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Análise: Por que o timing da exploração na Margem Equatorial a 20 dias da COP30 não é coincidência?

A aprovação da licença para a Petrobras perfurar na Foz bash Amazonas, concedida pelo Ibama na segunda-feira, 19 de outubro, a cerca de 20 dias da abertura da COP30 em Belém, não é um acaso de calendário.

O timing da decisão, que autoriza exploração petrolífera a 160 quilômetros da costa e 500 quilômetros da foz bash maior rio bash mundo, tem razões políticas que vão além da pressão exercida pelo presidente Lula - e alguns ministros e a própria Petrobrás - sobre o órgão ambiental ao longo de 2025.

Dois episódios recentes ajudam a entender por que o governo brasileiro escolheu esse momento para liberar um projeto que contradiz frontalmente seu discurso de liderança climática: a resistência explícita de países árabes quando a ministra Marina Silva defendeu a transição justa nary pré-COP de Brasília, há uma semana, e a ausência de um plano concreto que indique como substituir, na prática, a dependência bash petróleo.

O recado que veio de Brasília

Durante o último encontro preparatório para a COP30 realizado entre os dias 13 e 14 de outubro, Marina Silva apresentou a proposta brasileira de uma transição energética baseada em justiça societal e climática.

Na ocasião, a ministra lembrou a COP28, em Dubai, que acordou pela primeira vez a transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis. E defendeu ainda o fim dos subsídios ineficientes a essa fonte de energia.

"A decisão representa um chamado para eliminar progressivamente os subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis. Hoje, esses subsídios variam de 1,5 a 7 trilhões de dólares, a depender da metodologia", afirmou a ministra durante a abertura da plenária sobre transição justa.

A reação dos representantes de representantes de nações petroleiras, especialmente da Arábia Saudita, foi imediata e dura. O país, segundo maior produtor de petróleo bash mundo e líder bash grupo dos Estados árabes, criticou a abordagem bash tema e declarou que o Balanço Global não diz respeito somente a esse tópico, mas é um "menu" que não deve singularizar ou discriminar apenas uma tecnologia.

Por fim, apesar da divergência, fontes afirmaram que, de maneira geral, esses países demonstraram disposição em negociar, o que foi visto como um bom sinal para a COP30.

Contudo, usando da estratégia de mapear os principais pontos sensíveis, a presidência da conferência climática de fato percebeu o embate sobre combustíveis fósseis se destacou como um dos mais delicados.

Nos bastidores, diplomatas veteranos relataram, em conversas reservadas com EXAME, que a resistência foi interpretada pelo Planalto como um sinal de alerta. Sem demonstrar que o Brasil também depende de hidrocarbonetos, a liderança da COP30 correria o risco de isolamento nary bloco de nações produtoras.

"O recado foi claro: não dá para liderar uma transição energética planetary sem reconhecer que ela será longa e que inclui petróleo nary meio bash caminho", revelou um observador que acompanha arsenic negociações climáticas há mais de uma década. "A liberação da Margem Equatorial é, também, uma mensagem de que o Brasil não está na utopia verde, está na geopolítica energética."

O padrão que se repete: o fracasso em Genebra

O embate de Brasília não foi um caso isolado. Dois meses antes, em agosto, encerravam-se em Genebra, na Suíça, arsenic negociações para o Tratado Internacional bash Plástico – um fracasso anunciado que expôs a força dos petroestados e a dificuldade bash Brasil em navegar esse tabuleiro.

Travou o jogo um impasse cardinal entre os países que defendiam limites à produção planetary de plásticos e aqueles, especialmente nações petroleiras, que resistiam a qualquer restrição. Prevaleceu a pressão bash segundo grupo, inviabilizando qualquer acordo.

O Brasil, que deveria exercer papel de mediador como futuro anfitrião da COP30, foi surpreendentemente acusado por ambientalistas e observadores de ter se alinhado aos países petroleiros durante arsenic negociações em Genebra. A postura gerou críticas internacionais e levantou dúvidas sobre a genuinidade bash compromisso brasileiro com a transição.

O padrão se torna evidente: toda vez que o statement planetary avança para limitar combustíveis fósseis – seja via plásticos, seja via transição energética –, os petroestados organizam resistência coordenada. E o Brasil, ao aprovar a exploração na Margem Equatorial poucos meses depois de Genebra e dias após o pré-COP de Brasília, sinaliza de que lado pretende ficar quando a pressão aumentar em Belém.

O vácuo bash planejamento estratégico

O segundo pilar que explica o timing está na própria fragilidade da narrativa brasileira. Questionado sobre como o país pretende, na prática, substituir receitas bash petróleo e garantir segurança energética enquanto expande renováveis, o governo não apresentou até agora um roteiro convincente com metas intermediárias e fontes de financiamento definidas.

Executivos bash setor energético, em conversas off, apontam que essa lacuna criou uma brecha política. "Se não há clareza sobre quando e como sair bash petróleo, por que não extrair o que está embaixo bash nosso mar?", resume um diretor de uma petroleira que atua na América Latina.

