro anos ganharam ampla popularidade, quando agências reguladoras ao redor do mundo passaram a aprová‑las também para perda de peso.

"Simplesmente não sabemos os efeitos em pessoas que usam esses medicamentos somente por motivos estéticos", afirma Simon Cork, professor de fisiologia na Anglia Ruskin University, no Reino Unido.

Ele alerta que, como quase tudo que se conhece sobre esses medicamentos se baseia em uso contínuo com supervisão médica, o uso intermitente dificulta avaliar seus efeitos a longo prazo.

Bruno Halpern, endocrinologista e presidente eleito da Federação Mundial de Obesidade, disse que pesquisas sugerem que os medicamentos são "relativamente seguros" para pessoas com obesidade ou diabetes.

"Mas, se milhões de pessoas saudáveis começarem a usá-los — algumas sem necessidade médica —, poderemos começar a ver efeitos colaterais raros com mais frequência", argumenta.

Efeitos colaterais comuns desses medicamentos incluem náusea, vômito, diarreia e constipação.

Entre os efeitos mais raros e graves estão a gastroparesia, em que o estômago desacelera ou para de funcionar, e uma condição ocular rara que pode causar perda de visão.

Recentemente, uma mulher de 31 anos, da Paraíba, morreu após usar o medicamento por conta própria. Segundo o médico legista, ela apresentou uma queda acentuada da glicemia, perdeu a consciência e sofreu broncoaspiração, o que levou à sua morte.

De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), o caso "reforça a importância de evitar a automedicação e de buscar sempre orientação profissional".

"O uso indevido das chamadas 'canetas emagrecedoras' pode causar eventos graves e até fatais quando realizado sem prescrição e acompanhamento médico", informou a entidade em nota.

Gabriela diz que, até agora, seu único problema foi uma dor leve no estômago, que ela atribui à combinação de jejum e consumo de álcool enquanto usava as canetas.

"Eu estava passando por uma fase meio louca", admite.

 cérebro, pâncreas e sistema digestivo.

'Fingindo estar acima do peso'

Um dos problemas é garantir que as canetas emagrecedoras sejam usadas apenas por quem tem receita médica.

No Reino Unido, a venda é restrita a pacientes com receita, mas médicos e entrevistados pela BBC relatam que algumas farmácias online fazem apenas verificações mínimas.

"Você poderia facilmente ser um adolescente de 16 anos com transtorno alimentar fingindo ser um paciente obeso de 35 anos e conseguir uma receita", alerta Cork. "Isso é extremamente perigoso."

Em março de 2025, cerca de 1,5 milhão de pessoas no Reino Unido estavam usando canetas emagrecedoras, e 95% das compras eram feitas online, segundo a empresa de inteligência de mercado IQVIA.

No início do ano, o Conselho Geral de Farmácia do Reino Unido endureceu as regras sobre como farmácias online podem vender e prescrever os medicamentos, devido a preocupações com uso indevido, segurança e falta de oferta.

No Brasil, também neste ano, as regras para prescrição desses remédios ficaram mais rígidas por motivos semelhantes.

Em abril, a Anvisa tornou obrigatória a retenção da receita médica para a venda de canetas emagrecedoras, e as regras passaram a valer a partir de junho. Também proibiu a manipulação da semaglutida, presente em medicamentos como Ozempic e Wegovy.

Piora na composição corporal

Outro problema é que as canetas emagrecedoras podem levar à perda de massa muscular, não apenas gordura, especialmente em pessoas mais magras, alerta Halpern.

"Indivíduos magros em dietas restritivas costumam perder mais músculo do que gordura. Se depois recuperarem o peso, a composição corporal piora. Esse ciclo de perder e ganhar peso, o efeito sanfona, aumenta o risco de ganho de peso a longo prazo", diz ele.

As canetas são aplicadas semanalmente no braço, na coxa ou no abdômen, com doses gradualmente aumentadas.

Mas Gabriela e Andrew relatam que usam o medicamento de forma intermitente: ela às vezes interrompe antes de festas para poder comer mais; ele faz ciclos antes das férias e depois pausa por alguns meses, retomando depois.

Há também riscos psicológicos. Halpern observa que muitos pacientes acreditam que perder peso os tornará automaticamente felizes ou aceitos — expectativas raramente realistas. Quando interrompem o uso e o peso retorna, frequentemente se sentem fracassados.

O corpo também apresenta resistência à perda de peso a longo prazo, explica Cork.

"Quando você perde peso, o corpo não diz simplesmente: 'Ótimo, acabou'. Os hormônios da fome aumentam, o metabolismo desacelera e o organismo tenta restaurar seu ponto de equilíbrio."

Segundo ele, assim que os pacientes param de usar as canetas, que suprimem os sinais de fome, o corpo retoma sua luta para recuperar o peso perdido.

Por isso, acrescenta, as canetas são indicadas para uso contínuo, ao longo da vida, em pacientes que realmente precisam.

Apesar dos riscos, Gabriela e Andrew dizem não ter planos de parar.

"Acho que fiquei viciada nisso", admite Gabriela.

Andrew encara a droga como um compromisso de longo prazo com sua aparência.

"Se eu acabar intercalando o uso pelo resto da minha vida, acho que tudo bem. Provavelmente também vou ter que fazer botox para sempre… isso é apenas parte do custo de vida."