O Youtuber Capitão Hunter, que possui cerca de 1 milhão de seguidores e produz conteúdo sobre Pokémon voltado ao público infantil, foi preso nesta quarta-feira (22) em Santo André, na Grande São Paulo, suspeito de exploração sexual de crianças e estupro de vulnerável. João Paulo Manoel, de 45 anos, é investigado por crimes sexuais contra uma menina e um menino, com quem teve contato por meio de redes sociais e eventos.
A prisão foi realizada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, em conjunto com a Polícia Civil de São Paulo, através da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima. Segundo investigações, o influenciador teria usado plataformas como Discord e WhatsApp para mostrar suas partes íntimas e pedir que menores exibissem seus corpos, oferecendo cartas ou bichos de pelúcia Pokémon em troca de conteúdos de natureza sexual. O caso abre debate para entender os perigos do uso de redes sociais por crianças. Por isso, o TechTudo trouxe especialistas para comentar o caso e trazer dicas de como isso pode ser evitado por pais e responsáveis.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_08fbf48bc0524877943fe86e43087e7a/internal_photos/bs/2025/r/e/SLLYtYQSiOEXSRbyGA3Q/mega-live-epica-em-parceria-com-as-lojas-epic-game-capitao-hunter-fara-uma-live-hoje-a-partir-.webp)
Uma das vítimas, uma menina de 13 anos, conheceu João Paulo Manoel em 2023, quando tinha 11 anos, durante um evento Pokémon no Norte Shopping, na zona Norte do Rio de Janeiro. Após o encontro, o influenciador prometeu aos pais da adolescente que apoiaria sua participação em competições do jogo, e os dois passaram a se comunicar pela Internet. Conforme o depoimento da vítima, o youtuber teria feito videochamadas nas quais exibiu seu órgão genital e pediu fotos íntimas em troca de produtos da franquia Pokémon. Durante a operação, agentes da delegacia cumpriram mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao investigado, e os dispositivos eletrônicos apreendidos serão encaminhados para perícia Poder360. O influenciador possui 729 mil inscritos no YouTube, com mais de 165 milhões de visualizações em seus vídeos.
De quem é a responsabilidade?
O caso levanta questionamentos importantes sobre a responsabilidade das plataformas digitais. Guilherme Silveira, CIO da Start By Alura, plataforma de aprendizagem focada no desenvolvimento do pensamento computacional e habilidades digitais para estudantes, analisa o dilema: "A pessoa em questão se tornou influenciadora principalmente pelo YouTube, enquanto o crime em si ocorreu em aplicativos de chat, como WhatsApp, e não diretamente na plataforma. Isso levanta uma questão importante: quem é realmente responsável, a empresa que contribuiu para transformar essa pessoa em um ícone adorado por crianças ou a plataforma onde o crime aconteceu?"
Silveira estabelece uma comparação com a mídia tradicional: "Se compararmos as plataformas digitais com a mídia tradicional, como a TV, a diferença é clara. Antes, esses veículos tinham mecanismos de controle que impediam a divulgação de conteúdos inadequados. Hoje, as plataformas digitais permitem praticamente qualquer publicação, removendo apenas casos extremos. Elas podem alegar que não conseguem monitorar tudo que é postado ou que não armazenam certas mensagens, o que limitaria sua responsabilidade."
Silveira, porém, faz uma ressalva importante sobre questões de culpa. Ele realiza uma analogia sobre quando uma pessoa está andando em uma rua e é assaltada. "Seja uma criança ou um adulto, quem é responsável pelo crime é quem cometeu o crime. Não é a pessoa que estava andando naquela rua, naquele dia e naquele horário". Da mesma forma, o especialista destaca que é preciso tomar muito cuidado, para não direcionar, de forma equivocada, uma culpa para o pai, a mãe ou para as pessoas responsáveis pela educação da criança, ou até mesmo para a escola.
