Três homens em frente a um portão e a uma cerca de arame farpado

Legenda da foto, Em entrevista à BBC, palestinos da Faixa de Gaza recém-libertados contam os maus-tratos sofridos nas prisões israelenses
  • Author, Alice Cuddy
  • Role, BBC News
  • Há 14 minutos

Importante: esta reportagem contém imagens e descrições de abusos e agressões físicas e sexuais que podem ser perturbadoras para alguns leitores.

Prisioneiros palestinos libertados de volta para a Faixa de Gaza declararam à BBC que foram submetidos a maus tratos e tortura nas mãos de militares e agentes penitenciários israelenses. Eles se somam a outros relatos de má conduta nas prisões e quartéis de Israel.

Um dos homens contou que foi atacado com substâncias químicas e queimado.

"Eu me debati como um animal para apagar o fogo [do meu corpo]", afirma o mecânico Mohammad Abu Tawileh, de 36 anos.

Realizamos longas entrevistas com cinco prisioneiros liberados, todos capturados na Faixa de Gaza nos meses que se seguiram ao ataque do Hamas e de outros grupos, que mataram cerca de 1,2 mil pessoas em Israel e fizeram 251 reféns.

Os homens foram mantidos prisioneiros com base na Lei de Combatentes Ilegais de Israel. Esta medida autoriza a detenção, por períodos de tempo não especificados, de pessoas suspeitas de representarem risco à segurança, sem acusação formal, enquanto Israel tenta recuperar os reféns e desmantelar o grupo terrorista proscrito.

Os homens afirmam terem sido acusados de manter ligações com o Hamas. Eles foram questionados sobre a localização de reféns e dos túneis, mas não foram envolvidos nos ataques de 7 de outubro de 2023 – uma condição definida por Israel para a libertação de qualquer pessoa com base no recente cessar-fogo.

Alguns dos prisioneiros libertados com base no acordo estavam cumprindo sentenças por outros crimes graves, incluindo o assassinato de israelenses. Mas não era o caso dos nossos entrevistados.

A BBC perguntou às Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) e ao Serviço Prisional de Israel (IPS) se havia condenações ou acusações contra os homens entrevistados, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

O testemunho dos ex-prisioneiros indicou o seguinte:

  • Todos eles descreveram terem sido despidos, vendados, algemados e agredidos.
  • Alguns acrescentaram que receberam choques elétricos, foram ameaçados por cães e tiverem acesso à assistência médica negado.
  • Alguns disseram que testemunharam a morte de outros detidos.
  • Um deles afirmou ter presenciado abuso sexual.
  • Outro entrevistado contou que teve sua cabeça mergulhada em produtos químicos e suas costas incendiadas.

Observamos relatos de um advogado que visitou dois dos prisioneiros e conversamos com profissionais médicos que trataram de alguns deles no seu retorno.

A BBC encaminhou uma longa carta oferecendo direito de resposta às IDF, detalhando as acusações dos entrevistados e suas identidades.

A declaração enviada pelas IDF não respondeu a nenhuma das acusações específicas, mas afirmou que "rejeita completamente as acusações de abuso sistemático de detidos".

A organização declarou que alguns dos casos levantados pela BBC seriam "examinados pelas autoridades relevantes". Ela destacou que outros casos "foram apresentados sem detalhes suficientes e sem nenhum detalhe referente à identidade dos detidos, o que impossibilita seu exame".

"As IDF levam... muito a sério quaisquer ações que contradigam seus valores", prossegue a declaração.

"Queixas específicas sobre comportamento inadequado pelos nossos funcionários prisionais ou condições insuficientes são encaminhadas para exame pelas autoridades relevantes e são adequadamente analisadas."

"Em casos apropriados, são tomadas medidas disciplinares contra os funcionários da instalação e são abertas investigações criminais", afirmam as IDF.

Já o IPS afirmou que não tem conhecimento de nenhuma das acusações de abusos nas suas prisões, descritas na investigação da BBC.

"Até onde sabemos, nenhum desses ocorreu sob a responsabilidade do IPS", declarou a instituição.

