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'Pessoas olhavam uma criança com skate e não achavam sadio', lembra Mineirinho

Após o maior drop de todos os tempos, Sandro Dias conta que o que mais escutou dos gaúchos desde que desceu a mega rampa no Centro Administrativo Fernando Ferrari (Caff) foi “obrigado por realizar o nosso sonho”. Ele ainda assimila o impacto do feito para os gaúchos, assim como o sonho realizado, que vem dos anos 1980. Ao Jornal do Comércio, Mineirinho falou sobre o projeto e sua repercussão, e ainda deixou a brecha para os novos sonhos, que estão no horizonte.

Jornal do Comércio - A 70 metros do chão e prestes a dropar a rampa, qual a sensação, física e mental?

Mineirinho - É muito doido, porque me vi na rampa centenas de vezes e, sinceramente, não tinha medo. Não sentia nada. Na hora dos 70m, que era a primeira vez, um pensamento de medo tentou entrar na minha cabeça, mas na hora eu já desviei. Foi a única vez, acho que também por ser uma novidade. Era muito alto e eu não tinha muita certeza se meu skate ia aguentar. Quando saí dos 65m, apertei os eixos já que deu uma balançada naquele drop e acho que isso pode ter gerado uma insegurança. Eu falava assim: "é só um ladeirão, coloca o skate na parede, segura as pernas e fica em cima, o resto é menos do que você treinou".

JC - E olhava para baixo antes de descer?

Mineirinho quebrou o recorde mundial ao "dropar" de uma altura de 65 metros | TÂNIA MEINERZ/JC

Mineirinho quebrou o recorde mundial ao "dropar" de uma altura de 65 metros TÂNIA MEINERZ/JC

Mineirinho - Olhava tranquilamente. Também treinei minha mente para tentar visualizar o momento em cima da rampa do prédio. Fiquei dois dias em Curitiba treinando e toda vez que eu subia na rampa — foram 100 drops em dois dias — fazia exatamente a mesma coisa em todos os drops. Olhava para o céu, mentalizava as mesmas palavras e visualizava as espumas, já para não ter o perigo de chegar na hora e amarelar. Não sabia que tinha essa condição de concentração, de mentalização.

JC - Como percebe a popularização do skate, antes marginalizado pela sociedade?

Mineirinho - Comecei a andar de skate numa época que não era nem considerado esporte. Ganhei como um brinquedo e comecei a frequentar as pistas que tinham em Santo André (SP), e o amor pelo skate acabou me trazendo até hoje. Minha geração foi responsável por desmarginalizar o esporte, porque o maior incentivo na época era justamente o preconceito. As pessoas olhavam uma criança com o skate e achavam que aquele brinquedo não era sadio. Éramos tachados como marginais, moleques de rua. Não existia muita informação a respeito do skate e minha geração conseguiu quebrar as barreiras, conseguiu profissionalizar, igualar e ultrapassar o nível técnico dos estrangeiros. Hoje vejo que ter passado por tudo isso foi muito bom.

JC - E existe um contraste na visão do skate entre gerações?

Mineirinho - Acho que a geração de hoje deve ser cinco à frente da minha. Então é muito diferente. As crianças iniciam muito mais novas no skate e os pais enxergam como uma ferramenta, até um trabalho. Tanto que muitos pais viraram técnicos.

Sandro Dias busca passar ideais de amor e amizade junto ao skate para novas gerações | NATHAN LEMOS/JC

Sandro Dias busca passar ideais de amor e amizade junto ao skate para novas gerações NATHAN LEMOS/JC

JC - O que você acha disso?

Mineirinho - Às vezes tenho um pouco de medo e procuro mostrar o que o skate representa para nós, principalmente da minha geração, que é o amor, a amizade, a paixão, o lifestyle. Tentamos passar isso ao máximo, mas com o crescimento do esporte acaba se soltando um pouco. Essa nova geração começa a andar de skate para ser um campeão olímpico ou mundial, ou para ter muito dinheiro. São outros parâmetros. Não tínhamos nada, então a gente amava, brincava e se divertia. E não é o que acontece muito hoje, porque a molecada começa já num universo muito competitivo.

