Soldados do exército venezuelano participam de um desfile militar antes das últimas eleições presidenciais do país em Fuerte Tiuna, Caracas, 24 de julho de 2024

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E, da mesma forma que ocorreu com o então líder panamenho Manuel Antonio Noriega (1934-2017) há mais de 30 anos, o atual presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, também foi acusado de tráfico de drogas e rejeita a acusação.

Os Estados Unidos mantêm intenções ambíguas ao deslocar o maior e mais moderno porta-aviões do mundo para perto do litoral venezuelano. Mas Caracas parece já estar se preparando para um ataque.

O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, anunciou na terça-feira (11/11) um "deslocamento massivo" de forças terrestres, marítimas, aéreas, fluviais e de mísseis, bem como de milícias civis em todo o país, para neutralizar o que ele considera uma ameaça para o governo de Maduro.

Padrino López destacou, em pronunciamento na televisão, que Maduro ordenou o deslocamento de "quase 20 mil" soldados, como parte da operação.

A chegada do "superporta-aviões" norte-americano é considerada uma escalada da campanha militar impulsionada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra supostos cartéis de drogas que operam na Venezuela.

Washington considera seu governo como sendo ilegítimo, já que as eleições presidenciais do ano passado foram qualificadas como fraudulentas pela oposição venezuelana e por organismos internacionais.

Mas será que o exército da Venezuela, liderado por Nicolás Maduro, poderá resistir a um ataque da maior potência militar do planeta?

'O exército é uma sombra do que já foi'

Maduro declarou em setembro que mais de 8 milhões de pessoas se alistaram para defender a Venezuela. Ele sugeriu que poderia armar uma milícia com esse contingente.

Mas especialistas questionam amplamente este número.

"Não está certo. O número real é muitíssimo menor. Maduro não chegou a ter 4 milhões de votos no ano passado", declarou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) James Story, ex-embaixador da Unidade de Assuntos da Venezuela da Embaixada dos Estados Unidos em Bogotá, na Colômbia, entre 2020 e 2023.

"E é um exército com altos índices de deserção", destaca ele.

Um relatório do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos afirma que a Venezuela conta com 123 mil soldados ativos, 220 mil milicianos e 8 mil reservistas.

As irmãs gêmeas Carmen e María Santana, membros da Milícia Nacional Bolivariana, correm com fuzis nas mãos durante um exercício de treinamento militar em La Guaira, na Venezuela, em 8 de outubro de 2025

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Legenda da foto, Com as Forças Armadas desgastadas, especialistas calculam que Nicolás Maduro e seus aliados estariam se preparando para uma 'guerra de guerrilhas', mas as dúvidas sobre o número de seus apoiadores persistem

Story garante que os militares venezuelanos não costumam realizar treinamentos, nem manutenção. E muitos integrantes da milícia chavista sequer estão armados.

"Talvez existam, no exército, algumas unidades capazes de combater", explica ele, "mas, como força de combate, elas não são particularmente competentes."

Story destaca que o exército venezuelano "é uma sombra do que já foi", mas reconhece que ele conta com "alguns recursos únicos na região".

O exército dos Estados Unidos supera em muito o venezuelano, mas Caracas, teoricamente, conta com material militar avançado.

Além de cerca de 20 aviões Sukhoi, comprados da Rússia em 2006 pelo então presidente Hugo Chávez (1954-2013), a Venezuela adquiriu mais de uma dezena de F-16 norte-americanos nos anos 1980, quando Caracas era um grande aliado de Washington na região.

"Os aviões de ataque Sukhoi são superiores a qualquer outro na região e alguns ainda estão em operação", segundo Story. "Dos F-16, acredito que um ou dois continuem funcionando."

Mísseis antiaéreos e drones

Em meio às tensões com os Estados Unidos, Maduro afirmou, em fins de outubro, que a Venezuela havia colocado em "posições-chave de defesa aérea" 5 mil mísseis antiaéreos Igla-S, de fabricação russa.

"Qualquer força militar do mundo conhece o poder dos Igla-S", destacou Maduro, durante um evento militar transmitido pela televisão.

Membro da Milícia Nacional Bolivariana sustenta um lançador de mísseis terra-ar portátil 'Igla-S' (SA-18) de fabricação russa, durante uma manifestação em Caracas contra a movimentação militar norte-americana no Caribe, no dia 30 de outubro de 2025

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Legenda da foto, Membro da Milícia Nacional Bolivariana sustenta um lançador de mísseis terra-ar portátil 'Igla-S' (SA-18) de fabricação russa, durante uma manifestação em Caracas contra a movimentação militar dos Estados Unidos no Caribe, no dia 30 de outubro de 2025

Os Igla-S são sistemas de defesa aérea portáteis de curto alcance e baixa altitude. Eles têm capacidade de derrubar mísseis de cruzeiro, drones, helicópteros e aviões que voem a baixa altitude.

A Venezuela também conta com veículos blindados chineses VN-4 e, nos últimos anos, passou a ser o único país sul-americano a contar com drones armados com capacidade de ataque. Nicolás Maduro exibiu esses drones em um desfile militar em 2022.

Os drones Antonio José de Sucre 100 e 200 (ANSU-100 e 200) são de fabricação venezuelana. Eles são derivados de versões modernizadas de drones iranianos.