Lawrence Hill-Cawthorne é um dos diretores do Centro de Direito Internacional da Universidade de Bristol, no Reino Unido. Ele declarou que o tratamento descrito pelos entrevistados da BBC foi "totalmente inconsistente com o direito israelense e internacional" – e, em alguns casos, "atingiria os limites da tortura".

"Segundo o direito internacional, a legislação sobre conflitos armados exige que você trate humanamente todos os detentos", afirma ele. "As obrigações relativas às necessidades básicas dos detidos não são afetadas por nenhuma acusação de eventuais delitos."

'Eu me debati como um animal'

Os cinco palestinos que foram longamente entrevistados pela BBC foram devolvidos no início do ano, durante o cessar-fogo com o Hamas – o grupo que liderou os ataques de 7 de outubro de 2023 contra Israel.

As mulheres reféns liberadas anteriormente detalharam abusos físicos e sexuais durante o cativeiro.

Israel declarou que testes forenses demonstraram que alguns dos reféns mortos devolvidos durante o cessar-fogo foram mortos pelo Hamas, incluindo crianças. O grupo nega a acusação.

Todos os cinco detentos palestinos liberados descreveram o mesmo padrão. Eles foram capturados em Gaza, levados a Israel para serem detidos – primeiramente, em quartéis militares, tendo depois sido levados para a prisão – e, finalmente, libertados de volta para a Faixa de Gaza, meses depois.

Eles afirmaram terem sofrido abusos em todas as fases do processo.

A BBC conversou brevemente com mais de uma dezena de outros detentos libertados, durante sua chegada à Faixa de Gaza. Eles também relataram agressões, fome e doenças.

Estes relatos são similares aos testemunhos oferecidos por outras pessoas para o grupo israelense de direitos humanos B'Tselem e para as Nações Unidas.

Em julho, a ONU detalhou relatos de prisioneiros sendo devolvidos. Eles teriam sido despidos, mantidos sem alimento, sono e água, submetidos a choques elétricos, queimados com cigarros e ameaçados com cães.

Outro relatório de especialistas das Nações Unidas documentou, no mês passado, casos de estupro e assédio sexual. Seu uso como ameaça foi relatado como "procedimento operacional padrão" das IDF.

Israel respondeu, afirmando que "rejeita categoricamente as acusações infundadas".

Como Israel, atualmente, não permite o livre acesso de jornalistas internacionais à Faixa de Gaza, nossas entrevistas foram realizadas por telefone e mensagens de texto, além de encontros pessoais com nossos jornalistas freelancer contratados no território.

Todos os cinco entrevistados contaram que os abusos começaram no momento da prisão, quando, segundo eles, foram despidos, vendados e agredidos.

O mecânico Mohammad Abu Tawileh contou ter sido torturado por dias. Ele afirma ter sido levado por soldados para uma construção não muito longe do local da captura, em março de 2024. Lá, ele foi mantido em uma sala onde era o único detento, para três dias de interrogatório pelos militares.

Abu Tawileh conta que os soldados misturaram substâncias químicas de limpeza em um recipiente, onde mergulharam sua cabeça.

Os interrogadores, então, lhe deram um soco, segundo ele, e ele caiu sobre o piso coberto por entulho, ferindo seu olho.

Abu Tawileh conta que eles cobriram seu olho com um pano, o que teria "agravado a lesão". E também atearam fogo no seu corpo, segundo ele.

"Eles usaram um aromatizador de ambientes com um isqueiro para colocar fogo nas minhas costas", conta Abu Tawileh.

"Eu me debati como um animal, tentando apagar o fogo. Ele se espalhou do meu pescoço até as pernas. Em seguida, eles me atingiram repetidamente com a parte inferior das espingardas e tinham bastões, que eles usaram para me atingir e cutucar nas laterais."

Eles então "continuaram despejando ácido em mim", prossegue Abu Tawileh.

"Passei cerca de um dia e meio sendo lavado com [ele]. Eles despejaram na minha cabeça e ele escorreu pelo meu corpo enquanto eu estava sentado na cadeira."

Por fim, segundo ele, os soldados jogaram água no seu corpo e os levaram para Israel, onde ele recebeu tratamento médico no hospital, incluindo enxertos de pele.

