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Robôs humanoides (ainda um pouco humanos): inovação real ou marketing?

O marketing começa quando as empresas prometem um software de inteligência autônoma que ainda não existe. O caso do robô NEO, da startup 1X, é o exemplo perfeito. O aparelho foi anunciado como uma revolução da "IA física" para sua casa, capaz de realizar tarefas de forma autônoma. No entanto, uma demonstração recente feita pela jornalista Joanna Stern, do Wall Street Journal, revelou que o robô de US$ 20.000 (cerca de R$ 100 mil em conversão direta) é, na verdade, controlado remotamente por um operador humano. A inovação dos robôs humanoides, por enquanto, está quase toda no hardware.

Essa revelação expõe o grande abismo entre a promessa tecnológica e a realidade atual. A repercussão negativa gerou um debate sobre o que realmente está sendo vendido. Os primeiros clientes não estão comprando um mordomo autônomo, mas estão pagando para financiar testes em larga escala. Vai além, estão cedendo dados de câmeras e microfones de dentro de suas casas em troca da promessa de "participar do futuro". O TechTudo analisa o caso NEO, os riscos dessa nova onda de "hype" e o que ela revela sobre o futuro da robótica.

 Reprodução/1X Robô humanoide chamado NEO ainda não é capaz de executar tarefas sozinho — Foto: Reprodução/1X

O debate sobre robôs humanoides está mais quente do que nunca. Para entender o que é promessa e o que é realidade nesta nova corrida tecnológica, veja a seguir os tópicos que serão abordados nesta matéria:

  1. A promessa vs. a realidade
  2. O "Contrato Social": você está pagando para ser um treinador de IA
  3. O custo da privacidade e segurança
  4. Empresas disputam a "corrida humanoide"
  5. Por que um robô (ainda) não consegue dobrar roupas?
  6. A inovação real vs. onde começa o marketing

1. A promessa vs. a realidade

O marketing de lançamento do NEO é ambicioso. O comunicado oficial o posiciona como o robô que irá "redefinir a vida em casa". Os vídeos mostram um robô de aparência suave realizando tarefas como aspirar e organizar prateleiras. A inovação no hardware é genuína: o robô é leve (30 kg), usa um sistema de "acionamento por tendão" inspirado em músculos e possui mãos com 22 graus de liberdade, tudo projetado para ser seguro perto de humanos.

O problema é que o marketing mistura essa capacidade mecânica com uma inteligência totalmente autônoma que não existe. A jornalista Joanna Stern, do Wall Street Journal, testou o NEO e descobriu a verdade: 100% de suas ações foram teleoperadas por um humano em outra sala, usando um headset de VR. A demonstração presencial foi lenta e desajeitada. O robô levou mais de um minuto para pegar uma garrafa de água e cinco minutos para encher uma lava-louças.

 Reprodução/Wall Street Journal Teste do jornal Wall Street Journal revelou que o robô humanoide era controlado por humano — Foto: Reprodução/Wall Street Journal

A revelação provocou uma onda de ceticismo. O influenciador de tecnologia Marques Brownlee (MKBHD) rotulou o vídeo de lançamento de "um 'hype reel' para algo que eles esperam ser capazes de fazer algum dia". Ken Goldberg, professor da UC Berkeley, classificou o entusiasmo como "exuberância irracional" e "prematuro" ao blog Decrypt. Ele teme que lançar um produto tão inacabado gere uma "reação negativa" que prejudique a confiança na robótica como um todo.

2. O "Contrato Social": você está pagando para ser um treinador de IA

Diante da reação, a 1X não negou. Ela recontextualizou a teleoperação como parte central de sua estratégia. O CEO, Bernt Børnich, admitiu abertamente a dependência de operadores humanos. Ele propôs um "contrato social" explícito com os primeiros clientes. "Se você comprar este produto, é porque está OK com esse contrato social. Se não tivermos seus dados, não podemos melhorar o produto", disse Børnich ao Wall Street Journal.

