
Crédito, U.S. Navy via Getty Images
- Author, Julia Braun
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
- X, @juliatbraun
Há 3 minutos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa neste domingo (9/11) na Colômbia da 4ª Cúpula da Celac (Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos), que deve ter o aumento da tensão entre Estados Unidos e Venezuela como tópico principal.
Em um primeiro momento, não havia previsão de participação de Lula no evento, mas ele anunciou de última hora que deixará por alguns dias a COP30 em Belém para viajar a Santa Marta.
Segundo o presidente brasileiro, a reunião da Celac só fará sentido se os navios de guerra dos Estados Unidos posicionados no Caribe estiverem na pauta. "Somos uma zona de paz, não precisamos de guerra aqui. O problema que existe na Venezuela é um problema político que deve ser resolvido na política", acrescentou Lula.
O governo de Donald Trump afirma estar comandando um esforço para reprimir o narcotráfico na região e acusa o presidente venezuelano Nicolás Maduro de liderar o Cartel de los Soles, grupo classificado como organização narcoterrorista.
Forças dos EUA já realizaram pelo menos 17 ataques a barcos suspeitos de transportar drogas no Caribe, perto da costa venezuelana, nas últimas semanas, matando mais de 60 pessoas.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o horizonte de um conflito entre os dois países está mais próximo do que nunca – e um acirramento das tensões poderia trazer impactos profundos para o Brasil, que compartilha 2.200 quilômetros de fronteira com a Venezuela.
Para Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), uma ação americana poderia ocorrer em forma de um ataque marítimo, terrestre ou aéreo, mas também por meio do apoio dos EUA a algum tipo de resistência interna contra o governo Maduro, usando a CIA.
"Não está claro qual vai ser o próximo passo dos Estados Unidos, mas temos indícios cada vez mais fortes de que há, de fato, um planejamento para além da justificativa oficial de combate ao narcotráfico", diz Pedroso.
E de acordo com a especialista, em qualquer um dos cenários de acirramento, as implicações para os demais países na América do Sul seriam praticamente inevitáveis.
Confira, a seguir, o que está em jogo e quais seriam os quatro principais impactos que o Brasil poderia sofrer em caso de uma escalada do conflito.
Instabilidade regional e risco de militarização
A presença de porta-aviões e tropas norte-americanas no Caribe rompe com uma tradição latino-americana de não beligerância, segundo Monica Herz, professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.
"É algo que coloca em xeque décadas de esforços para manter o Atlântico Sul e a América Latina como zonas de paz", alerta Herz.
A especialista considera improvável uma invasão americana à Venezuela nos moldes do Iraque em 2003, quando as forças americanas e aliadas invadiram o país do Oriente Médio e derrubaram o regime de Saddam Hussein.
Mas segundo Herz, os ataques recentes do governo Trump a embarcações e o aumento substancial da presença militar no Caribe indicam uma demonstração enorme de força por parte dos EUA em meio à disputa por zonas de influência.

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"Há uma tradição longa, desde a Doutrina Monroe, de ver a América Latina como uma zona de influência norte-americana. Mas tem também uma realidade atual, que diz respeito a esse governo, que afirma as relações de poder militares como absolutamente prevalecentes e joga na lixeira todo o Direito Internacional", diz. "É uma situação muito preocupante."
Tudo isso, diz a professora, tem grande potencial causador de instabilidade regional, seja do ponto de vista militar, político, humanitário ou econômico.
Herz nota ainda que, pelo menos até agora, não houve grandes demonstrações de diálogo entre as lideranças latino-americanas em busca de um consenso ou resolução sobre a crise, indicando falta de articulação para se lidar com uma escalada.
Carolina Pedroso, por sua vez, não descarta uma militarização do atual confronto. Segundo a especialista, a doutrina militar venezuelana, baseada na "resistência civil armada" e inspirada no Vietnã, pode transformar o país em palco de uma guerra prolongada, com repercussões semelhantes às do Oriente Médio.
"Podemos ver elementos de conflitos como o da Síria ou da Líbia da Venezuela, com múltiplos grupos armados, fragmentação política e apoio externo a uma mudança de regime que gera problemas a longo prazo. Isso geraria um espiral de instabilidade por toda a região."
Crise humanitária e pressão sobre as fronteiras
Outra consequência direta de um conflito direto ou um aumento da tensão política seria um crescimento ainda maior do fluxo migratório que sai da Venezuela, dizem as especialistas.
"O maior risco de todos é a piora da situação humanitária, que já está acontecendo, mas que certamente vai se intensificar", afirma Carolina Pedroso. Ela lembra que estados como Roraima e Amazonas já enfrentam tensões sociais por causa da chegada de venezuelanos, com sobrecarga em serviços públicos e episódios de xenofobia.
Com o agravamento da crise econômica e social na Venezuela nos últimos anos, o fluxo de cidadãos venezuelanos para diferentes destinos na América Latina e Caribe cresceu maciçamente.
Colômbia e Peru são os que mais recebem refugiados e migrantes vindos da Venezuela. No Brasil, entraram 568 mil venezuelanos entre 2015 e junho de 2024, segundo as Nações Unidas.
Monica Herz destaca ainda que um conflito interno ou uma guerra civil "traria sérios desafios de segurança para o controle das fronteiras brasileiras". Segundo ela, "isso ampliaria os riscos relacionados ao crime transnacional e à circulação de armas e drogas na região".

