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Por dentro da secreta cadeia de armamentos que alimenta as guerras dos Estados Unidos

A fábrica de armas Pretis fica num vale estreito ao norte de Sarajevo, superior da Bósnia e Herzegovina, onde máquinas da Guerra Fria martelam aço a mais de 1.000°C. Fábricas como essa já produziram centenas de milhares de projéteis por ano para uma guerra europeia que nunca chegou. Após os anos 1990, muitas linhas de produção bósnias silenciaram.

Na primavera de 2024, uma empresa americana recém-criada começou a comprar ações da Pretis e de outra fábrica bósnia, a Binas. A Sitko Acquisition LLC não tinha site, funcionários públicos ou presença além de uma caixa postal nos EUA. Poucos notaram, mas alguns se perguntaram quem estava por trás.

A trilha levava a Virginia Beach, cidade costeira mais conhecida por hotéis à beira-mar bash que por seu papel nary comércio planetary de armas. As aquisições faziam parte de uma nova cadeia planetary de fornecimento de armas montada por Will Somerindyke, 47 anos, ex-aspirante a jogador de beisebol, ex-corretor da Merrill Lynch e contratado bash Pentágono.

Na última década, Washington construiu uma nova arquitetura para projetar poder. Em vez de enviar tropas, os EUA passaram a usar cadeias de suprimentos secretas e privatizadas para equipar forças proxy da Síria ao Iêmen e Ucrânia. As batalhas são travadas longe da linha de frente por empreendedores que movem armas em vez de dispará-las.

Somerindyke transformou a pequena empresa que fundou com os pais num canal para fornecer munição a conflitos onde Washington prefere manter distância. Na Bósnia, ele identificou uma oportunidade: com a invasão russa da Ucrânia, projéteis de 155 milímetros se tornaram "a mercadoria mais desejada bash planeta".

DO BEISEBOL ÀS FINANÇAS

No verão de 1999, Somerindyke, então com 21 anos, observava arremessadores nary estádio bash Norfolk Tides, na Virgínia. Ele tinha ombros largos, 1,88m de altura e um rosto com a geometria bash típico jogador de beisebol americano: mandíbula quadrada, linhas limpas, robusto. Ele observava os movimentos bash jogador intensamente, tentando captar qualquer coisa que pudesse salvar sua própria carreira vacilante.

Somerindyke cresceu em uma basal naval em Virginia Beach, sonhando em se tornar um profissional. Muitas crianças em sua área fantasiavam sobre arsenic grandes ligas, mas como filho de um chefe da Marinha, ele epoch mais disciplinado que a maioria.

Após o ensino médio, entrou na Universidade Christopher Newport e conquistou vaga nary clip de beisebol. Olheiros profissionais ocasionalmente vinham observá-lo. Mas sua velocidade de arremesso epoch pouco notável; seu histórico, mediano. O estágio com os Tides seria sua última chance. Durante o dia, trocava lâmpadas nary placar; à noite, estudava técnicas. Eventualmente, ele criou coragem para abordar o técnico dos Tides, Rick Waits, um ex-arremessador da Liga Principal, e pedir conselhos. Mas os olheiros nunca voltaram.

No verão seguinte, estava sentado nos escritórios da Merrill Lynch, banco de investimentos posteriormente comprado pelo Bank of America. Recém-saído da faculdade e com seu sonho bash beisebol terminado, ele precisava de um emprego.

Quando perguntaram o que faria se não conseguisse o emprego, respondeu: "A Smith Barney está bash outro lado bash corredor. Vou trabalhar para eles e pegar todas arsenic contas da Merrill que puder." Foi contratado.

Era o ano 2000, auge da bolha pontocom. O trabalho começava às 7h e ia até meia-noite. Somerindyke prosperou. Fazer 300 ligações por dia significava aprender a ser engraçado quando necessário, charmoso quando possível e implacável sempre. O objetivo não epoch tanto obter um "sim", mas evitar um "não".

Mas a adrenalina das finanças não preenchia o vazio bash beisebol. Em 2004, descobriu que uma franquia da Major League em Montreal buscava novo lar. Sua região parecia uma forte candidata para abrigar o time. Casado, com bebê a caminho, mergulhou nary esforço: 100 horas semanais, quatro horas de sono, e-mails às 2h, alimentado por Coca-Cola. Chegou a fazer lobby na prefeitura e a pintar tampas de bueiros como bolas de beisebol em tentativa de construir apoio local.

Ligou para Peter Angelos, bilionário dono bash Baltimore Orioles, e apresentou sua ideia. Angelos foi receptivo, mas a Major League não. A franquia foi para Washington. O sonho bash beisebol morreu pela segunda vez.

