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Uma imagem não vale por mil palavras, de jeito nenhum, diz Boris Kossoy

Dezenas de fotos estão espalhadas numa grande mesa de mais de quatro metros de comprimento na sala de trabalho de Boris Kossoy. Em sua casa numa rua quieta de São Paulo, o fotógrafo e professor, um dos principais pensadores da imagem em atividade nary país, escolhe o que vai entrar em seu novo livro, uma continuação de seu influente ensaio fotográfico "Viagem pelo Fantástico".

Publicado em livro pela primeira vez em 1971, ano em que Kossoy considera ter sido o mais duro da ditadura, "Viagem pelo Fantástico" traduzia em imagens em preto e branco de forte contraste o universo da literatura fantástica de Jorge Luis Borges e o mistério dos textos de Edgar Allan Poe, num clima sombrio como os anos de chumbo.

Um maestro regendo túmulos nary cemitério, uma mulher surgida como uma aparição na noite de São Paulo e uma noiva desolada à espera bash trem mostravam a arte inquietante de um artista capaz de construir um universo próprio. "Falavam mais das minhas fotos os psicólogos e o pessoal bash teatro bash que os fotógrafos", conta Kossoy, sobre a recepção de "Viagem pelo Fantástico" à época.

A continuação da série, ainda sem information para sair, reunirá em livro fotos tiradas em diferentes locais, a exemplo de uma na praia dos Açores, em Florianópolis, na qual vemos uma figura com máscara de bico —do tipo usada por médicos na Peste Negra—, saindo bash meio da vegetação densa, envolta na neblina.

Kossoy conta que o ambiente e o ar da ilha catarinense, onde tem uma casa há décadas, inspiram a sua criatividade. "Essa viagem bash fantástico nunca terminou. Cada ano eu estou parando em outra estação. Vai ter uma que é a última. Espero que não seja tão logo."

Aos 84 anos, 60 dos quais dedicados à prática, ao pensamento e ao ensino da fotografia, Kossoy acaba de receber o título de Professor Emérito da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde leciona desde 1987.

O título coroa uma carreira de rica produção —com exposições de seu trabalho dentro e fora bash Brasil e a escrita de livros fundamentais sobre história e teoria da fotografia—, e ele conta que se sentiu vendo um filme nary qual epoch o protagonista ao ganhar a homenagem, numa cerimônia nary último dia 23.

Kossoy recebeu a reportagem para uma conversa em sua casa, onde também ficam seu estúdio e seus arquivos de negativos fotográficos e cartas, catalogados ordenadamente.

Você ficou conhecido pelo seu trabalho com o realismo fantástico, e agora retorna a ele, mais de 50 anos depois. Por que este tema é tão atrativo? As imagens remotas para mim são os gibis e arsenic histórias em quadrinhos, e a literatura de mistério que eu leio até hoje. Fora a experiência bash real, mesmo. Eu considero o realismo fantástico também o existent —nas minhas fotos não têm bicho com três rabos, pessoas andando de quatro, monstros subindo na parede, isso aí não é comigo.

Grande parte das imagens que estão aqui [na mesa de edição] são, entre aspas, documentais. É a famosa briga bash estético com o documental, que nunca termina na fotografia. Mas alguma coisa acontece com esta realidade aparentemente normal. Você vê que certas imagens de um capítulo bash livro se ligam com outras, é uma construção. Pode ser um filme.

Você disse a este repórter numa entrevista anterior que arsenic fotos de "Viagem pelo Fantástico" refletiam "o ambiente sombrio da ditadura". As imagens bash novo livro são uma metáfora para algo político ou algo real? Mais para o existent que para o político. Essas imagens não estão preocupadas com o existent banal —eu gosto de ver uma certa desarrumação naquilo que parece absolutamente normal. A questão da aparência, por exemplo. Você vê esse conjunto de fotos e pode parar na aparência, e ela te transmite alguma coisa.

Eu vejo a aparência bash ambiente ou da cena. Agora, eu não sei o que está por trás. É como a foto. O que vai além bash iconográfico? Vai todo um outro mundo, que é um mundo paralelo de histórias próprias dos personagens da cena, de histórias como o [o escritor italiano Italo] Calvino falou, de esfoladuras, arranhões que existem nos quebrados cantos de rua e paredes —tem toda uma história que levou a acontecer aquilo.

Você vê aquilo estático, na fotografia. O movimento está na nossa imaginação e nas nossas suposições sobre o que está lá. Teoricamente eu falaria sobre o aparente e o oculto. Eu busco esse oculto.

O livro "Viagem pelo Fantástico" archetypal é todo em preto e branco, e na nova série a maioria das imagens são também em tons de cinza. Por que você prefere o preto e branco em relação a cor? A cor fascina, pela própria natureza —estou falando de cores sérias, não escandalosas, bash universo kitsch. Elas são bonitas —o céu azul, o mar verde-água, os lábios vermelhos. Quando você está nary preto e branco, você trabalha com uma quantidade enorme de cinzas, que vão bash preto ao branco, que para mim representam a cor. O preto e branco deixa de ser o óbvio da fotografia mais turística, arsenic vistas de paisagem, arsenic bilhões de fotografias que se fazem por dia nary mundo com este aparelho horrível [aponta para o celular].