Costas de homem com grandes vergões inchados

Legenda da foto, As costas de Mohammad Abu Tawileh estão cobertas de vergões vermelhos

Abu Tawileh conta que a maior parte do seu tratamento teve lugar em um hospital de campo no quartel de Sde Teiman, uma base das IDF perto de Beersheba, no sul de Israel.

Ele conta que foi algemado nu a uma cama e recebeu uma fralda, em vez do acesso ao toalete. Os médicos israelenses do hospital haviam declarado à BBC anteriormente que algemar pacientes e forçá-los a usar fraldas são medidas rotineiras.

Quando a BBC entrevistou Abu Tawileh pouco depois da sua libertação, suas costas estavam cobertas de vergões vermelhos. Ele contou que as dores residuais das queimaduras ainda o despertavam e que a sua visão foi afetada.

A BBC não conseguiu falar com ninguém que tivesse presenciado um ataque a Abu Tawileh. Mas um médico oftalmologista que tratou dele no seu retorno à Faixa de Gaza confirmou que ele havia sofrido queimadura química no olho, prejudicando a pele à volta.

O médico também declarou que a visão de Abu Tawileh estava enfraquecida, devido às substâncias ou outros traumas.

Mostramos imagens das suas lesões e fornecemos detalhes do seu testemunho para diversos médicos britânicos. Eles disseram que as imagens pareciam consistentes com seu relato, embora eles tenham observado a existência de fatores que limitavam o que eles conseguiam determinar observando as fotos.

A BBC forneceu extensos detalhes deste relato para as IDF, oferecendo cinco dias para a investigação. A organização não respondeu diretamente às acusações de Abu Tawileh, mas declarou que leva "muito a sério" quaisquer ações "contrárias aos seus valores".

As IDF afirmaram que "examinariam" alguns dos casos, mas não responderam a questionamentos posteriores sobre a possível inclusão do relato de Abu Tawileh nestes procedimentos.

Homem com olho lesionado em frente a construções destruídas na Faixa de Gaza

Legenda da foto, Especialista em oftalmologia da Faixa de Gaza confirmou que Abu Tawileh (foto) sofreu queimadura química no olho, o que lesionou a pele à sua volta

Outros dos entrevistados pela BBC também descreveram abusos no momento da prisão.

"Eles nos algemaram e nos bateram. Ninguém me ofereceu uma gota de água", contou Abdul Karim Mushtaha, funcionário de um matadouro de aves, de 33 anos.

Ele contou que foi preso em novembro de 2023 em um posto de controle israelense, quando cumpria ordens de evacuação com a família.

Um relatório apresentado por um advogado que visitou Mushtaha posteriormente registrou que ele havia sido "submetido a fortes agressões, humilhações, degradação e teve as roupas retiradas durante a captura, até ser transferido para a prisão".

Duas pessoas afirmaram que haviam sido deixadas com frio no lado externo por horas. E dois outros declararam que soldados israelenses roubaram seu dinheiro e pertences.

A BBC ofereceu detalhes das acusações de roubo para as IDF. A entidade descreveu a ação como "contrária à legislação e aos valores das IDF" e declarou que examinaria "minuciosamente" os casos, se fossem fornecidos mais detalhes.

Todos os nossos entrevistados, incluindo Mushtaha, declararam terem sido transferidos para o quartel israelense de Sde Teiman, onde Abu Tawileh também contou ter recebido tratamento no seu hospital de campo.

Um dos entrevistados afirmou ter sido maltratado no caminho para o quartel. Ele pediu que seu nome não fosse publicado, por medo de represálias.

Por isso, vamos chamá-lo de "Omar". Ele tem 33 anos e trabalhava para uma empresa de cabos elétricos.

Omar contou que soldados israelenses pararam e cuspiram nele e em outras pessoas que estavam com ele. Eles os chamaram de "filhos de porcas" e "filhos de Sinwar" – uma referência ao líder do Hamas e arquiteto dos ataques de 7 de Outubro, morto por Israel em outubro do ano passado.

"Eles nos fizeram ouvir uma gravação de voz que dizia: 'O que vocês fizeram para nossos filhos, faremos para os seus filhos'", contou Omar.