JC - E não pensa em virar técnico?

Mineirinho - Não. Gosto de ensinar sem ter o compromisso de ensinar. Gosto de ajudar. A Red Bull já me usou muito para isso. Antes de 2021 fui para o Japão ensinar uma atleta, a Sakura, a dar um 540. Fiquei 10 dias lá, dei vários toques para ela, que só não acertou enquanto eu estava lá por um detalhe mental, não técnico. Depois ela foi para as Olimpíadas e o 540 foi fundamental para a medalha de ouro. Ela ganhou as Olimpíadas e era uma das únicas que dava a manobra que eu tinha ensinado. Logo depois ela andava com a medalha para todo lado e no primeiro momento em que me viu, veio e colocou a medalha no meu pescoço. Falei "caraca velho, que louco a Sakura fazer isso, ela reconheceu que eu ajudei ela para caramba e eu fiquei muito grato com isso".

JC - Tem noção do significado do feito para o Rio Grande do Sul?

Mineirinho - Comecei a cair na real agora, né? Porque aí você vai conversando com as pessoas, e sabemos da tragédia que teve. Acredito que foi um dos maiores eventos depois da enchente. Depois de tudo que a cidade passou, inclusive no Caff, onde foi muito afetada aquela região. E as pessoas se depararem com um evento desse tamanho, uma quebra de recorde, uma coisa totalmente inovadora, acho que entra um pouco no emocional de todo mundo. Não é só do skatista, mas de todo mundo. Parei para pensar só depois no impacto que isso faria, estou achando sensacional.

JC - E o skate, vai ficar como recordação?

Mineirinho - Não pretendo desmontar, quero deixar ele como uma lembrança desse feito. Até porque quando colei a lixa, ninguém percebe, mas ela representa o prédio. Começa lá de cima, começa a descer, continua descendo, e aqui continua descendo e começa a subir até chegar na espuma. Está colado desde maio.

JC - O que foi mais desafiador no projeto?

Mineirinho - No começo do ano, quando vieram os números e os estudos, vi o que realmente me esperava na descida. Até então eu pensava como qualquer skatista: "monta lá que eu desço, de boa". Depois, com os números, eu falei "não é monta lá que eu desço não’" E como eu nunca tinha feito nenhum projeto desse tipo antes, de ter que fazer uma preparação específica, no começo foi bem desafiador, porque tudo que eu estava fazendo era pela primeira vez. Downhill, teste de força G, teste de airbag. Todas as primeiras vezes foram muito desafiadoras. Foi muito doido.

Skate utilizado no drop deverá ser guardado como recordação do feito | TÂNIA MEINERZ/JC

Skate utilizado no drop deverá ser guardado como recordação do feito TÂNIA MEINERZ/JC

JC - E a ressaca após o drop? Ficou muito cansado?

Mineirinho - Zero ressaca, cara. Por incrível que pareça. Estou cansado mentalmente, porque venho numa rotina de muita coisa acontecendo. Mas fisicamente, por conta do que eu fiz, zero.

JC - E como fica o ânimo para os próximos projetos?

Mineirinho - Tive uma experiência muito maluca nesse projeto, de testar a capacidade mental e física de uma pessoa de 50 anos. E percebi que nada me para. Se eu tiver a mesma dedicação que tive para esse projeto em qualquer outra coisa que eu for fazer, sou capaz. Independente do projeto. Se eu tiver que fazer um projeto com as mesmas proporções de treinamento físico e mental como esse, eu encaro de boa. E amarradão ainda. 

JC - Um último recado.

Mineirinho - O recado que dei indiretamente é que o que a gente se propõe a fazer com dedicação, independente da idade, da magnitude das coisas, que parece muito difícil, muito distante, cara… foca e vai atrás. Se tiver um sonho que talvez seja muito longe para você realizar sozinho, tenta convencer as pessoas para te ajudar de alguma forma. Assim como eu nunca desisti, uma hora consegui convencer a Red Bull. Eles abraçaram a minha ideia de tantas vezes que eu coloquei na mesa para mostrar.

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