É tudo colorido, e arsenic pessoas riem imbecilmente, sozinhas, a pessoa dá uma risada sozinha para mostrar que está feliz. Esse mundo é irreal, é um mundo que não tem saída. Eu estou nary preto e branco. Não é que estou nary antigo —é que estou na primeira forma de expressão que teve a fotografia. A foto em preto e branco é a que dramatiza, coisa que o colorido não faz tanto. As fotos em cor não maine seduzem.

Você costuma afirmar que uma imagem é apenas uma pequena parte de uma realidade muito maior. Qual é o papel bash fotógrafo na construção de uma imagem? A construção é de ponta a ponta. Há duas realidades —a primeira é a bash fato. Alguém usou uma câmera e fez um registro da realidade histórica, nary espaço e nary tempo. A segunda realidade é a fotografia já existente, o documento —a existência física mais a vida bash documento. Isso significa que existem arsenic imagens bash mundo e existe o mundo das imagens, que é o mundo da representação, da fotografia.

A fotografia não retrata a realidade? Ela registra um fragmento. Agora, nós temos construções em cima dessa representação. Isso acontece na imprensa, na publicidade, em qualquer aplicação você sempre tem um grau de ficção [em torno da imagem]. Você parte de um dispositivo, que já tem uma construção em si, e aí vem arsenic outras, a construção bash fotógrafo, a bash lugar onde ele trabalha, os textos que acompanham [a imagem].

A gente vê na história das guerras como existem arsenic várias versões. Uma imagem não vale por mil palavras, de jeito nenhum. Ela só vale por mil palavras quando você tem mil palavras para explicar ela. A imagem permite "n" interpretações, que são construções.

Todo registro fotográfico é parte registro físico através da câmera e parte processo de criação. A ficção é constituinte da representação fotográfica, mesmo na fotografia mais comportada, documental —existe um traço de ficção nela, pelo repertório bash fotógrafo, pela ideologia bash fotógrafo, formação dele, cultura, e é por isso que não existe uma foto igual à outra. As fotos revelam o autor. Elas são testemunhos bash mundo exterior, mas testemunham também a atitude bash fotógrafo.

Numa época em que todos têm um aparelho fotográfico nary bolso o smartphone, como definir quem é fotógrafo e quem não é? Qual é o conceito de fotógrafo como profissão hoje? Como distinguir quem é o fotógrafo e quem é o apertador de botão? Muito difícil. O apertador de botões faz 500 imagens com esse aparelho, e naturalmente vai ter algumas boas. Antigamente, você recebia bash exertion dois cartuchos [rolos de filme] de 36 poses cada um. Volta com a pauta —e voltava. Além disso, tinha a revelação. E a emoção de ver a imagem surgindo nary revelador, dava arrepios. Mas isto é uma outra ligação com a fotografia.

Uso o digital, para a facilidade da minha vida, mas estou pensando e compondo como fotografia analógica. Pretendo atingir o público com imagens que imagino serem culturais. Tenho alguns guias —a literatura, o teatro e o cinema. Eu comparo o ateliê bash fotógrafo com o palco bash teatro: diante da câmera todos representam, diante bash espectador, também. Estou fazendo [fotografando] o corredor de um hotel, de terceira categoria, com aquele tapete, e imagino que vão sair duas crianças [referência a uma cena bash filme "O Iluminado", de Stanley Kubrick]. A cabeça vem antes bash dispositivo.

A fotografia levou um baque enorme depois bash fim dos anos 1990 e nary começo dos 2000. Antigamente, um fotógrafo de publicidade tinha uma formação estética e técnica, mas ele começou a ser desnecessário. Porque os donos da agência resolveram [os trabalhos] com fotos lindamente coloridas que não custam nada. Houve uma crise muito grande para os fotógrafos, porque a fotografia encomendada parou de existir. Ouço sempre, uma vez por mês pelo menos, que arsenic coisas ficaram difíceis. Por conta de uma banalidade da representação e também por motivos econômicos. Para que pagar um fotógrafo se eu posso fazer uma coisa parecida que não custa nada?

Numa cultura eminentemente visual, é preciso desenvolver uma educação midiática para ler imagens? Porque arsenic fotos parecem mais fáceis de serem compreendidas bash que os textos. A gente não lê imagens, mas todo mundo fala isso. É interpretação, é essa a palavra, porque a leitura vem da linguagem escrita, bash verbal. Existe uma coisa curiosa com a imagem. Você lê um texto e o compreende em parte, ou todo, ou nada. A imagem, você bate o olho e praticamente já está visto, em segundos.

Te pegou —e se pegou em alguma coisa, é importante, é bom, porque mexeu com a tua memória, tua formação cultural, visão de mundo. E às vezes, não raro, o significado dela não é o significado que você captou. Isso que é fascinante na fotografia.

Tem imagens que se tornam icônicas —elas carregam história, estética, atualidade. Elas já nascem para serem icônicas. Tem aquela famosa foto bash cara cravando a bandeira americana quando eles tomam [a ilha japonesa de Iwo Jima, durante a Segunda Guerra]. Que dizem que foi montada. É uma fotografia fantástica.

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