Robert Shafran (à esq.), Eddy Galland (meio) e David Kellman se preparando para aparecer no programa de TV 'Today Show' do canal americano NBC em setembro de 1980

Crédito, Walter del Toro/Newsday RM via Getty Images

Legenda da foto, Robert Shafran (à esq.), Eddy Galland (meio) e David Kellman após o reencontro: 'Ninguém pensou em por que a gente esteve separado por todo esse tempo. Tudo era alegria'

Há 31 minutos

Os gêmeos idênticos Robert, David e Eddy nasceram em um subúrbio de Nova York em julho de 1961 e foram entregues para adoção ainda bebês para famílias diferentes.

Eles cresceram sem saber que tinham irmãos biológicos — aliás, nem os pais adotivos sabiam.

Quando eles se encontraram, totalmente por acaso, a história virou notícia e teve grande repercussão. Mas o que parecia uma história com final feliz acabou sendo muito mais complexa e sombria, quando veio à tona que os gêmeos tinham sido separados como parte de um experimento psicológico.

A história do reencontro deles começa em 1980, quando Robert "Bobby" Shafran, de 19 anos, chega ao primeiro dia de aulas na faculdade, o Sullivan Community College, no Estado americano de Nova York.

"Quando cheguei na faculdade, todo mundo estava me cumprimentando. 'Oi, Eddie'. 'Bem-vindo de volta, Eddie.' 'Eddie, o que está você tá fazendo aqui? Você voltou?'…"

"E foram muitas pessoas. E foi tipo uma após a outra. E eu respondia, 'não sou Eddie!'. E as pessoas olhavam pra mim como se eu fosse o Eddie, mas tivesse brincando ou estava louco. Foi tudo muito estranho", contou Bobby ao programa Outlook da BBC.

Eddie Galland havia estudado no Sullivan Community College no ano anterior, mas tinha desistido do curso. Assim que começou a frequentar a faculdade, Bobby chamou a atenção das pessoas que conheciam Eddie, entre eles, um amigo próximo dele, chamado Michael Domnitz, .

"Eu estive na faculdade no ano anterior com Eddie", contou Michael, "e sabia que ele não voltaria".

"Mas Bobby tinha o mesmo sorriso, o mesmo cabelo, as mesmas expressões. Era seu sósia. A primeira coisa que saiu da minha boca foi: 'Você foi adotado?'. E ele disse que sim. Aí perguntei: 'Teu aniversário é em 12 de julho?' E ele respondeu 'Sim! Doze de julho de 1961'. 'Meu Deus!', eu disse, 'você não vai acreditar. Você tem um irmão gêmeo!'.

Bobby e Michael ligaram para Eddie e, algumas horas depois, foram à casa dele.

"Eu encontrei a mim mesmo", relatou Bobby sobre o encontro com Eddie. "Foi como se tivesse sido apresentado à minha pessoa…Foi ótimo, foi esquisito e, ao mesmo tempo, fantástico."

"Começamos a fazer todos os tipos de pergunta um ao outro. Coisas triviais como 'você fica com lábios muito ruins todo inverno?'. E a resposta era 'sim, sempre, todo ano'. E quase tudo sobre nós, até esses pequenos detalhes, era o mesmo. Foi muito louco. Ninguém pensou em por que a gente esteve separado por todo esse tempo. Tudo era alegria. Estávamos vivendo uma aventura."

Eddie Galland, David Kellman e Bobby Shafran y Mark Hinojosa/Newsday RM via Getty Images)

Crédito, Mark Hinojosa/Newsday RM via Getty Images

Legenda da foto, Eddie Galland, David Kellman e Bobby Shafran (da esq.) inauguraram um restaurante juntos em Nova York em 1987, chamado Triplets (Trigêmeos)

A história desse inesperado encontro de gêmeos que não sabiam da existência um do outro chegou aos jornais de Nova York e chamou a atenção de outro jovem de 19 anos, chamado David Kellman, que tinha a mesma data de aniversário.

"Alguém me mostrou um artigo de um jornal intitulado 'Gêmeos idênticos reunidos depois de mais de 19 anos'", contou David ao programa Outlook. "A foto estava um pouco granulada. Havia uma semelhança, mas me parecia muito exagerada. E eu meio que descartei a coisa toda."

