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Por que nomes dos presos de Tremembé mudaram na série? Advogado explica

Tremembé, nova série de true crime do Amazon Prime Video, vem conquistando o público. No entanto, um fato chamou a atenção: os nomes de alguns criminosos retratados na produção foram alterados com o objetivo de reduzir o riscos jurídicos. Apesar disso não ocorrer com presos mais conhecidos pela mídia, como Suzane von Richthofen e Alexandre Nardoni, personagens como Cássia, Raíssa e Luka são baseados em casos reais, mas têm nomes fictícios.

Para entender melhor o processo e os possíveis motivos por trás dessa decisão, o TechTudo conversou com Lucas Ruiz Balconi, advogado, doutor em Direito pela USP e especialista em Direito Digital. Mas atenção: esta matéria contém informações sensíveis sobre crimes e pode ser gatilho para algumas pessoas. Leia com cautela.

 a realidade MALUCA da PRISÃO MAIS FAMOSA DO BRASIL!

TREMEMBÉ: a realidade MALUCA da PRISÃO MAIS FAMOSA DO BRASIL!

Na matéria do TechTudo, você encontra:

  • Sobre o que é Tremembé?
  • Quem está no elenco?
  • Quais são os casos reais retratados no seriado?
  • Por que os nomes são mudados ou ocultos no seriado?
  • Os cuidados que devem ser tomados com séries de true crime
  • Bônus: entrevistas com criminosos podem ser compradas legalmente?

A série do Amazon Prime Video retrata o cotidiano de criminosos presos em uma das cadeias mais conhecidas do país: a Penitenciária Doutor José Augusto César Salgado, popularmente chamada de Tremembé II, localizada em São Paulo. O presídio já abrigou nomes como Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, Alexandre Nardoni e Roger Abdelmassih. A trama tem início com a transferência de Suzane, condenada pelo assassinato dos próprios pais, para Tremembé. Lá, ela se vê envolvida em novas disputas por poder, alianças inesperadas e dilemas morais.

 Divulgação/Prime Video Tremembé: nova produção do Prime Video mostra o cotidiano de criminosos notórios na 'penitenciária dos famosos' — Foto: Divulgação/Prime Video

Alguns dos principais nomes do elenco de Tremembé são Marina Ruy Barbosa (Totalmente Demais), Felipe Simas (Dona de Mim) e Bianca Comparato (3%) que interpretam Suzane von Richthofen, Daniel Cravinhos e Anna Carolina Jatobá. Outros atores de peso são Kelner Macêdo (Verdades Secretas), Carol Garcia (A Dona do Pedaço), Letícia Rodrigues (Enterre Seus Mortos), Lucas Oradovschi (Vai na Fé) e Anselmo Vasconcelos (Amor de Mãe) que dão vida a Cristian Cravinhos, Elize Matsunaga, Sandrão, Alexandre Nardoni e o ex-médico Roger Abdelmassih, respectivamente.

 quais são os limites éticos para isso? — Foto: Divulgação/Prime Video Tremembé relembra alguns dos maiores crimes do Brasil: quais são os limites éticos para isso? — Foto: Divulgação/Prime Video

Quais são os casos reais retratados no seriado?

Entre os crimes dos personagens estão sequestro, assassinato e estupro, incluindo de crianças e membros da própria família. Alguns dos principais delitos retratados na série Tremembé são:

  • Suzane von Richthofen e os irmãos Cravinhos: condenados pelo assassinato de Manfred e Marísia von Richthofen, pais de Suzane, mortos com barras de ferro em 2002. O crime foi planejado pela jovem e executado pelo namorado e cunhado, Daniel e Cristian Cravinhos;
  • Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá: condenados pela morte de Isabella Nardoni, de 6 anos. A menina, filha de Alexandre e enteada de Anna Carolina, foi asfixiada e arremessada do sexto andar do prédio onde o casal morava, em São Paulo. O crime ocorreu em 2008;
  • Elize Matsunaga: foi condenada pelo assassinato do então marido, Marcos Kitano Matsunaga. O empresário levou um tiro e teve o corpo esquartejado por Elize em 2012;
  • Sandra Regina Ruiz, a Sandrão: foi condenada em 2003 por envolvimento no sequestro e assassinato de seu vizinho Talisson, de 14 anos. O grupo criminoso pretendia obter dinheiro com o resgate. Na prisão, Sandrão manteve relacionamentos com Suzane e Elize;
  • Roger Abdelmassih: ex-médico especializado em reprodução humana, foi condenado por 37 estupros. Ele abusava sexualmente de pacientes enquanto elas estavam desacordadas durante procedimentos de fertilização. Roger foi preso em 2009;
  • Luciana Olberg (Poliana): teria inspirado a personagem Poliana. A criminosa foi presa em 2013 após planejar e filmar os estupros de suas meio-irmãs, de apenas 3 anos. As crianças teriam sido dopadas com tequila colocada em suas chupetas;
  • Vanessa dos Santos (Raíssa): outro nome fictício é Raíssa. A personagem tem histórico semelhante à Vanessa, condenada em 2007 por espancar o enteado de quatro anos até a morte;
  • Regina Aparecida Costa (Cássia): Cássia é baseada em Regina Aparecida, condenada por abusar sexualmente da filha de 11 anos, além de negociar programas da criança com outros homens;
  • Ricardo de Freitas Nascimento, o Duda (Luka): Luka parece fazer referência a Ricardo, conhecido como Duda. Ele é filho de policial e foi condenado por assalto à mão armada. Enquanto cumpria pena em Tremembé, teve um caso com Cristian Cravinhos.