O quartel de Sde Teiman foi objeto de sérias queixas anteriores, depois dos ataques de outubro de 2023.

Diversos soldados destacados no quartel receberam acusações em fevereiro, depois de terem sido filmados abusando de um detento. O ataque resultou na hospitalização do prisioneiro, com o reto rasgado e um pulmão perfurado.

Em outra ocasião, um soldado da base foi condenado ao admitir graves abusos a detentos palestinos da Faixa de Gaza.

Quartel das Forças de Defesa de Israel, com bandeira do país tremulando e cercas reforçadas com arame farpado em volta

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Os entrevistados pela BBC ficaram detidos inicialmente no quartel das IDF em Sde Teiman, que recebeu sérias críticas pelo tratamento concedido aos prisioneiros palestinos

Três dos nossos entrevistados afirmaram que Sde Teiman e outros centros empregavam cães para intimidar os detentos.

"Nós apanhávamos quando eles nos levavam do quartel para a clínica médica ou para a sala de interrogatório", conta Abu Tawileh. "Eles colocavam cães [com focinheira] para nos vigiar e apertavam nossas algemas."

Abu Tawileh foi mantido em detenção geral no quartel, além de ter sido tratado nas suas instalações.

A BBC pediu às IDF que respondessem às acusações sobre o uso frequente de cães para intimidar e atacar detentos. A resposta foi que "o uso de cães para ferir detentos é proibido".

A organização também declarou que havia "terroristas experientes, considerados muito perigosos, entre os detentos mantidos nas instalações de detenção das IDF". E que, "em casos excepcionais, amplia-se [o uso de] algemas durante sua detenção".

Diversos detentos afirmaram que foram forçados a ficar em posições de tensão, como manter seus braços erguidos acima da cabeça por horas.

"Podíamos ficar sentados sobre os joelhos das 5 horas da manhã até às 10 da noite, quando era a hora de dormir", conta Abu Tawileh.

Hamad al-Dahdouh foi outro dos nossos entrevistados. Ele tem 44 anos de idade e trabalhava como agricultor antes da guerra.

Ele conta que as agressões nos quartéis "eram dirigidas à nossa cabeça e a áreas sensíveis, como os olhos [e] ouvidos".

Al-Dahdouh afirma que, por conta disso, sofreu lesões temporárias nos ouvidos e nas costas e fraturas na caixa torácica.

As IDF não responderam a esta acusação.

Homem olha pela porta de um edifício, ao lado de um desenho de um computador na parede

Legenda da foto, Hamad al-Dahdouh conta que sofreu agressões tão fortes que sua caixa torácica foi fraturada

Al-Dahdouh e alguns dos outros detentos libertados afirmaram que também foram usados choques elétricos durante os interrogatórios ou como forma de punição.

"As unidades de opressão traziam cães, bastões e armas imobilizadoras", contou ele. "Eles nos eletrocutavam e nos batiam."

Os detentos teriam sido submetidos a agressões e intimidação todas as vezes em que eram movimentados, destacou Abu Tawileh. E, durante os interrogatórios, eles eram acusados de manter ligações com o Hamas.

"Qualquer pessoa que fosse capturada... eles diziam: 'Você é terrorista'", afirma Mushtaha. "Eles sempre tentavam nos dizer que havíamos participado do 7 de Outubro. Todos eles eram rancorosos."

"Eu perguntei a eles: 'Se eu fosse do Hamas, ou de outra organização, estaria me movimentando pela passagem segura? Eu teria ouvido suas convocações para sair?'"

Frio e maus-tratos

Mushtaha conta que os interrogatórios podiam varar a noite.

"Não consegui dormir por três noites, porque eles estavam me torturando", segundo ele.

"Nossas mãos eram amarradas e colocadas acima das nossas cabeças por horas e não estávamos vestindo nada. Sempre que você dissesse 'estou com frio'... eles enchiam um balde com água fria, despejavam em você e ligavam o ventilador."

Al-Dahdouh afirma que seus interrogadores disseram a ele que qualquer pessoa da Faixa de Gaza "é afiliada a grupos terroristas". E, quando os detentos perguntavam se poderiam questionar a acusação na Justiça, eles diziam que não havia tempo para isso.