"Mas no mesmo dia, um pouco mais tarde, encontrei um amigo que tinha outro jornal, o New York Post, que tinha uma foto bem mais clara. Esse amigo me conhecia muito bem e ele imediatamente disse que eles eram a minha cara. Não havia como descartar isso."

"Quando cheguei em casa, minha mãe estava esperando por mim. Ele tinha outro jornal nas mãos. Ele não tinha foto, mas o artigo mencionava a agência de adoção, o hospital e o aniversário dos dois. Que eram iguais aos meus. E soubemos que eu era um terceiro gêmeo."

Através do serviço de informações telefônicas, David conseguiu achar o número de Eddie e ligou para a casa dele. "Ele não estava em casa, mas falei com a mãe dele. 'Quem é você?', ela perguntou, e parecia um pouco irritada, acho que naquele momento ela estava sendo inundada por telefonemas da imprensa."

"Aí eu expliquei que vi as fotos no jornais, e que Eddie e Bobby eram iguais a mim. 'Acho que sou o terceiro', eu disse. Eu me lembro dela deixando cair o telefone."

Na mesma noite, David e seus pais adotivos foram conhecer a família de Eddie, que morava à meia hora de carro. Poucos minutos após se conhecerem, Eddie e David ligaram para Bobby, que estava na faculdade.

"Eddie estava com Bobby no telefone, e não me deixava falar com ele! Ele não parava de dizer, 'sim, é tudo a mesma coisa, 'é tudo igualzinho'. Que tínhamos o mesmo gosto musical, o mesmo gosto em roupas e comida, no que estávamos fazendo, na aparência, na maneira como andávamos, na maneira como conversávamos, em tudo.", relatou David.

"Quando finalmente conversei com Bobby pelo telefone, foi uma conversa bem curta porque Eddie já havia contado tudo a ele!"

No fim de semana seguinte, pela primeira vez, os três irmãos se encontraram.

"A gente parecia um bando de filhotes de cachorro brincando juntos. A gente rolava pelo chão. Foram momentos de pura alegria e felicidade", contou David. "Era como se a gente se conhecesse a vida toda. Havia uma confiança ali que não precisava ser construída."

Eles se aproximaram tanto e tão rapidamente que decidiram morar juntos e cursar a mesma faculdade. A essa altura, eram celebridades no país, de tanto aparecerem em programas de TV para contar sua história.

Bobby, Eddie e David abriram um restaurante chamado Triplets (Trigêmos) para capitalizar o enorme interesse por eles.

Mas foi trabalhando juntos que as diferenças entre eles começaram a vir à tona. Após vários desentendimento, Bobby resolveu sair do negócio do restaurante.

As relações ficaram tensas. Eddie, que vinha enfrentando problemas de saúde mental, entrou em uma profunda fase de depressão e, em 1995, se suicidou.

David Kellman, Robert Shafran e Eddy Galland (sentados da esq.) com Sandi Kellman (irmã adotada de David), Joel Shafran (irmão adotado de Bobby) e Barbara Galland (irmã adotada de Eddie)

Crédito, Richard Lee/NY Daily News via Getty Images

Legenda da foto, David, Bobby e Eddie (na foto com seus irmãs e irmãos adotados) foram colocados em famílias de diferentes classes e rendas como forma de pesquisar o peso da genética e do meio ambiente na forma como cada um se desenvolvia

Quando souberam da existência dos irmãos biológicos de seus filhos, a primeira reação dos pais adotivos de Bobby, David e Eddie foi de compartilhar do entusiasmo deles. Mas depois eles foram tomar satisfações com a agência de adoção. Queriam saber porque não tinham sido avisados de que seu bebê tinha dois irmãos gêmeos.

E a razão dada para a separação foi de que teria sido muito mais difícil conseguir achar uma família disposta a adotar os três irmãos.

Nessa época, os três casais já haviam adotado uma criança — uma filha em cada caso. Eles estavam aguardando pela chance de adotar mais um bebê, e quando ela apareceu, cerca de dois anos e meio depois, ela veio associada à uma condição: a de que o bebê precisaria ser acompanhado e observado, como parte de um estudo sobre o desenvolvimento de crianças adotadas.

Os pais aceitaram a condição e suas residências passaram a receber visitas periódicas de pesquisadores que conduziam uma série de testes.