Do ponto de vista jurídico, a Dra. Marcela Machado, advogada do Projeto Empoderadinhas, do Instituto de Defesa da Mulher Erica Paes (IDMEP), explica que o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento, em decisão proferida em junho de 2025, de que, em casos envolvendo crimes graves, especialmente aqueles que atentam contra a dignidade ou a integridade de menores, não é necessária uma ordem judicial específica para que as plataformas digitais sejam obrigadas a remover conteúdos ilícitos. "Basta, para tanto, a notificação do ofendido ou de seu representante legal, o que torna imediata a obrigação da empresa de retirar o material do ar", destaca a advogada.
Conforme o entendimento do STF, enquanto o Congresso Nacional não editar nova lei sobre o tema, as plataformas podem ser civilmente responsabilizadas pelos danos decorrentes da manutenção de conteúdos ilícitos ou criminosos após o recebimento de uma notificação válida. "Assim, se o YouTube for comunicado sobre um conteúdo que envolva exploração, abuso ou exposição indevida de crianças e adolescentes e não adotar medidas imediatas para removê-lo, poderá responder pelos prejuízos causados", explica Dra. Marcela.
A advogada ainda informa que tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei (Projeto de Lei 4776/23) que pretende reforçar essa obrigação, determinando que redes sociais e serviços de vídeo retirem imediatamente conteúdos que envolvam crianças e adolescentes em situações discriminatórias ou que coloquem em risco sua integridade física, psíquica ou moral, dispensando a necessidade de ordem judicial.
Importante destacar ainda, que em 17 de setembro de 2025, foi promulgada a lei 15.211, referente ao Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, ou ECA Digital, que prevê que os fornecedores de tecnologia devem remover imediatamente e comunicar às autoridades competentes qualquer conteúdo que envolva exploração, abuso sexual, sequestro ou aliciamento, identificado em seus serviços. Entretanto, essa lei ainda está em período de vacatio legis e somente passará a valer após seis meses da sua publicação.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_08fbf48bc0524877943fe86e43087e7a/internal_photos/bs/2024/L/6/IJdhTNSx6AIaa3koqMGw/gettyimages-886230136-1-.jpg)
Como funciona o aliciamento digital
Polyana Figueira, psicóloga do Projeto Empoderadinhas, explica o processo psicológico por trás do aliciamento de crianças por criadores de conteúdo. "Quando observamos o modo como os aliciadores de crianças atuam dentro do conteúdo infantil, é possível perceber um padrão. Eles geralmente começam utilizando algo que desperta o interesse natural das crianças, como um desenho, um jogo, uma brincadeira. Pode ser algo aparentemente inofensivo, como um vídeo sobre bonecas ou um desenho popular."
A psicóloga explica que, a partir daí, esses criadores misturam elementos visuais e comportamentais do universo adulto com o infantil: roupas, gestos, linguagens e até objetos como balas e bonés, criando um ambiente que se torna mais encantador e visualmente atraente. "Muitas vezes, esses conteúdos também envolvem recompensas, como promessas de prêmios, desafios ou 'brincadeiras' que estimulam a curiosidade e o desejo de participar. É justamente essa curiosidade, que deveria ser algo positivo e natural no desenvolvimento infantil, que é explorada de forma indevida."
Polyana alerta: "O desejo de abrir uma cartinha, de ganhar um presente ou de ser reconhecida e aceita é manipulado por adultos mal-intencionados. Por isso, considero extremamente importante ter muito cuidado com conteúdos produzidos por adultos voltados ao público infantil. Há muitos influenciadores adultos criando vídeos e canais para crianças, e isso é algo que exige atenção redobrada."
Diálogo e educação digital
Educar crianças para interações seguras online é um grande desafio no cenário atual. Silveira orienta que é fundamental estabelecer uma idade mínima para que crianças possam interagir com desconhecidos online, assim como existem regras para outras atividades de risco. Além disso, o especialista recomenda que pais e educadores devem supervisionar o uso das plataformas. "A educação deve incluir conversas constantes, exemplos práticos e acompanhamento próximo, evitando o acesso descontrolado, especialmente via celular e redes sociais", completa.