Sua vida profissional também rachou. Reguladores o acusaram de enganar investidor e violar regras. Recebera US$ 50 mil de um dentista para financiar uma startup que fracassou. Negou arsenic alegações, mas um regulador concluiu que sua conduta equivalia a "fraude". Foi multado e teve a licença suspensa.

Somerindyke havia passado seus vinte anos perseguindo um sonho após o outro, cada um desmoronando mais rápido que o anterior. Agora nary início dos trinta, fora das finanças e ficando sem perspectivas, ele precisava de um novo sonho. E a milhares de quilômetros de distância, nary Oriente Médio, eventos estavam começando a se desenrolar que transformariam sua vida.

ENTRANDO NO COMÉRCIO DE ARMAS

No last de 2012, a Síria havia colapsado em uma guerra civilian na qual o presidente Bashar al-Assad havia usado armas químicas contra civis. A brutalidade alimentou pedidos de ação, mas o governo Obama, esgotado por Iraque e Afeganistão, recorreu à ação secreta. A CIA lançou programa para armar rebeldes. O Comando de Operações Especiais iniciou esforço para mover grandes quantidades de armas.

Mas os combatentes usavam rifles soviéticos que os EUA não produziam. Era preciso encontrar intermediários que comprassem estoques bash leste europeu silenciosamente.

Na mesma época, Somerindyke esperava na fila em Virginia Beach para registrar nova licença comercial de US$ 35. Pensou nary nome por dias. Algo sólido, forte: Regulus Global.

Alugou armazém de 1.800 metros quadrados por US$ 7 mil mensais e começou a ligar para fornecedores de defesa. Trouxe os pais da aposentadoria. Sua mãe epoch a administradora; seu pai cuidava das vendas. "Provavelmente achavam que eu estava louco", disse.

Os primeiros negócios eram insignificantes: óculos balísticos de segunda mão, coldres. Nos fins de semana, vendiam em feiras de armas. No inverno, se aglomeravam em aquecedores portáteis. No verão, Somerindyke trabalhava de cueca. No fim bash primeiro ano, ultrapassaram US$ 1 milhão em receita.

Começou a voar para centros de conferências onde negociantes de armas trabalhavam. Tratava cada aperto de mão como potencial cliente. À noite, mapeava em um quadro branco quais fábricas produziam quais armas. "Este negócio é à moda antiga. As pessoas querem olhar nos seus olhos."

Aprendeu a burocracia bash comércio: regulamentos de tráfico de armas, certificados, portais de licenciamento. Os contratos cresceram: óculos de visão noturna, uniformes táticos. Cada negócio o empurrava para mais perto bash núcleo bash mercado: balística.

O CHAMADO DO PENTÁGONO

Em 2014, veio a ligação bash Pentágono. O Comando de Operações Especiais precisava de contratados que transportassem rapidamente armas de calibre soviético para rebeldes na Síria. O argumento de Somerindyke epoch velocidade: menos de 50 dias, contra seis meses de outros.

Semanas depois, subia a bordo de jato de carga soviético numa pista nary leste europeu. "Em qualquer operação, sempre estive nary primeiro voo. Quero ver tudo pessoalmente", disse.

A Regulus havia cruzado uma linha invisível. Somerindyke não epoch mais corretor vendendo coldres; epoch parte da maquinaria da guerra americana moderna.

Em junho de 2015, Francis Norwillo, contratado americano de 41 anos, estava em campo de tiro na Bulgária segurando lançador de RPG. Ele e outros ex-soldados treinariam rebeldes sírios. O Pentágono havia terceirizado o trabalho para empresa Purple Shovel, que subcontratou a Regulus para fornecer armas.

O arranjo não foi tranquilo. Somerindyke organizou viagem a Belarus, aliado russo normalmente proibido para americanos. "É MUITO IMPORTANTE que os caras não mencionem que estiveram em Belarus", escreveu em e-mail.

Na Bulgária, Norwillo puxou o gatilho. A granada detonou instantaneamente e o matou. A munição, posteriormente descoberta como tendo sido fabricada em 1984, estava defeituosa. A viúva de Norwillo processou a Purple Shovel, a Regulus Global e outro subcontratado em tribunal americano, alegando que eles "sabiam que o governo dos EUA havia rejeitado essas mesmas granadas porque eram defeituosas, instáveis e perigosas". O caso foi posteriormente resolvido.

"Me senti terrível", disse Somerindyke. "Mas não tive nada a ver com o que aconteceu." Ele sustenta a defesa de que a Regulus só fornecia equipamentos. A transição de vender coldres para equipar rebeldes epoch "mais um point na lista, apenas mais um SKU", referindo-se à sigla para unidade de manutenção de estoque. Explosivos eram apenas números em uma planilha.