Por que os nomes são mudados ou ocultos no seriado?

Alterar ou ocultar nomes de criminosos em produções fictícias é uma prática comum e o advogado Lucas Ruiz Balconi explica o motivo: “trata-se de uma forma de reduzir riscos jurídicos [...] A lei não dá um ‘cheque em branco’ aos produtores. Se a narrativa extrapola os fatos e acaba distorcendo a imagem de alguém, pode haver responsabilização posterior”.

Ou seja, essa é uma forma da produção se proteger ao retratar crimes hediondos, especialmente aqueles que não tiveram ampla cobertura midiática.

Quando nomes são alterados ou omitidos, evita-se a possibilidade de alegações de difamação ou violação de privacidade, especialmente quando a obra inclui elementos ficcionais que não constam nos autos do processo. É uma forma de garantir liberdade artística sem cruzar os limites do que a lei considera abuso”,

Porém, o advogado reforça que os próprios criminosos não precisam autorizar o uso de seu nome e de suas histórias para a produção: “OoSupremo Tribunal Federal já definiu que é inexigível o consentimento prévio para a publicação de obras biográficas, sejam literárias ou audiovisuais”. Isso quer dizer que “o autor ou produtor tem o direito de contar a história, mas pode ser responsabilizado se ultrapassar os limites do que é verídico e necessário para o interesse público”.

 Divulgação/Prime Video A mudança de nomes em Tremembé pode ser uma proteção para a série: "É uma forma de reduzir riscos jurídicos", explica advogado — Foto: Divulgação/Prime Video

Os cuidados que devem ser tomados com séries de true crime

O gênero true crime desperta grande interesse do público, mas essa popularidade vem acompanhada de uma responsabilidade ética. Um dos maiores riscos é glorificar os crimes ou glamourizar os criminosos. Em Tremembé, por exemplo, muitos condenados — como Suzane e Cristian Cravinhos — chegaram a receber cartas de “fãs”. Há uma verdadeira obsessão por assassinos, o que faz com que obras ficcionais sobre esses casos possam alimentar essa fantasia e adoração, levando algumas pessoas até a se identificarem com os personagens.

De acordo com Balconi,, para evitar isso, o ideal é se ater aos fatos. De acordo com o advogado,

A lei protege a liberdade de narrar fatos reais, mas exige cuidado para que essa liberdade não se transforme em licença para glorificar condutas criminosas. Quando a produção se apoia em fontes públicas e verídicas, como os autos do processo, ela está agindo dentro dos limites legais e cumpre um papel informativo

O advogado afirma que a narrativa também corre o risco de distorcer a gravidade dos fatos, tornando o criminoso uma figura quase admirável ou carismática. Essa abordagem pode gerar consequências, como a banalização da violência ou a construção de uma empatia indevida. “O problema surge quando há invenções, dramatizações exageradas ou roteiros que transformam o criminoso em uma espécie de herói ou anti-herói”, explica o profissional.

 Divulgação/Prime Video Séries de true crime, como Tremembé, não precisam de autorização dos criminosos — Foto: Divulgação/Prime Video

O oposto também deve ser evitado: intensificar o ódio contra os criminosos, que já estão pagando pelos seus erros e têm o direito de serem reinseridos na sociedade, caso os órgãos competentes assim determinem. Abordar esses personagens com equilíbrio e senso crítico é essencial para que a narrativa não se transforme em um instrumento de vingança, mas sim em uma reflexão sobre justiça e reabilitação.

“A liberdade de criação deve sempre caminhar junto com o direito à verdade e com o respeito à dignidade humana, garantindo que o interesse da sociedade em conhecer os fatos não se confunda com a distorção ou a humilhação gratuita de quem foi retratado”, explica o advogado.

Entrevistas com criminosos podem ser compradas legalmente?

No terceiro episódio de Tremembé, “Assassinas na TV”, a série retrata um caso real: Suzane Von Richthofen concedeu entrevista ao jornalista Gugu, em março de 2015. A criminosa teria ganhado mais de R$100 mil pela “exclusiva”. Nesse caso, muitas pessoas se questionaram sobre a legalidade do processo e se vendas de entrevistas com criminosos encarcerados são permitidas.

O advogado Lucas Ruiz Balconi afirma que, do ponto de vista legal, isso é possível. “Não existe nenhuma lei no Brasil que proíba um órgão de imprensa privado de pagar a um cidadão, mesmo um condenado, por uma entrevista”, explica. O profissional ainda cita que a condenação criminal não é uma “morte civil”.

 Reprodução/Prime Video O terceiro capítulo de Tremembé relembra entrevista de Suzane von Richthofen ao programa de Gugu — Foto: Reprodução/Prime Video

Portanto, Suzane têm o direito de firmar contratos e mantém a titularidade sobre seu direito de imagem. “Do ponto de vista estritamente legal, o pagamento pela entrevista é um negócio jurídico privado e lícito. Não se trata de ‘pagar pelo crime’, mas de ‘pagar pela licença de direitos’”, aponta.

De toda forma, Balconi relembra que há muitos debates éticos e morais sobre a prática de entrevistar e aumentar a notoriedade de criminosos. Ele ainda cita as famílias e amigos das vítimas, que são os mais atingidos nesse processo. “Assistir ao criminoso ser recompensado financeiramente pela mídia é uma forma de ‘segunda vitimização’. É o desrespeito à memória dos que se foram, transformados em matéria-prima para o lucro”, afirma.

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