O papel dos pais e escolas
Quanto à alfabetização digital, o especialista destaca a necessidade de uma ação conjunta: "As escolas têm a obrigação, conforme a BNCC, de implementar a educação digital, abordando temas como bullying e cultura digital. Contudo, a formação da criança não acontece só na escola; os pais são igualmente responsáveis por educar e supervisionar o uso da Internet, assim como ensinam cuidados no mundo físico (exemplo: atravessar a rua)."
Silveira também reforça que é importante que pais e escolas atuem juntos para conscientizar sobre os perigos e vantagens da Internet, restringindo o acesso a conteúdos e espaços inadequados até que a criança tenha maturidade para lidar com eles e complementa: "a educação digital deve ser contínua e adaptada à realidade de cada família."
Sinais de alerta que os pais devem observar
Polyana Figueira enfatiza a importância do acompanhamento ativo: "Precisamos pensar na proteção das crianças não apenas nas redes sociais, mas também na vida cotidiana, partindo do entendimento de que tudo começa na relação construída dentro de casa. Quando uma criança tem uma relação afetiva e de diálogo com os pais, em que se sente compreendida, respeitada em suas vontades e interesses, ela tende a estar mais protegida e emocionalmente fortalecida."
A psicóloga orienta sobre como os pais devem agir: "É fundamental que os pais demonstrem interesse genuíno pelo que os filhos estão fazendo. Isso significa sentar ao lado, observar, perguntar sobre o conteúdo que estão assistindo, o jogo que estão jogando, qual é a proposta daquela atividade. O acompanhamento precisa acontecer com atenção e curiosidade, sem descredibilizar o interesse da criança."
Polyana também faz uma distinção importante: "A ideia de 'respeitar a privacidade' não pode ser confundida com ausência de acompanhamento. Essa é uma distinção essencial: a criança não tem maturidade suficiente para estar sozinha em um ambiente como o das redes sociais. Por isso, o papel dos pais é acompanhar de perto, orientar e se responsabilizar."
Pais e responsáveis devem estar atentos a mudanças no comportamento das crianças, como isolamento repentino, nervosismo ao usar dispositivos, ou relutância em compartilhar o que fazem online. É importante também observar se há presentes ou objetos inexplicáveis, especialmente relacionados aos interesses da criança, que podem ter sido oferecidos por desconhecidos.
Como proteger os menores na prática
Existem algumas estratégias que pais e responsáveis podem assumir para proteger menores de idade durante o uso das redes sociais e navegação na internet. Ferramentas como Google Family Link, Qustodio e Bark ajudam no controle do tempo de uso, na filtragem de conteúdos e na geolocalização dos dispositivos. O pai pode cuidar para ativar o modo restrito do buscador para evitar o acesso a conteúdos impróprios por parte de crianças e adolescentes. Além disso, celulares Android e iOS oferecem controles nativos, como limites por aplicativo e filtros automáticos, que precisam ser configurados conforme a faixa etária da criança.
Já nas redes sociais, é possível mudar as configurações de exibição de conteúdo no próprio YouTube para restringir vídeos para adolescentes. Essa opção permite escolher o que é mostrado conforme a idade da criança, gerenciar o histórico de pesquisa e controlar o que pode ser visto por meio de uma Conta Google supervisionada e do Google Family Link. A plataforma também tem uma versão feita para conteúdos infantis, o YouTube Kids, que reúne sugestões de desenhos animados e filmes infantis que podem ser visualizados no celular ou no tablet.
É importante também que haja uma orientação dos pais em relação ao consumo saudável de conteúdos para crianças nas redes sociais. Isso envolve um diálogo com os jovens para saber quais plataformas eles utilizam e de que forma eles se relacionam com os criadores de conteúdo da internet. É necessário que responsáveis estejam atentos ao comportamento das crianças no ambiente virtual e dialoguem para indicar as práticas mais seguras para navegar na web.
Veja também: Perigo nas redes; saiba AGORA como se proteger!
Perigo nas redes; saiba AGORA como se proteger!
Comentários
Aproveite ao máximo as notícias fazendo login
Entrar Registro