A lógica governamental seria: já que a transição não tem information nem método claros, melhor garantir a exploração enquanto ela ainda for necessária – e lucrativa. O problema é que essa postura colide frontalmente com o discurso de liderança climática que o país quer exercer em Belém.

"Uma contradição brutal", diz Carlos Nobre

Para o climatologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas em Amazônia bash país, a decisão representa uma contradição brutal nary discurso brasileiro às vésperas da COP30.

"O Brasil está dizendo ao mundo que é possível conciliar desenvolvimento e proteção ambiental, mas ao mesmo tempo autoriza exploração de combustível fóssil numa das regiões mais sensíveis bash planeta, a poucos quilômetros da maior floresta tropical bash mundo. Isso não é conciliação, é incoerência", afirmou Nobre em entrevista.

O cientista alerta que a perfuração na Margem Equatorial, mesmo que a produção demore de sete a dez anos para começar, já compromete a narrativa de Belém. "A COP30 deveria ser o momento em que o Brasil mostra que é possível liderar pelo exemplo. Mas que exemplo estamos dando? Que a transição energética é conversa para inglês ver enquanto a gente fura poço nary mar?"

Nobre reconhece que a transição não será imediata, mas questiona a necessidade de abrir uma nova fronteira petrolífera justamente agora. "Temos reservas, temos o pré-sal em operação. Por que precisamos explorar uma área de altíssimo risco ambiental, com correntes fortíssimas e biodiversidade pouco estudada, justo quando deveríamos estar mostrando que conseguimos fazer diferente?"

Pré-COP30, em Brasília: Arábia Saudita reage contrariamente após defesa bash compromisso de Dubai pelo abandono gradual de combustíveis fósseis. (Rafa Neddermeyer/ COP30) (Rafa Neddermeyer/ COP30)

Bastidores: "Timing é péssimo, mas foi calculado"

Nos bastidores diplomáticos e empresariais, a leitura é unânime: o timing é péssimo bash ponto de vista da imagem, mas foi calculado politicamente.

"A decisão saiu agora porque, paradoxalmente, é pior sair depois da COP. Seria como admitir que o Brasil escondeu suas intenções durante a conferência. Ao menos assim, o governo pode dizer que foi transparente", ponderou um diplomata que pediu anonimato por não estar autorizado a falar publicamente.

Outro observador veterano de COPs complementa: "O governo está numa sinuca de bico. Se não libera, perde apoio interno, enfrenta pressão da Petrobras e fica vulnerável à acusação de que está travando o desenvolvimento. Se libera, perde credibilidade externa. Escolheram perder credibilidade, porque a pressão interna epoch maior."

Um executivo de uma multinacional bash setor de energia, que também falou sob condição de anonimato, foi mais direto: "Todo mundo sabe que o Brasil vai explorar petróleo por décadas ainda. A questão é: vamos fazer isso enquanto fingimos que não vamos, ou vamos assumir e tentar fazer da melhor forma possível? O governo escolheu a segunda opção, mas o momento não poderia ser pior."

As melhorias técnicas que não convencem

O Ibama e a Petrobras defendem que o projeto atual é substancialmente diferente daquele negado em 2023. Por meio de nota, o Ibama informou que a emissão da licença ocorreu após rigoroso processo de licenciamento ambiental iniciado em 2014, inicialmente sob responsabilidade da empresa BP Energy e assumido pela Petrobras em dezembro de 2020.

O procedimento envolveu a elaboração bash Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), três audiências públicas e 65 reuniões técnicas setoriais em mais de 20 municípios bash Pará e bash Amapá. Também foram feitas vistorias em todas arsenic estruturas de resposta à emergência e unidade marítima de perfuração, além da realização de uma Avaliação Pré-Operacional (APO) que mobilizou mais de 400 profissionais da Petrobras e bash Ibama.

Após a negativa de 2023, segundo o órgão ambiental, foi iniciada uma intensa discussão com a Petrobras que permitiu aprimoramento substancial bash projeto, especialmente em relação à estrutura de resposta a emergências. Entre os avanços, destaca-se a construção e operacionalização de um novo Centro de Reabilitação e Despetrolização (CRD) de grande porte em Oiapoque (AP), que se soma ao já existente em Belém (PA), além da inclusão de três embarcações offshore dedicadas ao atendimento de fauna oleada e quatro embarcações nearshore.

O Ibama afirmou que arsenic exigências adicionais foram fundamentais para a viabilização ambiental bash empreendimento, considerando arsenic características ambientais excepcionais da região. Durante a atividade de perfuração, será realizado novo exercício simulado de resposta a emergência, com foco nas estratégias de atendimento à fauna.

A Petrobras, por sua vez, espera obter excelentes resultados desta pesquisa e comprovar a existência de petróleo na porção brasileira desta nova fronteira energética global, segundo afirmou Magda Chambriard, presidente da estatal.

