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A reação foi imediata. Na terça-feira, logo que a Câmara aprovou o Projeto de Lei 5041/2025 acabando com a liberdade das companhias aéreas de cobrar por bagagem despachada e introduzindo gratuidades, um empreendedor com um projeto avançado de lançar uma companhia aérea de baixo custo no Brasil sentiu o vento mudar. "É muito frustrante. Investidores que estão inclinados a investir me escreveram dizendo que assim não dá para confiar no Brasil", desabafou o empresário, que tem histórico no setor na América Latina. Em roadshow para captação de investimentos, ele pediu anonimato.
A autorização para cobrança de bagagens e de outros serviços foi introduzida em dezembro de 2016 com a resolução 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que é o órgão que tem a prerrogativa de regular o setor. No entanto, sempre que um político está em busca de uma pauta midiática, surge um PL reintroduzindo a franquia gratuita de bagagens.
Apesar do apelo popular — ou populista — em um país que adora a ilusão de um almoço grátis, o maior prejudicado será inequivocamente o consumidor. As companhias vão compensar os custos adicionais e a perda da receita auxiliar jogando tudo para dentro do bilhete — e quem viajava light, sem bagagem, vai pagar pela bagagem do vizinho.
Além de não perder dinheiro com a medida, as companhias ainda vão se beneficiar do fechamento do mercado doméstico brasileiro para novos competidores. Conveniente para empresas que até alguns meses atrás tentavam convencer que uma fusão em um mercado de três concorrentes seria boa para o consumidor.
Assim como a alta litigância em caso de atraso ou cancelamento — que custa quase R$ 1 bilhão por ano ao setor e acontece no Brasil em volumes sem comparação com o resto do mundo — as restrições à cobrança de bagagens e outros serviços funcionam como uma grande barreira de entrada, afastando novos competidores.
Para as companhias de ultra baixo custo (Ultra Low Cost) que se espalharam pela América Latina nas últimas duas décadas, a medida transforma aquele que é o maior e mais cobiçado mercado da região em "no go" — jargão aeronáutico para situações que impedem um pouso ou uma decolagem.
Políticas de desregulamentação tarifária como as que o Congresso ameaça reverter foram as grandes responsáveis pela democratização do transporte aéreo em todo o mundo, abrindo espaço para novos modelos de negócio como as low costs.
No Brasil não foi diferente. Até o final dos anos 1990, havia teto no preço das passagens e as empresas precisavam pedir autorização para ampliar oferta e encomendar novos aviões. A desregulamentação gradual a partir do início dos anos 2000 levou ao surgimento da Gol (2001) e da Azul (2008).
Com livre competição e tarifas livres, o preço médio da passagem caiu de R$ 642 em 2002 para R$ 346 em 2016. No mesmo período, o volume de passageiros transportados triplicou, saltando de 30 milhões para 100 milhões (2017).
A resolução 400 da Anac marcaria um aprofundamento da desregulamentação ao permitir a cobrança de bagagens e outros serviços — ainda que preservando uma série de direitos ao passageiro que não se vê em nenhum outro país.
Desde 2017, porém, o setor andou de lado. Crise econômica, judicialização, pandemia e cada vez mais insegurança jurídica.
Tão logo a resolução 400 foi publicada, no dia 14 de dezembro de 2016, o então Senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou um projeto de decreto legislativo sustando a regra que autorizava a bagagem despachada. O projeto passou no Senado na mesma semana, mas está parado na Câmara desde então.
Em 2021, a medida ressurgiu como uma emenda na medida provisória do Voo Simples, mas foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro. O veto ainda está para ser apreciado no Congresso. Mesmo em tese travando a pauta, segue na gaveta.
O novo projeto do deputado Josias Da Vitória (PP-ES), festejado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, e aprovado a toque de caixa, vai muito além nos vetos ao que pode ser cobrado e imposição de obrigações às companhias aéreas (veja todas as medidas abaixo), violando inclusive acordos bilaterais de serviços aéreos firmados pelo Brasil.
A aviação que respondia por cerca de um terço da demanda transportada pelas empresas de ônibus interestaduais no começo do século, graças a desregulamentação hoje é quase o triplo da demanda do transporte rodoviário interestadual de passageiros — setor este que ficou estagnado na sua regulação, com a ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre) até hoje controlando a oferta e protegendo o mercado das incumbentes.
Aguardando ainda votação no Senado, o PL 5041/2025 é um pouso forçado na política iniciada há 25 anos. Condena o setor aéreo a um ambiente de baixo crescimento e falta de concorrência, resultando em menos oferta e tarifas mais altas. Mas, para os nobres parlamentares que têm as viagens pagas com verba de gabinete, o preço da passagem parece não importar.
Veja o que está previsto no projeto 5041/2025 aprovado no Congresso:
Fornecer uma bagagem despachada gratuita de até 23 kg em voos domésticos e internacionais;
Oferecer bagagem de mão gratuita de até 12 kg em voos domésticos, independentemente do tipo de aeronave ou rota;
Proibir cobranças pela seleção de assentos padrão;
Proibir o cancelamento automático de voos de volta se o passageiro perder o voo de ida, a menos que haja autorização expressa;
Fornecer até dois assentos adicionais sem custo para passageiros que necessitem de assistência especial.
Opinião
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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