Essa declaração revela o verdadeiro modelo de negócios. A teleoperação não é um bug; é a principal característica. É o motor do que a empresa chama de "Data Flywheel" (Volante de Dados). A tese da 1X é que a autonomia robusta é impossível de alcançar sem uma coleta massiva de dados do mundo real. Os robôs precisam ser usados antes de serem autônomos, para que possam coletar os dados necessários para se tornarem inteligentes.

O que a 1X está vendendo por US$ 20.000 não é o mordomo robô autônomo. O que está sendo vendido hoje é o acesso antecipado a uma plataforma de pesquisa em estágio beta. O consumidor não é um mero usuário; ele é um participante ativo no treinamento da IA. O marketing da 1X transforma o processo (ajudar a treinar uma IA) no produto (um robô que faz tarefas). A falta de autonomia foi transformada de falha em característica central do contrato.

 Reprodução/Wall Street Journal O controle do NEO é feito remotamente por um operador — Foto: Reprodução/Wall Street Journal

3. O custo da privacidade e segurança

Este "contrato social" tem custos ocultos significativos. O "1X Expert" não é um algoritmo; é um funcionário, um "Operador de Robô", que ganha salário. Esse operador, usando um headset de VR, obtém acesso sensorial completo à casa do cliente. Ele vê através das câmeras do robô e ouve através de seus microfones. Essencialmente, o cliente está pagando para permitir que um estranho tenha uma telepresença móvel em seus espaços mais íntimos.

O CEO da 1X tenta suavizar essa invasão com o "princípio da Big Sister" (Irmã Mais Velha), que ajuda, em oposição ao "Big Brother", que monitora. A lógica é: "quanto mais dados você compartilha, mais úteis podemos ser". Especialistas em ética, como Gary Marcus, disseram ao blog Decrypt que veem isso com cinismo. Marcus alertou que o NEO pode ser o "próximo estágio na jornada do capitalismo de vigilância". A preocupação é que os dados coletados (mapas da casa, rotinas, conversas) sejam apenas uma nova forma de coletar dados íntimos para futura monetização.

 Reprodução/Wall Street Journal O teleoperador tem acesso completo às câmeras e microfones do NEO — Foto: Reprodução/Wall Street Journal

Além da privacidade, existem riscos de segurança física. Um robô de 30kg que interage com o ambiente pode ser perigoso. Comentários online levantam pontos válidos: ele poderia ligar o fogão, deixar uma torneira aberta, manusear uma faca de forma errada ou cair sobre uma criança. A própria 1X admite esse risco tacitamente. A empresa confirmou ao WSJ que famílias com crianças pequenas não se qualificarão para o programa inicial, provando que o robô ainda não é considerado seguro para um ambiente doméstico imprevisível.

4. Empresas disputam a "corrida humanoide"

O lançamento do NEO não ocorre sem propósito. Ele expõe uma "divisão filosófica" na corrida para construir humanoides viáveis. A 1X, assim como a Tesla com seu robô Optimus, adota a abordagem "Data-First" (Dados em Primeiro Lugar). A tese é lançar um produto inacabado que depende de teleoperação ("human-in-the-loop") para coletar dados do mundo real e, então, poder treinar a IA. As demos do Optimus, por exemplo, também são criticadas por dependerem de controle humano, apesar de serem apresentadas como avanços em IA.

A principal rival, Figure AI, defende a abordagem "Autonomy-First" (Autonomia em Primeiro Lugar). A Figure, que também tem apoio da OpenAI, foca em resolver a inteligência autônoma antes da implantação comercial. Uma demonstração recente do Figure 01 foi um golpe direto na estratégia da 1X. No vídeo, um humano interage verbalmente com o robô, que responde, identifica visualmente objetos e entrega uma maçã ao humano, explicando seu raciocínio para a decisão.

