4 semanas atrás 8

RS inicia semeadura de soja com preços pressionados e olho na China

O início oficial do plantio da soja no Rio Grande do Sul, aberto na semana passada em Júlio de Castilhos, marca o ponto de partida de uma safra cercada por expectativa e cautela. A cerimônia, acompanhada por autoridades estaduais e lideranças do setor, ocorre num momento em que o Estado projeta forte recuperação na produção, ao mesmo tempo em que o cenário global da oleaginosa passa por uma reconfiguração, com a China reduzindo drasticamente as compras dos Estados Unidos e ampliando espaço para o grão brasileiro.

A projeção da Emater/RS-Ascar indica que a safra 2025/26 pode alcançar 21,4 milhões de toneladas de soja, volume 57% superior ao do ciclo anterior, marcado por quebras de produtividade e prejuízos generalizados. A área cultivada, estimada em 6,74 milhões de hectares, deve permanecer praticamente estável. A diferença, desta vez, dependerá do comportamento do clima — especialmente após dois anos de eventos extremos alternando estiagem e excesso de chuvas.

Para o coordenador de Inteligência de Mercado da consultoria Hedgepoint, Luiz Fernando Roque, a perspectiva de recuperação da safra gaúcha se soma a um contexto internacional favorável ao Brasil, que hoje responde por mais de 70% da soja comprada pela China.

A paralisação quase completa das aquisições chinesas de soja americana entre junho e agosto redesenha o fluxo global. Isso abre espaço adicional para o Brasil, inclusive para o Rio Grande do Sul, consolidar seu papel no fornecimento mundial”, observa.

Ele lembra, porém, que o aumento da oferta global tende a limitar ganhos de preço no curto prazo.

Levantamento da American Farm Bureau Federation, maior organização de produtores rurais dos Estados Unidos, aponta que as compras chinesas de soja dos EUA caíram de 26,5 milhões de toneladas em 2024 para apenas 5,8 milhões neste ano. No mesmo período, o Brasil exportou mais de 77 milhões de toneladas à China. O movimento pressiona produtores norte-americanos e reforça a dependência do mercado chinês em relação à América do Sul.

Na avaliação do analista de soja Rafael Silveira, da Safras & Mercado, essa nova configuração garante demanda, mas também exige atenção do produtor brasileiro. “Com os Estados Unidos tentando reconquistar espaço e a Argentina retomando competitividade, o ritmo de vendas e o câmbio passam a ser determinantes”.

No campo, os produtores gaúchos iniciam o ciclo ainda sob impacto financeiro das perdas acumuladas nas últimas safras. Produtor nos municípios de Júlio de Castilhos e Tupanciretã, Rodrigo Siqueira  considera que a safra 2025/2026 será fundamental para recuperar perdas dos últimos cinco anos.

"É a esperança de colocar as coisas no lugar. A situação (financeira) está muito séria. O endividamento é alto e o acesso a novos créditos cada vez mais difícil para o produtor que não conseguiu cumprir com a safra passada".

Ele, entretanto, planeja iniciar o cultivo em suas terras na próxima semana. E vai investir em tecnologia. "Se não usar, é pior", justifica.

Na última colheita, o Siqueira, que é vice-presidente do Sindicato Rural de Júlio de Castilhos, obteve rendimento médio de 12 sacas por hectare. "Foi péssimo. Mas a gente não pode desacorssoar e parar."

O engenheiro agrônomo Alencar Rugeri, assistente técnico estadual da Emater/RS-Ascar, destaca que muitas propriedades seguem descapitalizadas, o que limita investimentos em tecnologia e insumos.

Mesmo com uma previsão otimista de produtividade, os custos continuam altos. O produtor entra na safra apostando na normalização do clima e na recuperação de renda”, explica.

Ele ressalta também o papel do zoneamento agrícola e do vazio sanitário, encerrado em 30 de setembro, que orientam o calendário de plantio e visam reduzir riscos fitossanitários e perdas por doenças.

As condições meteorológicas para outubro indicam avanço gradual da semeadura, com maior ritmo a partir da segunda quinzena, quando a umidade do solo tende a se estabilizar. Durante a solenidade de abertura do plantio, o secretário estadual da Agricultura, Edivilson Brum, reforçou a confiança em um ciclo mais regular. “Se o clima ajudar, a soja pode voltar a colocar o Rio Grande do Sul em destaque nacional na produção do grão”, afirmou.

Mesmo com a recuperação esperada, o desafio da comercialização segue no radar. O atraso nas vendas antecipadas, reflexo dos preços mais baixos e da cautela dos produtores, mantém o mercado físico travado. “A soja brasileira perdeu força nos prêmios de exportação, e os estoques altos da última safra pressionam as cotações internas”, analisa Silveira.

O dólar oscilando abaixo de R$ 5 também reduz a atratividade das vendas externas. Ainda assim, o especialista acredita que a demanda internacional tende a sustentar o escoamento ao longo de 2025, especialmente se o ritmo das importações chinesas se mantiver forte. No ano passado, o Estado exportou produtos do complexo soja para 50 países, gerando US$ 6,33 bilhões — a China respondeu por 56% desse total.

O cenário global, portanto, reforça o protagonismo brasileiro, mas também impõe prudência.

Há espaço para o Rio Grande do Sul recuperar parte das perdas e melhorar sua rentabilidade, mas o mercado está volátil. A janela de preços bons pode ser curta”, avalia Roque.

Com a semeadura apenas começando, o tom entre os analistas é de otimismo contido: o Estado se prepara para uma safra promissora, mas dependente de um clima cooperativo e de um mercado mundial em transição.

Cotações mais baixas e custos elevados exigem cautela na comercialização

Mesmo com a perspectiva de uma safra mais cheia, o produtor gaúcho de soja inicia o novo ciclo em um ambiente de margens estreitas e comercialização lenta. Os preços internos seguem pressionados pela oferta elevada e pela retração dos prêmios de exportação, reflexo da concorrência sul-americana e da ampla disponibilidade global de grão.

Segundo o analista Rafael Silveira, da Safras & Mercado, a soja no mercado físico do Rio Grande do Sul tem oscilado entre R$ 125 e R$ 135 por saca, patamar que cobre os custos médios de produção, mas oferece pouca rentabilidade.

O produtor ainda está cauteloso, segurando a venda à espera de um câmbio mais favorável ou de uma reação dos prêmios”, explica.

Ele observa que, no momento, apenas cerca de 10% da safra 2025/2026 foi comercializada antecipadamente no Estado, percentual bem abaixo da média histórica.

O recuo do dólar abaixo de R$ 5 e a valorização do real reduzem a competitividade das exportações, ao mesmo tempo em que insumos como fertilizantes e defensivos seguem com preços firmes. Para o engenheiro agrônomo Alencar Rugeri, da Emater/RS-Ascar, “a conta segue apertada, especialmente para quem teve prejuízo nas últimas safras e precisa repor capital de giro”.

Além disso, o cenário internacional pode mudar rapidamente, com reflexos sobre os preços domésticos, alerta Luiz Fernando Roque, da Hedgepoint. “A continuidade da demanda chinesa e eventuais problemas climáticos nos Estados Unidos ou na Argentina ainda podem alterar o quadro. O produtor precisa planejar bem o ritmo das vendas”.

Leia o artigo inteiro

Do Twitter

Comentários

Aproveite ao máximo as notícias fazendo login
Entrar Registro