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Alta do PIB do RS em 2024 mostra recuperação, mas enchente ainda terá impacto

O ano de 2024 foi marcado pela maior catástrofe climática do Rio Grande do Sul. No mês de maio, enchentes afetaram 471 das 497 cidades gaúchas e, consequentemente, suas economias. Apesar disso, o Produto Interno Bruto (PIB) do RS apresentou um aumento de 4,9% em relação ao de 2023, somando R$ 706,81 bilhões.

O número mostra recuperação do Rio Grande do Sul, mas, de qualquer forma, causa surpresa, considerando as perdas bilionárias em solo gaúcho. Há uma explicação, de acordo com a equipe do Departamento de Economia e Estatística do Estado (DEE) do Rio Grande do Sul: o PIB mede o fluxo de riquezas, e não capta de forma imediata impactos das perdas na atividade econômica ou suspensão de operações produtivas após a enchente, que serão sentidas a médio e longo prazos.

PIB do Rio Grande do Sul registrou variação nos últimos anos  |

PIB do Rio Grande do Sul registrou variação nos últimos anos

Conforme ressalta o diretor do DEE-RS, o estatístico Pedro Zuanazzi, o PIB não é capaz de medir o estoque perdido. "Um exemplo corriqueiro é de quem teve a casa destruída pela enchente e reconstruiu, seja por auxílio do governo, pegando créditos ou até mesmo se endividando. Isso para o PIB pode até ser positivo, porque aquele valor vai estar entrando no Produto Interno Bruto, já que é uma construção nova, que está gerando um novo valor. Mas o estoque do que foi perdido não é reduzido do PIB. Então, às vezes, pode dar uma falsa sensação de que está tudo bem pelo fato de o PIB ser positivo, mas não, o PIB é fluxo e a perda foi muito forte no estoque", analisa.

Os valores positivos de 2024 se devem muito ao agronegócio. O setor, que envolve não apenas a produção agropecuária, mas sua cadeia produtiva, conseguiu se recuperar dentro do possível, apesar das adversidades. A perda de estoque, nesse caso, também deve gerar impactos a longo prazo. "Houve muita perda de fertilidade do solo, a água passava e levava embora aquela camada superficial e vários nutrientes. Isso vai diminuir o rendimento médio das produções ou o produtor vai ter que investir mais para repor a fertilidade. E esse é o típico efeito que a gente não vê no ano, mas que vai aparecer nos próximos períodos", avalia o economista do DEE-RS Martinho Lazzari.

A indústria, severamente afetada pelas enchentes, por sua vez, conseguiu se estabilizar de maneira mais rápida. A lentidão na retomada ficou com os serviços e com o turismo — este último fortemente impactado pelo fechamento temporário do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre.

O comércio, na contramão, não registrou queda significativa de fluxo com a catástrofe e impulsionou o crescimento do PIB. "Nem chegou a cair e engrenou uma subida muito forte depois. Associamos o bom desempenho do comércio a basicamente duas questões: as transferências de renda para as famílias atingidas, que usaram esse dinheiro para comprar móveis e reformar a casa, ou seja, para o consumo e a reposição. E também pessoas que não receberam o auxílio, mas usaram seguros, poupanças e créditos. Assim, notamos, por exemplo, que a venda de veículos, materiais de construção, móveis e eletrodomésticos cresceram a uma taxa de dois dígitos", observa Lazzari.

Dentro desse cenário, até mesmo os impactos das enchentes a curto prazo passam a ser de difícil análise. Conforme aponta o economista, há uma limitação de dados. Enquanto os dados sobre o PIB estadual são liberados trimestralmente, a divisão regionalizada pelos municípios e pelos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) demoram mais para serem publicados. Os dados de 2022, por exemplo, apenas devem ser divulgados ao final deste ano.

Além disso, é importante considerar que as variações econômicas precisam ser analisadas minuciosamente para que seja possível compreender se estão diretamente relacionadas ao clima ou se são fruto de uma conjuntura maior. "Tem que ter um período maior de tempo", explica Lazzari. Uma das possibilidades que estão sendo analisadas pelo departamento na busca por compreender essas mudanças é com base nos dados de trabalho formal por município, os quais estão sendo compilados e estudados.

Recursos da reconstrução podem mitigar impactos negativos

Tanto Lazzari quanto Zuanazzi concordam que não é possível estipular por quanto tempo as consequências da enchente na economia poderão ser sentidas. Afinal, haverá dois diferentes impactos que conflitam entre si: o positivo, proporcionado pela injeção de aportes e recursos voltados à retomada econômica e à resiliência; e o negativo, gerado pela perda de estoques de capital.

O impacto positivo da reconstrução pode ser, de certa forma, estimado pelo calendário do Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs), mas há ainda outros projetos de reconstrução e resiliência que geram impactos indiretos na economia. Entre eles, os efeitos multiplicadores: surgem mais empregos, gerando aumento de renda e, consequentemente, movimentando mais dinheiro. "Esse é um efeito que vai longe, mas não teria como mostrar por quanto tempo", avalia Zuanazzi.

Por sua vez, os impactos negativos são ainda mais difíceis de avaliar. "Uma indústria que teve os bens de capital destruídos por exemplo e optou por não repor. Ele não se endividou, desistiu. Ou então fechou e diminuiu sua capacidade de produção. Isso é permanente. E o percentual de indústrias que teve essa perda permanente de produção é algo que não temos", explica ainda o estatístico.

A situação é ainda mais complexa do que parece e a solução é realizar análises de longo prazo no próprio PIB: "Essa medição da perda do estoque de capital, da infraestrutura da economia, das fábricas, das máquinas, daquilo que gera a produção, temos estimativas para o Brasil, mas para os estados é bem difícil de fazer. Então, ficamos mais no fluxo para ver ali se notamos alguma diminuição de capacidade produtiva, mas a informação é difícil".

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