O período que o País passou sem programas do governo federal para atender a demanda por moradia - pelo menos seis anos - prejudicou o desenvolvimento dessa política pública em Porto Alegre, aponta André Machado (PP). Titular da Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária (Smharf) na Capital gaúcha e diretor do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), funções exercidas desde o início da gestão de Sebastião Melo (MDB), ele celebra a retomada do programa Minha Casa, Minha Vida, que neste ano contemplou nove das 15 áreas inscritas pelo município.
Para Machado, nessa área é necessário esforço conjunto das diferentes esferas de governo, independentemente do partido político ou da ideologia. Assim, avalia que o avanço do programa federal em Porto Alegre acontece porque há "uma sinergia entre o que o município desejava e o que o governo federal deseja".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o secretário aponta quais são as medidas tomadas também pela prefeitura para sanar o déficit habitacional em Porto Alegre - se o foco inicial da gestão era pela Regularização Fundiária Urbana (Reurb), agora está pulverizado em diferentes ações.
Jornal do Comércio - O senhor é secretário desde o início da gestão. Não foi um governo de muitas trocas.
André Machado - Quando comecei a trabalhar aqui, até por ser minha primeira experiência no setor público, minha dúvida era "será que chego no sexto mês?". É desafiador e um mundo completamente diferente da redação (de jornalismo). As coisas não são possíveis de serem cumpridas da maneira fácil como a gente, sociedade, imagina. Isso tem razão de ser, essa necessidade de controles, porque, ao longo do tempo, as pessoas desviam recursos públicos de sua função e finalidade. Então se criou um mecanismo de controle que gera uma dificuldade gigantesca de fazer com que pessoas deem pareceres que parecem óbvios, para que possamos exercer a finalidade que é o atendimento às pessoas.
JC - Isso impacta o trabalho e o planejamento da secretaria?
Machado - Tenho uma frustração. No primeiro ano montamos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) um projeto para a construção da "vila dos idosos", na Avenida Ipiranga. Para mim, era a menina dos olhos, um projeto super bonito. Só que até agora não conseguimos contratar com o BID. Os financiamentos demoram dois, três anos. Tive dificuldade de ter dois anos sem um programa habitacional por parte do governo federal. O próprio Minha Casa Minha Vida, que eu saúdo e festejo o retorno, demorou para se consolidar ao longo deste ano. Tanto que estamos em dezembro e ainda não contratamos. Tivemos o anúncio feito, mas temos agora prazo de 150 dias para poder finalizar questões burocráticas para garantir a assinatura dos contratos. Descobri, a duras penas, que habitação é um processo muito lento. Tenho plena convicção que a gestão que virá depois de mim será de muitas entregas.
JC - Por que e quais serão?
Machado - Vamos deixar um terreno fértil com o Minha Casa Minha Vida, espero avançar com o projeto do Barcelona (residencial no bairro Humaitá), tem um programa com o governo do Estado que estamos encaminhando já na fase final, os Bônus Moradia e o Compra Compartilhada. Vamos deixar num patamar muito diferente do que encontramos.
JC - Um tema da campanha do Melo era regularizar em quatro anos o que tinha sido feito nos 40 anos anteriores, uma estimativa de 6 mil regularizações. Como está hoje?
Machado - Estamos um pouco acima da metade desse processo e vamos chegar a 3 mil no final do ano (2.350 até o momento). Não estamos com mais porque a ideia era ter o Reurb Digital na rua no segundo ano, e vai entrar agora.
JC - O que é a Reurb Digital?
Machado - A Reurb Digital é uma maneira de facilitar todo o processo de captura dos dados. Hoje a equipe vai a campo e tem que tirar a foto do documento, baixar a foto, tem todo um processo. Junto com a Procempa, desenvolvemos um sistema que vai mudar e dar muito mais agilidade: vai lá, tira foto do documento e ele já entra no processo. Mesmo assim, temos mais de 16 mil lotes em processo de regularização, que estão na fase de topografia, ou de projeto urbanístico, ou de titulação em cartório. Está andando. Mas aprendi que há outras demandas gigantescas da cidade que precisamos olhar e que espero poder levar adiante na minha trajetória política, seja onde for, que é a produção e a melhoria habitacional. Precisamos combater o déficit habitacional em todas as dimensões. Quando se faz a regulação fundiária, se organiza a vida das pessoas do ponto de vista documental, mas não melhora efetivamente a casa delas, e precisamos avançar nisso. Criamos um programa chamado Morar Melhor, que espero começar efetivamente no Dr. Barcelos (condomínio no bairro Camaquã). Já era para ter começado há muito tempo. E temos um projeto que infelizmente não vamos botar na rua, justamente por necessidade de ampliar a estrutura do Demhab, que é o Aluguel Mais Leve. A ideia é basicamente pegar uma pessoa e adequar o que ela paga de aluguel à sua possibilidade da renda. O Demhab pagaria a diferença. É um programa relativamente barato, mas que dá dignidade para muita gente. Mas não estou nem brigando por ele nesse momento pois sei que não consigo fazer com que a máquina ande, com a estrutura que ela tem, com mais um programa.
