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Quase um terço dos projetos considerados urgentes em 2023 está engavetado

Quase um terço dos projetos de lei que tiveram urgência aprovada pelo Congresso Nacional de fevereiro a setembro de 2023 está parado e ainda não foi votado. Os textos “furaram” a fila no Senado e na Câmara, mas, em vez serem apreciados nos plenários, estão nas gavetas. Especialistas acreditam que a falta de consenso entre os parlamentares e o uso político são os motivos para o “esquecimento” de propostas consideradas urgentes.

O regime de urgência é usado para apressar a tramitação e a votação de projetos. A partir do momento em que o requerimento para dar celeridade a uma matéria é aprovado, a proposta legislativa não precisa passar por prazos nem formalidades regimentais, como, por exemplo, ser votado em comissões. Na prática, porém, quem decide o que será colocado em pauta ou não nos plenários são os presidentes da Câmara e do Senado.

Doutora em ciência política pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Graziella Testa afirma que uma das razões para o grande número de projetos estacionados no Congresso é a centralidade da elaboração das pautas de votação na figura dos presidentes das Casas legislativas. De acordo com ela, líderes partidários, que são figuras centrais na aprovação das urgências, deveriam ter maior participação no norteamento das deliberações diárias.

Total de projetos considerados urgentes, mas engavetados

Na Câmara, 34 das 102 propostas consideradas urgentes de fevereiro — mês em que teve início a nova legislatura no Congresso — a setembro aguardam para serem postas em discussão pelos parlamentares. No Senado, duas de 17 propostas ainda seguem em espera.

Dois textos estão na fila da Câmara há sete meses e não têm previsão para serem colocados em pauta. Um deles, de autoria do deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), propõe a implantação de um botão de pedido de socorro em aparelhos celulares. Outro, protocolado pelo deputado Bruno Ganem (Podemos-SP), estabelece que pessoas presas e condenadas por crimes não violentos devem prestar serviços em abrigos de proteção a animais.

Conforme especialistas, algumas urgências são aprovadas pelos parlamentares em momentos em que assuntos estão sendo amplamente discutidos pela sociedade civil. Contudo, por não serem votados, esses projetos acabam “esfriando” e perdem o potencial de serem discutidos. Um exemplo é um projeto de lei do deputado Rodrigo Gambale (Podemos-SP) que, diante da alta da violência dentro de escolas, propôs a criação de uma semana cultural para os estudantes. O texto teve o requerimento de urgência aprovado em agosto, mas ainda não foi colocado em discussão.

Falta de consenso e negociação por cargos

Uma dessas propostas paradas na Câmara é o Projeto de Lei (PL) 2630/2020, que, em 26 de abril, teve a urgência aprovada por 238 deputados. Entretanto, por causa da pressão de big techs, como Google, TikTok e Meta (controladora de Facebook, Instagram e WhatsApp), foi tirado da pauta de votação pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quatro dias depois de ter a sua tramitação acelerada. Até então, a saber, a proposta que prevê regras para plataformas digitais segue sem previsão para ser votada.

No Senado, os dois projetos na gaveta são de autoria do senador Dr. Hiran Gonçalves (PP-RR) e da deputada Maria do Rosário (PT-RS). A proposta de Gonçalves busca reverter uma medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro dia de mandato, que extinguia a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Depois da pressão pela aprovação da urgência, o governo negociou com o senador e publicou três decretos que recriaram o órgão — a promessa é que a Funasa seja entregue ao centrão. Apesar do movimento do Executivo, a proposta do parlamentar não foi arquivada e ainda pode ser votada.

Segundo o cientista político Tiago Valenciano, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o engavetamento do projeto mostra a dinâmica no Congresso. Especialista no sistema legislativo, ele observa que textos como o de Gonçalves podem servir como uma moeda de troca em negociações, como, por exemplo, indicação de emendas parlamentares ou negociação de cargos.

“Os regimes de urgência são um artifício do Legislativo para acelerar a complexa, porém necessária, burocracia do processo legislativo”, diz o professor da UFPR. “Eles podem surgir para levantar pautas quentes e para forçar a barra em algumas negociações com o governo ou contra o governo.”

Todos os projetos são de autoria do Legislativo

Todos os 34 projetos considerados urgentes que estão paralisados no Congresso são de autoria de parlamentares. As propostas elaborados pelo Poder Executivo, com requerimento de urgência aprovado, foram apreciadas. O último nesse sentido foi o Projeto de Lei Complementar 136/2023, que prevê a compensação a Estados por perda com ICMS de combustíveis. Ele teve a urgência aprovada em 4 de outubro e foi votado no mesmo dia.

De acordo com a pesquisadora Joyce Luz, do Observatório do Legislativo Brasileiro, núcleo ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) que acompanha o funcionamento diário do Congresso, o Legislativo priorizou a votação de pautas de autoria do governo. Foram os casos, por exemplo, do arcabouço fiscal e da reforma tributária.

“A gente pode notar que o Legislativo teve uma pauta mais prioritária aos projetos do Executivo, deixando esses outros textos de lado”, avalia a integrante da Uerj. “A gente está no início de um governo, e, conforme o tempo vai passando, algumas outras pautas que não são do Executivo podem ser apreciadas.”

Câmara e Senado dizem que projetos não estão parados

plenário da Câmara dos Deputados - deputados ausentes - sessões

Em uma nota, a Câmara dos Deputados afirmou que os 34 projetos de lei com urgência aprovada na Casa “não estão parados”, mas dependem de um acordo prévio dos líderes partidários para serem votados.

“Antes de serem pautados, são debatidos entre as lideranças e os demais deputados para obtenção de consenso mínimo para votação”, afirmou, dessa forma, a equipe de comunicação da Câmara.

O Senado informou, no entanto, que os dois textos que tiveram a tramitação acelerada estão prontos para serem deliberados. Contudo, não há um prazo definido para as propostas irem à votação pelo plenário.

Leia também: “A CPI que abriu a caixa-preta das ONGs da Amazônia”, reportagem de Cristyan Costa publicada na Edição 188 da Revista Oeste

Revista Oeste, com informações da Agência Estado

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