 Reprodução/Figure Principal rival do NEO, o Figure 01 conseguiu pensar e executar uma tarefa sem comandos humanos — Foto: Reprodução/Figure

Esse contraste é fundamental. A demonstração do Figure 01 exibiu "raciocínio de senso comum" e comportamento autônomo em tempo real, algo que estava totalmente ausente na demonstração do NEO. Enquanto a 1X mostrou a capacidade mecânica do seu robô (ser movido por um humano), a Figure mostrou a capacidade cognitiva do seu (tomar uma decisão sozinho). A Boston Dynamics, por sua vez, segue como líder em P&D, focando seu Atlas em aplicações industriais, sem o hype de um lançamento para o consumidor.

5. Por que um robô (ainda) não consegue dobrar roupas?

O abismo entre a promessa da 1X e a realidade existe pela complexidade da "IA Física". A razão pela qual o NEO precisa de um operador humano é que a autonomia genuína em casas é um dos problemas mais difíceis da ciência da computação. Robôs industriais funcionam bem em fábricas porque são ambientes estruturados, onde cada peça está em um local previsível. O lar é caótico, imprevisível e cheio de objetos novos, animais e pessoas.

Para entender por que a teleoperação é necessária, basta analisar a tarefa de dobrar roupas, algo prometido no marketing do NEO. Esta tarefa é um pesadelo técnico conhecido como "Manipulação de Objetos Deformáveis" (DOM). Um objeto rígido, como um copo, é fácil de modelar. Um pedaço de tecido, no entanto, tem milhões de pontos que podem amassar e se dobrar de formas imprevisíveis. O robô fica "cego" ao não saber onde estão os cantos da roupa.

O estado da arte atual mal consegue resolver o problema mais simples. Competições acadêmicas recentes mostram que o simples ato de desdobrar roboticamente uma peça de roupa de uma pilha amassada ainda é um "desafio em aberto". A promessa de que o NEO irá "dobrar sua roupa" autonomamente não é apenas um exagero; é algo que a IA atual não pode fazer. Portanto, a teleoperação não é uma opção temporária, mas uma necessidade técnica absoluta para cumprir o que o marketing prometeu.

 Reprodução/Wall Street Journal Mesmo com a operação humana, o robô ainda enfrenta dificuldade em tarefas mais complexas — Foto: Reprodução/Wall Street Journal

6. A inovação real vs. onde começa o marketing

Retornando à questão central, o caso do 1X NEO fornece uma resposta clara. A inovação é tangível e reside no hardware. O design do corpo mais humano (com toque macio e "leve"), o sistema de "acionamento por tendão" e a destreza mecânica das mãos são feitos de engenharia notáveis. A 1X inovou ao construir um robô fisicamente seguro o suficiente para, um dia, coexistir com humanos.

O marketing começa precisamente onde a "IA Física" é apresentada como uma capacidade autônoma presente no robô. A 1X está vendendo um futuro prometido, uma espécie de mordomo de IA. Quando, na verdade, se trata de um avatar de telepresença. O abismo entre a IA real e a IA comercializada é vasto. Além disso, as provas de sua funcionalidade autônoma são diferentes do anunciado pela empresa.

O NEO, em seu lançamento de 2026, não deve ser visto como um produto de consumo finalizado. Ele é uma plataforma de pesquisa em estágio beta. Seus primeiros clientes estão pagando US$ 20.000 pelo privilégio de hospedar essa plataforma, financiar seus testes e fornecer o fluxo de dados mais íntimo que uma empresa de IA poderia desejar. O consumidor não é um cliente; ele é um investidor de risco, pagando para, talvez, ajudar a construir o futuro que lhe foi vendido.

 Reprodução/1X Realidade apresentada pela 1X está longe da tecnologia atual — Foto: Reprodução/1X

Assista no vídeo abaixo: conheça o robô que usa linguagem do ChatGPT para interagir com humanos #viral

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