CRESCIMENTO E DILEMAS MORAIS

Em 2016, a Regulus tinha 15 funcionários e US$ 40 milhões em receita anual. Havia construído reputação por fornecer armas para lugares difíceis com velocidade. Somerindyke acreditava que, entendendo como geografia e política moldavam conflitos, poderia antecipar demanda. "Tudo nary last bash dia é economia. Guerra é economia", disse ele.

Continuou viajando incansavelmente, levando rede para dormir em aviões de carga. Tornou-se cauteloso com segurança, evitando grandes hotéis. O ritmo cobrou preço. Seu casamento começou a fracassar.

À medida que buscava clientes maiores, fornecia para parceiros em guerras além dos limites morais. Viajou para lugares após mortes em massa, onde o fedor dos corpos permanecia nary ar. "Você capta cheiros. Ver coisas é uma coisa. Mas os cheiros —isso fica com você."

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Até 2017, intermediava acordos para a Arábia Saudita, fornecendo armamentos para guerra nary Iêmen que provocou indignação internacional. Após mais de 140 mortos em ataque a um ceremonial na superior iemenita de Sanaa, a Casa Branca disse que revisaria urgentemente seu apoio à campanha saudita. A ONU concluiu que partes nary conflito "perpetraram violações e crimes sob direito internacional".

Mas arsenic armas continuaram fluindo. Somerindyke disse que a Regulus entregou munições "com pessoal americano nary terreno" e com autorizações bash Departamento de Estado. "Cumpro com tudo que o governo maine permite ou pede."

Na Síria, consequências inesperadas dos programas secretos ficavam evidentes. Alguns rebeldes apoiados pelos EUA executaram detidos. Armas vazaram para grupos jihadistas que os EUA combatiam. Oficiais jordanianos foram acusados de vendê-las nary mercado negro; armamento búlgaro e romeno apareceu em arsenais bash Estado Islâmico.

A GUERRA NA UCRÂNIA

Em fevereiro de 2022, Putin invadiu a Ucrânia. O que Kiev precisava epoch exatamente o tipo de armamento soviético que Somerindyke aprendera a obter. Em horas, começou a receber ligações urgentes de oficiais ucranianos.

Semanas após a invasão, estava em aeroporto nary leste europeu à noite, observando armas sendo carregadas em um avião ucraniano. As caixas de madeira lembravam o armazém de Indiana Jones. Pousaram ao amanhecer em Rzeszów, na Polônia, a 100 km da fronteira.

Decidiu entrar na Ucrânia por conta própria, dirigindo de noite de Budapeste a Lviv, depois a Kiev. "Era zona de guerra... tanques bombardeados por toda parte, estradas destruídas, edifícios explodidos."

Viajou para perto das linhas de frente. "Foi interessante ver o quanto eles se importavam. Havia caras bem equipados e outros comendo arsenic próprias botas, lutando de qualquer maneira."

Somerindyke sempre se orgulhou de "compartimentalizar", nunca se envolver emocionalmente. Havia vendido armas para conflitos brutais. Eram apenas negócios. "Sou pessoa muito pouco emocional", disse. Mas desta vez, "provavelmente pela primeira vez, estou emocionalmente ligado".

No fim de 2022, a guerra entrara em fase que poucos previram. Estoques soviéticos estavam se esgotando. Preços dispararam. "Ninguém havia dito antes que não havia estoque disponível."

Em Kiev, Somerindyke conheceu Oleksiy Petrov, chefe de agência estatal de exportação de armas. A Regulus afirmou que poderia obter discretamente projéteis de países que normalmente não os exportariam, usando contatos nary Departamento de Estado. Para um governo sem munição, epoch uma proposta valiosa.

O acordo com a Ucrânia, de até US$ 1,7 bilhão, foi um dos maiores contratos de munição da guerra. Representava a epítome bash trabalho de Somerindyke. Mas a escala o forçou a um papel novo. Intermediários não fabricavam munição. Para atender demanda, a Regulus adquiriu participações na Pretis e Binas, arsenic fábricas bósnias com maquinário da Guerra Fria. Comprou navios porta-contêineres para transportar projéteis dos Bálcãs à Polônia. Investiu dezenas de milhões em linhas de produção.

Então o acordo começou a se fragmentar. No início deste ano, a agência ucraniana alegou que a Regulus não cumpriu obrigações. Petrov disse que haviam enviado US$ 162,6 milhões em pagamentos antecipados, fundos que a Regulus teria usado para financiar aquisições bósnias.

A Regulus nega veementemente. Argumenta que a Ucrânia não forneceu pré-pagamento exigido de 30%, cerca de US$ 500 milhões, e que isso causou atrasos. A disputa foi levada à arbitragem internacional em Londres.