JC - O Demhab não foi extinto, uma possibilidade levantada no começo do de governo...
Machado - Quando chegamos aqui, fizemos a proposta de mudança do Demhab. Os servidores propuseram um quadro diferente e nós acatamos aquele modelo. Extinguir o Demhab seria a mesma coisa que uma empresa, que tem uma marca forte, reconhecida na cidade, abrir mão para criar uma nova que talvez tenha muita dificuldade de se consolidar. Fizemos uma opção também de fortalecer o Demhab. Tanto que contratamos mais servidores, abrimos programas gestionados pelo Demhab, que tem cuidado da habitação em Porto Alegre, e a Smharf hoje tem controlado muito mais a parte de regularização fundiária. Me sinto satisfeito em ver o Demhab fortalecido.
JC - Qual o principal programa? Não tem mais produção?
Machado - Esperamos voltar a ter (produção própria) com o Barcelona. O que temos de muito significativo é a criação do Compra Compartilhada, que atinge um público que não era atendido pelo Demhab, para atendimento de habitação de interesse social. É um subsídio de R$ 15 mil para quem ganha até R$ 4 mil (renda familiar mensal) e não tem capacidade de formar uma poupança para dar entrada no imóvel, mas pode pagar um aluguel. Chegamos à marca de 500 "adeus aluguel" (quando recebe a documentação do programa), pessoas que adquiriram os seus imóveis com auxílio da prefeitura e também de outros subsídios federais, e acho que o governo do Estado está lançando o seu agora. O Compra Compartilhada é uma grande conquista para Porto Alegre.
JC - Qual o papel das outras esferas de governo?
Machado - Os governos têm que trabalhar, em primeiro lugar, para o cidadão, e não para suas siglas, não para o seu campo ideológico. Eu trabalhei com o governo (Jair) Bolsonaro (PL, 2019-2022), que era de direita, e trabalho com o governo (Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT), que é de esquerda. Nos dois se vai buscar apoio e compromisso. O que ocorre nesse momento, com Minha Casa Minha Vida, é uma sinergia entre o que o município desejava e o que o governo federal deseja. Inscrevemos 15 áreas de Porto Alegre como município, mais cinco privadas e três do Estado. Destas, nove foram selecionadas, todas do município. Ou seja, fizemos o nosso dever de casa. Estou muito feliz, porque atingimos o teto das inscrições do Minha Casa Minha Vida. E conseguirmos fazer uma estratégia importante. Porto Alegre tinha um teto de empreendimentos para o MCMV. Como inscrevemos o Dona Zaida, o Jacuí e o Banco da Província não como MCMV, mas como PAC, não conta nessa cota. Ao invés de ganharmos 850 unidades, ganhamos 1.212. Mas isso só ocorre porque tem sinergia.
JC - Para quantos inscritos?
Machado - Tínhamos um cadastro com 68 mil pessoas que vinha de 2009. No recadastramento não chegou a 10% desses. Abrimos para novos cadastros e se mantêm o recadastramento. Hoje estamos com 25 mil e segue aberto até o dia 22 para poder organizar a entrega dessa demanda. Quero dar tempo da área social trabalhar, decidir sobre critérios e como fazer o melhor atendimento. Acho que vai chegar a uns 30 e poucos mil, o que é muito.
JC - E a diferença entre os cadastros e a oferta?
Machado - Seguiremos buscando outros projetos. Aqueles que possam entrar no Compra Compartilhada que entrem, se a gestão que vier depois quiser colocar o projeto Aluguel Mais Leve, seguir inscrevendo no MCMV… Estamos discutindo programas de financiamento com o KFW (Banco de Fomento Alemão) e com o BNDES para atender áreas de risco, que envolve reassentamento e mitigação. Esse é um problema da habitação em Porto Alegre que não vamos ver resolvido. A cidade paga por ter ficado parada por muito tempo, e pela pandemia, que acabou empobrecendo muito as pessoas.