Ele contou que não teve acesso a um advogado. As IDF declararam à BBC que "a legislação israelense concede o direito à análise judicial em um tribunal distrital civil, representação legal por um advogado e o direito de apelação à Suprema Corte".

Omar afirma que foi conduzido para três dias de interrogatório ao chegar a Sde Teiman. Ele conta que os detidos foram vestidos com sobretudos finos e mantidos em uma sala congelante, com alto-falantes tocando música israelense.

Ao término do interrogatório, os homens afirmam que eram conduzidos para o quartel vendados.

"Não sabíamos se havia anoitecido ou amanhecido", conta Omar. "Você não vê o Sol. Você não vê nada."

As IDF declararam possuir "mecanismos de supervisão", incluindo câmeras de circuito fechado, "para garantir que as instalações de detenção sejam administradas de acordo com as ordens das IDF e a legislação".

Mas Omar e Mushtaha afirmam que, quando foram transferidos para a prisão de Ketziot, houve o que eles descrevem como "cerimônia de boas-vindas", com agressões e mais abusos.

Prisão com guarita e cerca reforçada com arame farpado

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Prisão de Ketziot, em imagem de 2011. Omar e Abdul Karim Mushtaha afirmam que as agressões no local eram fortes e havia muito pouca comida

Omar conta ter presenciado abusos sexuais em Ketziot.

"Eles tiraram as roupas de alguns dos homens e cometiam atos vergonhosos", segundo ele.

"Eles forçavam os homens a realizar atos sexuais entre si. Vi com meus próprios olhos. Não era sexo com penetração. Eles pediam a um homem para fazer sexo oral com outro. Era obrigatório."

A BBC não recebeu outros relatos desta natureza. Mas a Sociedade de Prisioneiros Palestinos, que acompanha as condições dos palestinos nas prisões israelenses, descreveu o abuso sexual dos detidos em Ketziot como "ocorrência comum".

O abuso varia de estupro e assédio sexual até bater nos genitais, segundo a entidade.

A Sociedade afirma não ter recebido testemunho de atos sexuais forçados entre detentos. Mas ela tomou conhecimento de que alguns foram forçados a olhar para os demais sem roupas e foram atirados uns sobre os outros, também nus.

Um relato do B'Tselem também reúne acusações de violência sexual – incluindo um prisioneiro que declarou que os guardas tentaram estuprá-lo com uma cenoura.

A BBC apresentou ao Serviço Prisional de Israel (IPS) a acusação de que os prisioneiros eram forçados a realizar atos sexuais entre si.

A resposta foi que o organismo "não tem conhecimento" da acusação de abusos sexuais, nem de nenhuma das demais acusações apresentadas à BBC sobre o tratamento e as condições em Ketziot e em outras prisões israelenses.

"O IPS é uma organização de manutenção da lei que opera de acordo com as disposições legais e sob a supervisão do controlador estatal e de muitos outros organismos oficiais", declarou a instituição.

"Todos os prisioneiros são detidos de acordo com a lei. Todos os direitos básicos necessários são plenamente aplicados por guardas prisionais profissionalmente treinados. Não temos conhecimento das queixas descritas e, até onde sabemos, nenhum desses eventos ocorreu sob a responsabilidade do IPS."

"No entanto, os prisioneiros e pessoas detidas têm o direito de registrar queixas, que serão examinadas e atendidas pelas autoridades oficiais", conclui o IPS.

Agressões e falta de assistência

Omar declarou que também foi atingido com bastões na prisão de Ketziot. "Depois que fomos torturados, fiquei com dores a noite toda – das costas até as pernas.

"Os homens me carregavam do colchão para o toalete. Meu corpo, minhas costas, minhas pernas – meu corpo todo estava azul devido às agressões", ele conta. "Não consegui me mover por cerca de dois meses."

Mushtaha descreveu terem batido sua cabeça em uma porta. Ele também teve seus genitais atingidos.

"Eles nos deixavam nus", ele conta. "Eles nos atacavam com eletrochoque. Eles nos atingiam em locais sensíveis. Eles diziam 'vamos castrar você'."

Ele conta que as agressões "pretendiam quebrar seus ossos" e que os detentos, às vezes, eram agrupados e recebiam água quente por cima.