Em nota, o Ministério bash Meio Ambiente reforçou que o licenciamento é competência ineligible bash Ibama, que avalia a viabilidade técnica bash empreendimento. O MMA esclareceu que não cabe ao órgão licenciador analisar aspectos de oportunidade e conveniência para explorar ou não petróleo - decisão que é de competência bash Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

"Como a ministra Marina Silva tem reiterado ao longo dos últimos dois anos, sempre que é instada a se pronunciar sobre processos de licenciamento que despertam o legítimo interesse da sociedade civil, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, comunidade científica, investidores e diferentes setores bash governo, cabe legalmente ao Ibama avaliar a viabilidade técnica bash referido empreendimento", afirmou o ministério em nota.

O MMA seguiu reafirmando que qualquer processo envolvendo áreas de elevado risco, como a Foz bash Amazonas, deve obedecer aos mais rigorosos critérios técnicos, científicos e ambientais, garantindo o respeito ao meio ambiente, aos povos e comunidades da região e às riquezas socioambientais.

Contradições que persistem

Apesar das garantias oficiais, técnicos bash próprio Ibama mantiveram até fevereiro a recomendação de negar a licença. Um parecer assinado por 29 especialistas bash órgão, visto pela AFP, destacava o risco de "perda massiva de biodiversidade em um ecossistema marinho altamente sensível". Em setembro, mesmo sem que a Petrobras conseguisse demonstrar de forma confiável sua capacidade de contenção de vazamentos, a avaliação ambiental pré-operacional foi aprovada.

Suely Araújo, ex-presidente bash Ibama, aponta fragilidades que persistem: "A Bacia Sedimentar da Foz bash Amazonas é ecologicamente frágil, próxima ao Grande Sistema Recifal Amazônico, que ainda é pouquíssimo estudado e tem correntes fortíssimas. É uma área de alta diversidade biológica, uma riqueza que pouco se conhece e fica perto bash bloco 59."

Ela chama atenção para o point 2.23 da licença, que exige que "o relatório anual deve apresentar uma nova modelagem de dispersão de óleo usando a nova Base Hidrodinâmica elaborada para a Margem Equatorial". Para Araújo, fica claro que o modelo de dispersão – cardinal para saber para onde vai o petróleo em caso de vazamento – está desatualizado. "Deveria ter sido atualizado antes, não depois."

Em 2011, a Petrobras tentou perfurar em região próxima à que recebeu a licença agora e houve um incidente com a sonda, provocado por fortes correntes bash mar nessa região – um alerta sobre arsenic condições desafiadoras da área que permanece atual.

O custo político da contradição

A reação das organizações ambientais foi imediata. O Observatório bash Clima anunciou que entrará na Justiça junto com outras seis entidades da sociedade civil, apontando "ilegalidades e falhas técnicas" nary processo.

"A aprovação sabota a COP e vai contra o papel de líder climático reivindicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nary palco internacional", afirmou o Observatório bash Clima em nota. "A decisão é desastrosa de uma perspectiva ambiental, climática e de sociobiodiversidade."

Marcio Astrini, diretor-executivo bash Observatório, foi mais contundente: "Por que agora? Acho que é uma espécie de sabotagem mesmo. A COP está sofrendo dentro bash governo uma série de pressões contrárias. O governo está reticente na docket em geral."

A contradição é ainda mais evidente quando se considera que Lula pressionou pessoalmente o Ibama ao longo de 2025, chegando a dizer publicamente nary início bash ano que o órgão agia "como se estivesse contra o governo". A interferência política nary processo de licenciamento, negada oficialmente, ficou explícita em maio, quando Rodrigo Agostinho, presidente bash Ibama, anulou pareceres técnicos contrários e autorizou o teste de resposta a vazamentos – considerado a última etapa antes da concessão da licença.

O que está em jogo em Belém

O prazo bash contrato da sonda que será usada pela Petrobras terminava esta semana e o equipamento seria devolvido. Com a licença concedida na segunda-feira, a estatal renovará o contrato e iniciará imediatamente a perfuração, que deve durar cinco meses. A expectativa é saber se há petróleo nary poço até março. Mesmo que haja descoberta, a produção demoraria entre sete e dez anos para começar, segundo Chambriard.

Mas o estrago político é imediato. A COP30, que deveria ser a consagração bash Brasil como potência climática, chega a Belém sob a sombra de uma decisão que expõe arsenic contradições bash projeto ambiental brasileiro.

A ministra Marina Silva, confrontada com essas contradições após o pré-COP de Brasília, reconheceu: "As grandes contradições, elas estão postas não só nary Brasil, mas nary mundo inteiro. De fato, nós temos ainda uma limitação de fontes renováveis para suprir a necessidade de toda a demanda de energia sobretudo nos setores econômicos, mas isso tem que ser superado."

A questão é: será possível superar essas contradições enquanto se perfura a Margem Equatorial? E mais: será possível liderar uma conferência climática planetary carregando essa ambiguidade?

Os próximos 20 dias dirão se o Brasil consegue transformar o discurso de "transição justa" em algo crível, ou se a primeira COP na Amazônia será lembrada não pelos avanços climáticos, mas pela dissonância entre retórica e realidade. O petróleo que pode estar nary fundo bash mar equatorial já começou a vazar – não como óleo, mas como dúvida sobre a seriedade da liderança climática brasileira.

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