A Venezuela também recebeu do Irã lanchas de ataque rápido Peykaap-III, equipadas com lançadores de mísseis antinavios.

Somam-se ainda sistemas de mísseis terra-ar Pantsir-S1 e Buk-M2E. Eles foram recentemente levados para Caracas em aviões de transporte Il-76, segundo o deputado russo Alexei Zhuravlev, primeiro vice-presidente do Comitê de Defesa da Duma Estatal da Rússia.

Mas grande parte deste material só existe na teoria, segundo o analista internacional Andrei Serbin Pont, especializado em defesa e política externa e presidente da Coordenadoria Regional de Pesquisas Econômicas e Sociais (CRIES).

"Existem grandes discrepâncias entre o que a Venezuela tem na teoria e o material que, na realidade, está em operação", declarou ele, em entrevista à BBC.

Rede pode ser neutralizada 'facilmente'

Em meio aos relatos indicando que uma escalada maior incluiria ataques diretos dentro da Venezuela, os sistemas de defesa antiaérea operados pelo país receberam maior interesse.

Mas Andrei Serbin Pont afirma que grande parte da rede se encontra fora de serviço ou pode ser "facilmente neutralizada" com tecnologia norte-americana. É o caso dos sistemas de mísseis terra-ar Pechora de fabricação russa, cuja tecnologia data dos anos 1960.

Caminhão do exército venezuelano, transportando lançadores de mísseis russos, participa de um desfile militar em comemoração ao Dia da Independência do país, em Caracas, no dia 5 de julho de 2025

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Legenda da foto, Caminhão do exército venezuelano, transportando lançadores de mísseis russos, participa de um desfile militar em comemoração ao Dia da Independência do país, em Caracas, em 5 de julho de 2025

A Venezuela também conta com sistemas de mísseis Buk, instalados ao redor de Caracas e que são mais eficazes. Mas neutralizá-los também não seria particularmente difícil para os Estados Unidos, calcula Serbin Pont.

"Além disso, sua disponibilidade é muito baixa, devido à falta de peças de reposição", explica ele.

Em relação aos 5 mil mísseis Igla-S de que se vangloriou Maduro no final de outubro, Serbin Pont afirma que este número é real.

"Mas ele só tem cerca de 700 lançadores Igla-S, o que continua sendo uma grande quantidade e motivo de preocupação, já que eles poderiam ser muito perigosos nas mãos de grupos armados estatais", destaca ele. "Não necessariamente para as operações norte-americanas, mas para operações civis ou qualquer tipo de helicóptero ou aeronave voando em baixa altitude."

'Guerra prolongada'

Para Serbin Pont, a estratégia atual do governo de Maduro é sugerir que, com um eventual ataque dos Estados Unidos, estas armas do exército poderiam ser dispersadas entre a população venezuelana.

Especialistas receiam particularmente que elas acabem nas mãos de grupos armados, como o Exército de Libertação Nacional (ELN), ou em dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

O objetivo da estratégia seria ameaçar com a criação do caos ou de instabilidade na Venezuela, para um eventual futuro governo de transição.

Muitos analistas calculam que Maduro e seu círculo estejam se preparando para travar uma guerra de guerrilhas.

O ministro do Interior da Venezuela, Diosdado Cabello, anunciou em setembro que seu país está preparado para uma "guerra prolongada".

Pouco depois, o governo de Maduro ordenou os soldados da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) que ensinassem à população das comunidades pobres como usar as armas.

Story descarta a possibilidade de que os venezuelanos se unam a Maduro em uma campanha como esta.

"Maduro não é uma figura muito querida, nem entre os militares, nem entre a população venezuelana", explica ele. "Por isso, não acredito que as pessoas o sigam ou o apoiem em uma guerra de guerrilhas."

"Ele não chegou nem mesmo a conseguir 4 milhões de votos nas últimas eleições!", insiste Cabello.

Segundo os números do Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo governo venezuelano, Nicolás Maduro recebeu cerca de 6,4 milhões de votos. Este número é questionado pela oposição venezuelana e por numerosos organismos internacionais.

Até que ponto a Venezuela está preparada para um conflito?

Por mais que o governo venezuelano aumente o tom do seu discurso bélico e antiamericano, Andrei Serbin Pont afirma que o exército do país não está preparado para um eventual conflito.

Ele explica que a Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) opera nos últimos 25 anos sob o conceito militar de "periodização da guerra", segundo o qual um eventual conflito evoluiria progressivamente em blocos ou fases gerenciáveis.

Em primeiro lugar, viria uma etapa de instabilidade interna, fomentada pela ingerência de um país estrangeiro. Depois, uma segunda fase que envolveria um país vizinho, criando um "conflito entre pares" que poderia, então, resultar em uma intervenção americana.

"Isso conduziria a uma quarta fase de resistência popular prolongada, quando se espera que as forças armadas desmobilizadas e outros movimentos sociais fiquem com as armas e se dispersem entre a população para travar uma guerra de guerrilhas contra a ocupação dos Estados Unidos", indica Serbin Pont.

"Em um conflito com um país vizinho, como a Colômbia ou o Brasil, os sistemas de armas convencionais da Venezuela seriam muito úteis", prossegue ele.

Mas o analista defende que, para os Estados Unidos, eles não representam uma ameaça real.