"O nível da tortura era imenso", ele conta.

Omar e ele também descreveram incidentes que eles creditavam à negligência médica. "Minhas mãos estavam inchadas e cheias de bolhas", conta Mushtaha.

"Se as pessoas pudessem ter visto minhas pernas, elas teriam dito que precisavam de amputação devido à inflamação... [Os guardas] simplesmente me diziam para lavar as mãos e as pernas com água e sabão."

"Mas como eu conseguiria fazer isso, se só havia água por uma hora por dia [entre nós] e, quanto ao sabão, eles traziam [apenas] uma colher de xampu uma vez por semana", ele conta.

Mushtaha afirma que os guardas disseram a ele que "enquanto você tiver pulso, está em boa forma. Enquanto estiver de pé, está em boa forma. Quando seu pulso parar, viremos tratar de você."

Homem olha pela janela para a rua, em frente a um edifícios danificados por bombardeios

Legenda da foto, Relatório médico indica que Abdul Karim Mushtaha foi libertado da prisão com sarna

Um advogado que visitou Mushtaha e Ohmar em Ketziot em setembro passado comentou sobre Mushtaha.

"O prisioneiro, como os demais, sofre de dores devido a queimaduras nas mãos, pés e nádegas", contou ele. "Não há limpeza e ele não recebe nenhum tipo de tratamento."

Mushtaha também forneceu à BBC um relatório compilado por um médico em Gaza, confirmando que ele ainda estava infectado com sarna no dia da sua libertação.

Omar conta que os detentos apanhavam quando pediam assistência médica.

O advogado observou que Omar precisava de atenção devido a "borbulhas que se espalhavam sobre a pele – na virilha e nas nádegas, devido às inóspitas condições da prisão", que incluíam a água poluída e falta de produtos de higiene.

"O prisioneiro afirma que, mesmo na sua vez de tomar banho, ele tenta evitar porque a água... causa coceira e inflamações", conta o advogado.

Todos os prisioneiros destacaram que tiveram acesso limitado a alimentos e água durante a detenção em diversas instalações.

Vários deles relataram terem perdido muito peso. Omar afirma ter perdido 30 kg.

O advogado declarou que Omar disse a ele que o alimento era "quase inexistente" nos primeiros meses. Mas, posteriormente, as condições "melhoraram um pouco".

Mushtaha descreveu que a comida era deixada do lado de fora dos complexos prisionais, para que os gatos e as aves se alimentassem primeiro.

Outro entrevistado, Ahmed Abu Seif, declarou ter sido levado para outra prisão – Megiddo, perto da Cisjordânia ocupada – depois da sua captura, no seu aniversário de 17 anos.

Jovem de casaco azul em frente a destroços

Legenda da foto, Ahmed Abu Seif ficou detido na ala jovem da prisão de Megiddo e conta que teve as unhas dos pés arrancadas durante os interrogatórios

Ele conta que as autoridades israelenses invadiam regularmente suas celas e pulverizava gás lacrimogêneo.

"Nós nos sentíamos sufocados e incapazes de respirar bem por quatro dias, depois de cada ataque com gás lacrimogêneo", segundo Abu Seif. Ele conta que ficou detido na ala jovem da prisão.

"Não havia consideração pelo fato de sermos menores de idade", disse ele. "Eles nos tratavam da mesma forma que os militantes de 7 de Outubro."

Ele afirma que, durante os interrogatórios, suas unhas foram arrancadas.

Quando a BBC o filmou no dia seguinte à sua libertação, ele mostrou como várias das suas unhas dos pés ainda estavam lesionadas, além das cicatrizes nas mãos que, segundo ele, foram causadas pelas algemas e arranhões dos cães.

O IPS não respondeu a estes relatos.

Dois dos entrevistados disseram terem presenciado a morte de colegas detentos em Sde Teiman e Ketziot. Um deles morreu devido às agressões, incluindo o uso de cães, e outro por negligência médica.

Eles forneceram nomes e datas dos incidentes, que coincidem com as notícias da imprensa e os relatos dos grupos de direitos humanos.