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Efeitos sobre a política interna e a diplomacia brasileira
Uma intervenção norte-americana também colocaria o governo brasileiro em posição delicada, especialmente às vésperas das eleições de 2026.
As especialistas ouvidas pela BBC Brasil consideram o apoio de Washington a uma derrubada do governo de Nicolás Maduro como provável.
Nesse cenário, dizem, a subida ao poder da opositora e Prêmio Nobel da Paz María Corina Machado ou de outras forças da direita também seria uma possibilidade.
María Corina defende as ações militares dos EUA na região e afirmou em entrevistas que mantém contatos com Washington e chegou a pedir o apoio do governo Trump para derrubar Maduro.
A oposicionista também criticou a postura de Lula, que durante seu encontro com Trump em outubro defendeu uma saída "política e diplomática" para a crise no país vizinho e propôs a participação do Brasil como facilitador numa eventual negociação.
Em entrevista ao jornal O Globo, María Corina assegurou que qualquer negociação com Maduro deve ter como ponto de partida a vitória que a oposição diz ter obtido no pleito pela Presidência de 28 de julho de 2024. "Todo o resto é inaceitável, e definitivamente inaceitável se vem de um mandatário que diz ser democrático", disse, em referência a Lula.

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Para Monica Herz, o passado de aproximação entre o atual presidente brasileiro e seu partido (PT) e o governo Maduro também pode dificultar o diálogo em caso de mudança de governo.
"Um eventual governo de direita na Venezuela colocaria o presidente Lula diante de mais um desafio regional, num momento em que forças progressistas enfrentam dificuldades na América do Sul", afirma Herz.
Carolina Pedroso acredita, no entanto, que o Brasil seria peça-chave em qualquer tentativa de negociação. "Não haveria uma mediação bem-sucedida sem o Brasil. É o país com mais condições políticas e diplomáticas para tentar evitar que o conflito escale", diz.
A dúvida, segundo ela, é se os Estados Unidos ou um eventual governo venezuelano alinhado a Washington aceitariam a atuação brasileira como mediador.
"Ainda há espaço para a diplomacia, mas o tempo está se esgotando. Cada semana que passa aproxima a região de um cenário que parecia impensável há poucos anos", alerta ainda a especialista.
Riscos de segurança e precedentes perigosos
Outro ponto de preocupação é o discurso norte-americano que associa o narcotráfico ao terrorismo.
Desde o início de seu mandato, Donald Trump designou vários cartéis de drogas latino-americanos como organizações terroristas globais. A ação, segundo especialistas, abre a possibilidade de atuação das forças armadas dos EUA diretamente contra essas organizações.
Entre os cartéis afetados estão o Tren de Aragua, que tem base na Venezuela, e o Cartel de los Soles, que segundo os EUA estaria ligado a altos escalões do governo venezuelano. As duas organizações estão no centro dos ataques americanos recentes no Caribe.
Para Carolina Pedroso, a estratégia americana de equiparar narcotráfico a terrorismo também abre espaço para ações unilaterais e violações da soberania de outros países
"Se essa lógica se consolidar, o Brasil poderia, no futuro, ser alvo de pressões externas sob o pretexto de combate ao crime organizado", diz.
Após a megaoperação policial contra o Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro — que resultou em 121 mortes e é considerada uma das mais letais da história da cidade – Argentina e Paraguai anunciaram que vão classificar facções criminosas brasileiras como "grupos terroristas", em um movimento que foi visto como de alinhamento aos EUA.

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O governo brasileiro tem rejeitado essa equiparação. "O terrorismo envolve sempre uma questão ideológica. Uma atuação política, uma repressão social com atentados esporádicos. As facções criminosas são constituídas por grupos de pessoas que sistematicamente praticam crimes que estão capitulados no Código Penal. Portanto, é muito fácil identificar o que é uma facção criminosa pelo resultado de suas ações", afirmou recentemente o ministro da Justiça, Ricardo Lewandoviski.
Para Monica Herz, o debate interno sobre segurança pública no Brasil e a ação policial no Rio já refletem uma tendência de militarização. "Há uma normalização crescente do uso da força, o que é perigoso para a democracia", afirma.

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