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A opacidade bilionárias dos cartórios

O Brasil é um país de contrastes extremos, onde instituições do século 21 convivem sem constrangimento com estruturas do século 16. No sistema de justiça, poucas são tão anacrônicas quanto os cartórios: criados pelas Ordenações do Reino de Portugal, ainda reproduzem a lógica colonial que lhes deu origem. A opacidade domina os mais de 13 mil cartórios espalhados pelo país, sustentando um ambiente de concentração de renda, ineficiência e captura de poder.

A distorção é tão grande que Bruno Carazza dedica um capítulo inteiro ao tema em "O Pai dos Privilégios". Apesar da exigência constitucional de concursos públicos desde 1988, muitos cartórios continuam, na prática, sendo herdados de pai para filho. O serviço é lento, caro e profundamente desigual. Como pode ser que algumas folhas de papel devam custar valores vinculados ao preço do bem envolvido? Segundo o livro, apenas em 2022, o sistema cartorial arrecadou R$ 23,4 bilhões, ou 0,25% do PIB.

Em 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução que obrigou os cartórios a divulgar, em seus próprios sites, um espaço denominado "transparência", onde conste dados sobre o valor arrecadado, a remuneração do responsável pelo serviço e as suas despesas.

A fiscalização sobre o assunto, sob responsabilidade dos tribunais estaduais, ainda engatinha. Nesse meio tempo, algumas informações já estão consolidadas no site do próprio CNJ, cuja análise permite constatar que a média mensal de remuneração dos titulares é de R$ 141.884,25, quase três vezes mais do que os já elevados supersalários dos membros do Judiciário e do Ministério Público.

Se a transparência em si já é um problema, os serviços não estão muito melhores. Embora, de fato, tenha ocorrido uma digitalização nos últimos anos com a criação de portais de serviços nacionais, muitos cartórios —em pleno 2025— ainda não aderiram a estes sistemas, obrigando o cidadão a ter que se deslocar presencialmente.

Muitos sequer possuem sites onde seja possível localizar adequadamente os tipos de serviços prestados, seus requisitos e preços. Este último, por sua vez, varia de forma gritante de estado para estado, em razão da ausência de regulamentação nacional sobre o tema por força do lobby liderado pela Anoreg (Associação dos Notários e Registradores).

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De acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), a falta de comunicação dos dados de óbitos pelos cartórios ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) acarreta milhares de pagamentos irregulares a pessoas já falecidas. Este fato já havia sido objeto de denúncia pela Fiquem Sabendo, que em 2023 resultou em determinação ao INSS para que fiscalizasse e multasse os cartórios que não forneciam as informações conforme determina a Lei Geral da Previdência Social.

Não bastasse tudo isso, apesar de ser urgente a desburocratização para facilitar a vida de pessoas comuns e empresas, o forte lobby do setor é tão grande que o projeto de novo Código Civil, atualmente sob análise do Senado Federal, é tão generoso com a área que chegou a ser apelidado de "Código dos Cartórios" em razão da quantidade de atribuições que confere aos registros públicos.

Ainda que, em tese, traga mais segurança jurídica à economia, precisamos sem demora passar a exigir mais transparência, eficiência, padronização e prestação de contas ao setor. O CNJ precisa estabelecer mecanismos de controle e fiscalização mais rigorosos, exigindo a divulgação de informações organizadas, centralizadas e em formato padronizado. Por fim, é urgente a unificação nacional das tabelas de emolumentos e a desvinculação do valor do serviço do valor do bem.

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