"Éramos filmados fazendo testes com objetos, letras ou números, ou recitando frases de trás pra frente", recorda Bobby. "Depois, éramos filmados fazendo coisas que queríamos fazer, seja andar de bicicleta, de patins, pula-pula, o que fosse. Depois, de novo, nos colocavam para resolver quebra-cabeças, testes e responder perguntas sobre vários assuntos."

Essas visitas duraram até os meninos completarem 10 anos de idade, e o estudo teria caído no esquecimento, não fosse uma descoberta feita, bem mais tarde, por um jornalista chamado Lawrence Wright.

Em uma apuração sobre estudos com gêmeos. Ele encontrou um artigo científico que fazia uma referência a um estudo secreto no qual irmãos idênticos haviam sido separados logo após o nascimento como parte de um experimento científico.

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Pouco após a morte de Eddie, quando David e Bobby tentavam consertar sua relação, eles foram procurados por Wright, que os colocou a par de suas descobertas.

Ele descobriu que Bobby, David e Eddie haviam sido separados para que pudessem ser estudados. Eram bebês idênticos colocados em famílias de diferentes classes e rendas como forma de pesquisar o peso da genética e do meio ambiente na forma como cada um se desenvolvia.

Em outras palavras, a pesquisa buscava responder uma pergunta bastante comum na ciência: os seres humanos são moldados pelo ambiente em que vivem ou é o DNA que determina quem são e quem serão?.

O estudo foi dirigido por um psicanalista de origem austríaca chamado Peter Neubauer. Ele e sua equipe monitoraram os jovens ao longo dos anos sem nunca revelar às famílias os motivos reais da investigação.

"A gente sabia que fomos tratados como ratos de laboratório", disse Bobby. "Mas agora ficamos sabendo o nome das pessoas que fizeram isso."

"Como você se sentiria se descobrisse que alguém deliberadamente acabou de tomar uma decisão sobre sua vida para poder coletar dados sobre isso? E não só nós, mas havia outras pessoas envolvidas no estudo", acrescentou David.

Para ambos, também começaram a fazer sentido algumas das memórias da infância e de coisas que seus pais lhes contaram sobre o comportamento deles quando era pequenos.

"Todos nós tivemos problemas na mesma época quando éramos bebês", relatou David. "Batíamos nossas cabeças contra o berço, tínhamos um comportamento agressivo para uma criança."

"E quando nossas mães se reuniram pela primeira vez e começaram a falar sobre como nós éramos quando bebês e crianças, elas viram que tínhamos esse mesmo comportamento. Nossos pais tinham consultado pediatras para tentar saber por que tínhamos esse tipo de comportamento. Isso sem saber que éramos gêmeos separados e que poderiam estar sofrendo de ansiedade de separação."

Robert 'Bobby' Shafran e David Kellman na estreia mundial do documentário 'Three Identical Strangers' no Sundance Film Festival, em janeiro de 2018 em Park City, Utah

Crédito, ANGELA WEISS/AFP via Getty Images

Legenda da foto, Bobby (à esq.) e David lamentam que não saberão se o estudo sobre os gêmeos — selado até 2065 — produziu algum tipo de conhecimento científico: 'Seria bom saber se algumas conclusões fossem úteis. Para que tudo isso não tivesse sido em vão'

Não se sabe ao certo quantas crianças estiveram envolvidas no estudo de Neubauer, mas pelo menos quatro pares de gêmeos idênticos que fizeram parte dele foram identificados.

Todos tinham sido adotados pela mesma agência de Nova York, a agora extinta Louise Wise Services.

Peter Neubauer morreu em 2008. Quanto aos dados coletados sobre as crianças, eles nunca foram publicados e todos os documentos relacionados ao estudo estão trancados na Universidade de Yale e selados para serem abertos só no ano de 2065.

Bobby e David lamentam que não saberão se o estudo produziu algum tipo de conhecimento científico.

"Seria bom saber se algumas conclusões fossem úteis. Para que tudo isso não tivesse sido em vão. Se produzisse alguma coisa que ajudassem crianças que precisam de ajuda adicional a obter essa ajuda. Gostaríamos de ver algo positivo sair disso", disse Bobby à BBC.

Em 2019, foi lançado um documentário contando a extraordinária história deles, chamado Three Identical Strangers ('Três Estranhos Idênticos'), dirigido por Tim Wardle.