JC - Quanto tempo parado?
Machado - São seis anos sem um programa habitacional do governo federal, que ajuda muito o município. Na gestão que nos antecedeu se fez um trabalho muito focado em reassentamento, tanto no Senhor do Bom Fim quanto nos Irmãos Maristas, que fizemos a entrega de 600 unidades, mas já tinha começado. Mas são programas de reassentamento, não são programas de atendimento. Então se tira as pessoas de um lugar e coloca em outro. O único condomínio que havia sido contratado, o Clara Nunes (no bairro Restinga), tinha uma demanda muito específica, mais da metade era indicação da Defensoria Pública da União (DPU). Agora vamos voltar atender uma demanda aberta, que é a possibilidade dessas famílias que estão aguardando poderem buscar uma casa. Fico na expectativa do governo federal, que está prometendo 2 milhões de unidades em quatro anos. Se isso for verdadeiro, e torço para que seja, o município de Porto Alegre está pronto para concorrer. O que estamos fazendo agora, pedi a abertura de um processo para aquisição de novas áreas para poder encaminhar projetos. Tinha 27 áreas aguardando, agora temos 18. E estamos brigando agora pelo reassentamento das famílias da Região das Ilhas.
JC - A Região das Ilhas que se enquadra como área de risco…
Machado - Sim, se enquadra como área de risco. No momento estamos pagando um benefício chamado Estadia Solidária. Nas Ilhas, me parece que precisa ter um estudo mais aprofundado no Plano Diretor sobre a ocupação. As pessoas querem sair? 95% não. Talvez esse número fosse maior antes do que aconteceu. Algumas agora querem em razão dos eventos, mas o que vai acontecer é que com as águas baixando, tudo limpando, as pessoas não querem sair. Como manter aquelas pessoas lá? Vai se fazer um grande dique nas Ilhas? Não é possível. Vai construir palafitas? Pode ser que seja uma alternativa. Mas não é uma solução de curto prazo. No combate às áreas de risco, as Ilhas apresentam um sério problema de alagamento, mas não é lá que vai morrer gente. E temos que dar atenção prioritária para os lugares onde as pessoas estão com a vida em risco.
JC - As encostas de morro...
Machado - São as encostas de morro e lugares com risco de enxurrada, como o Arroio Moinho, na Rua da Represa, onde já morreram duas pessoas. Tem um lugar que me preocupa muito que é o Beco da Morte, no Morro Santana. Tem casas embaixo da pedreira na Vila Pedreira do Cristal. Inscrevemos a Pedreira e mais quatro ou cinco áreas no PAC Encostas. Por isso é importante não perder essa sintonia que se tem com os outros entes federativos. É muito caro fazer esse processo.
JC - Terá remoções além do caso das Ilhas?
Machado - Com o KFW, que é um projeto grande de drenagem dos arroios Moinho e Cavalhada, e acho que o Guabiroba, nestes vai ter remoção. Mas é um processo em construção, possivelmente será feito daqui a três anos. O importante é que fizemos um alerta gigante para a cidade sobre a existência de áreas de risco. Em momento nenhum omitimos, para que justamente as famílias que vivem nessas áreas possam saber se proteger.
André Machado tem 57 anos e é natural de Porto Alegre, filho de Dilamar Machado e de Lea Machado. Atualmente é Secretário de Habitação e Regularização Fundiária e diretor-geral do Departamento Municipal de Habitação da Capital. Foi bancário da Caixa Econômica Federal por seis anos, formou-se depois em Jornalismo, e construiu carreira a partir de 1996. Trabalhou por 17 anos na Rádio Gaúcha, tendo sido redator, repórter, editor-chefe e apresentador. Ainda no Grupo RBS teve passagens pela TVCom como apresentador. Também foi professor do curso de Jornalismo da Unisinos por três anos. Concorreu a deputado federal em 2014, tendo feito quase 30 mil votos - destes, 13,7 mil em Porto Alegre. Retornou ao Jornalismo ainda em 2014, desta vez no Grupo Bandeirantes de Comunicação, onde ficou por mais cinco anos. Na Band, passou pelas rádios Bandeirantes e Band News FM, Band TV e Metro Jornal. Em fevereiro de 2020 assumiu como Superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do Estado. É também primeiro suplente de vereador pelo Progressistas em Porto Alegre.

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