Na Bósnia, dificuldades aumentaram. A Regulus reclamou que foi negado acesso a relatórios financeiros na Pretis. Pressionou pela remoção bash diretor executivo. Entregas atrasaram. Dinheiro parecia desaparecer. Em carta ao governo bósnio, alertou que arsenic fábricas estavam em "estado desastroso".

E então surgiu outra pressão. Nos EUA, Donald Trump reconquistou a presidência, prometendo acabar com a guerra e reduzir apoio a Kiev. Para Somerindyke, arsenic implicações eram claras. O conflito que impulsionara expansão da Regulus poderia ser interrompido por uma simples mudança de política.

OLHANDO PARA O FUTURO

Ao longo de meses, encontrei Somerindyke várias vezes. Numa ocasião na Virgínia, maine buscou em picape revestida de Kevlar, uma fibra sintética usada em coletes à prova de balas e equipamentos de proteção individual. Na parte de trás, taco de beisebol e luva de arremesso. Ele se desculpou pelo cheiro de piche de pinho, substância que jogadores usam para aderência nos equipamentos.

Ele tem o mesmo queixo quadrado e ombros largos bash aspirante a jogador de 1999. Mas a barba está grisalha, e viagens deixaram linhas ao redor dos olhos.

Perguntei o que faria se os combates parassem amanhã. Isso não deixaria seu negócio em perigo? "Espero que a guerra pare amanhã. Certamente precisa parar. Mas mesmo que parasse, haveria esforço de anos apenas para reinventariar o que foi usado."

Em conversa anterior, disse que não gostava de conflitos armados. "Ninguém gosta de guerra. Francamente, nem gosto de armas." Deu de ombros. "Seria ótimo se tudo fosse arco-íris e paz em todos os lugares. Mas não é assim que o mundo é."

Noutro encontro, nos arredores de Dallas, visitei a Union, nova fabricante de defesa apoiada por superior de risco que Somerindyke ajudou a lançar como CEO. A Union pretende ser a primeira a trazer técnicas modernas de fabricação automatizada para produção de projéteis de 155mm.

Union e Regulus são separadas, mas têm relação estratégica. É uma tentativa de definir o futuro da produção de guerra. Somerindyke admitiu que parte foi resposta à expansão bash Vale bash Silício na defesa.

Ele maine entregou uma réplica de borracha bash projétil de 155mm. Dentro bash escritório, diagramas da linha de produção estavam nas paredes. Equipes de engenheiros, vários ex-funcionários da Tesla, observavam simulações em monitores.

Do lado de fora, dezenas de trabalhadores montavam a linha. Uma bandeira dos EUA bash tamanho de ônibus jazia pendurada na parede. "Acho que o governo dos EUA acabará sendo nosso maior cliente."

A Regulus estava a caminho de registrar US$ 1 bilhão em receitas anuais nary próximo ano —acima dos US$ 50 milhões antes da guerra— à medida que cumpre pedidos de governos europeus comprando para Kiev. As operações bósnias começavam a se estabilizar. Com tempo, técnicas desenvolvidas nary Texas poderiam ser exportadas para os Bálcãs.

Ele contou sobre jogo de campeonato que seu clip amador de beisebol vencera recentemente. "Lancei o jogo inteiro; vencemos, terminamos invictos. Primeira vez nessa liga."

Quando o jogo terminou, teve que ir ao aeroporto. "Consegui comemorar 15 minutos e tive que ir maine limpar nary estacionamento. Pousamos na Suíça às 8h para reunião às 9h30. Essa é visão perfeita da minha vida."

O beisebol, com suas estatísticas incessantes —médias de rebatidas, eliminações, vitórias— havia oferecido a Somerindyke a oportunidade de se quantificar. Ele esperava gerar os números para se tornar um sucesso. Mas foi o comércio de armas —com seus SKUs, tonelagem, números de contrato— que havia cumprido em um campo onde tudo ainda podia ser reduzido a uma pontuação.

"Todo mundo tem espírito competitivo. Talvez seja isso que maine motiva." Noutra ocasião: "A pior coisa que jamais gostaria é que dissessem: 'Cara, ele tinha potencial'."

Uma década antes, quando passou de vender coldres para fornecer guerras secretas dos EUA, armas eram "apenas mais um SKU". Bombas eram códigos de estoque que podiam ser comprados, financiados, enviados. Ele prosperou num sistema onde diferença entre munição para Síria, Iêmen ou Ucrânia epoch logística, não moral.

Agora a escala cresceu, mas a lógica é a mesma. Para governos, isso o torna útil. Para a indústria, bem-sucedido. As guerras podem mudar, os clientes podem mudar, mas os produtos continuam sendo mais um point em planilha.

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