Pelo menos 63 prisioneiros palestinos – 40 deles, da Faixa de Gaza – morreram em custódia israelense desde 7 de outubro de 2023, segundo a Sociedade de Prisioneiros Palestinos.

O IPS não respondeu a questões sobre a morte de palestinos em custódia. Mas as IDF afirmaram que estava "ciente de casos de mortes de prisioneiros, incluindo os que estavam detidos com doenças pré-existentes ou lesões resultantes de combates".

"Seguindo os procedimentos, a Divisão de Investigações Criminais da Polícia Militar (MPCID, na sigla em inglês) abre um inquérito a cada morte de detento", declarou a instituição.

A libertação

Os abusos prosseguiram até o momento da libertação dos detentos, em fevereiro, segundo alguns dos entrevistados.

"No dia da libertação, eles nos trataram de forma brutal", segundo Mushtaha. "Eles apertaram as algemas e, quando queriam nos fazer andar, eles colocavam nossas mãos acima da cabeça e nos puxavam."

"Eles diziam: 'Se você interagir com o Hamas ou trabalhar com o Hamas, se tornará um alvo.' Eles diziam: 'Vamos mandar um míssil direto para você.'"

Abu Seif também disse que as condições se agravaram depois da assinatura do cessar-fogo, em janeiro. Segundo ele, "os soldados intensificaram as agressões contra nós, sabendo que seríamos libertados em breve".

Omar conta que os detentos só se sentiram "seguros" quando foram transferidos para o ônibus da Cruz Vermelha que os levaria de volta para a Faixa de Gaza.

Filmagens mostraram alguns deles sendo devolvidos de camiseta com a Estrela de Davi e a inscrição "não esquecemos e não perdoamos", escrita em árabe.

Uma autoridade do Hospital Europeu de Gaza avaliou as condições dos detentos devolvidos.

Ele afirmou que condições da pele, como sarna, eram comuns. E os médicos observaram muitos casos de "má nutrição e magreza extrema", além dos "efeitos físicos da tortura".

O especialista legal Lawrence Hill-Cawthorne declarou à BBC que "certamente, usar substâncias químicas para queimar o detento e submergir sua cabeça atingiria os limites da tortura, bem como o uso de choques elétricos, a retirada de unhas e agressões graves".

"Todos estes atos ou outros comparáveis reconhecidamente constituem tortura, segundo os organismos internacionais", bem como o uso de posições de estresse e música alta.

Homem de óculos olha para o laptop aberto

Legenda da foto, O especialista legal Lawrence Hill-Cathworne afirma que diversas acusações dos entrevistados da BBC atendem à definição de tortura estabelecida pelos organismos internacionais

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) realiza entrevistas com os detentos sendo devolvidos. O organismo declarou que não pode comentar condições individuais, por razões de privacidade.

A Cruz Vermelha acrescentou que espera ansiosamente pelo acesso aos que ainda estão detidos, o que não é permitido desde os ataques de 7 de Outubro.

"O CICV permanece profundamente preocupado com o bem-estar dos detentos e enfatiza a necessidade urgente de retomada das visitas a todos os locais de detenção. Continuamos a solicitar acesso em diálogo bilateral e confidencial com as partes", declarou a entidade à BBC.

Ainda estão sendo mantidos 59 reféns em Gaza. Acredita-se que 24 deles ainda estejam vivos.

O CICV nunca teve acesso a eles em 18 meses de cativeiro e seus parentes e amigos estão seriamente preocupados com seu bem-estar.

Para muitos dos detentos palestinos libertados, voltar a Gaza foi um momento de celebração e de desespero.

Abu Tawileh afirma que sua família ficou chocada com a sua aparência quando ele foi libertado. Ele conta que sua experiência ainda o prejudica.

"Sou incapaz de fazer qualquer coisa devido às minhas lesões, meu olho dói, lacrimeja e coça", segundo ele. "E todas as queimaduras do meu corpo também coçam. Isso me incomoda muito."

O adolescente Ahmed conta que, agora, quer sair da Faixa de Gaza.

"Quero emigrar por tudo o que vimos na detenção e devido à tortura mental do medo das bombas caírem na nossa cabeça", afirma ele.

"Nós desejávamos a morte, mas não conseguíamos encontrá-la."