Vice-prefeita eleita em Porto Alegre, Betina Worm (PL) tem o desafio de dar sequência à gestão Sebastião Melo (MDB) nos próximos quatro anos. Médica-veterinária do Exército há mais de 30 anos e estreante na política, quer agregar os conhecimentos e experiências que teve como militar ao governo municipal. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Betina aborda como foi a campanha eleitoral, os seus planos para a cidade e o que significa a marca histórica que alcançou, sendo a primeira mulher eleita ao Executivo da Capital.
Com perfil mais discreto em relação ao atual vice Ricardo Gomes (sem partido, ex-PL), Betina afirma que o seu papel será de auxiliar na gestão de recursos e projetos para Porto Alegre, sem se importar tanto com a sua imagem em público. Diz ainda que irá atuar de forma efetiva no próximo governo, mesmo que nos bastidores, com o foco na promoção de agilidade ao fazer licitações, contratações, e fiscalizações.
Jornal do Comércio - Qual o balanço da campanha eleitoral?
Betina Worm - Todo mundo sabe que sou estreante na política. Já acompanhei como eleitora, mas nunca participei dos bastidores. E foi realmente muito legal, porque o Melo não queria contratar um marqueteiro, não queria uma estrutura mais padrão de fazer o marketing, e acabou que foi (feito por) um conjunto de pessoas que o conheciam bem. Ele sempre fez muita questão de manter a imagem dele como autêntica, de como ele é, sem fazer muitas modificações ou adaptações para a parte de mídia e campanha, para ser exatamente isso, ser o Melo que todos conhecem, para não ficar uma coisa deturpada. E aí muitas das coisas que foram ataque acabaram sendo revertidas como um bônus. Aquela coisa do Melo "chinelão", que mostrou o quão efetivo ele é na relação com a população, e eu achei muito legal. Os meus medos de participar de uma campanha tóxica, agressiva, com muitos ataques, muitas coisas ruins, acabou que não aconteceram. Até teve alguma coisa, falaram algumas inverdades a meu respeito, mas, assim, não chegou a me atingir, porque a gente começa a ver que as coisas não são sobre mim ou sobre Melo, são sobre as pessoas que falam. Então realmente não foi uma coisa que incomodou. Eu achei uma campanha leve, bonita, positiva, bem como eu acho que o eleitor merece e que teve a receptividade que teve, que mostrou nas urnas, nos dois turnos.
JC - É a primeira mulher eleita para o Executivo de Porto Alegre. Qual o significado disso?
Betina - A mulher tem conseguido entrar em alguns espaços que algumas décadas atrás não se pensava. Fico feliz de ser uma pessoa que tenha desbravado esse caminho, porque o meu histórico de vida sempre foi pautado por sucessos. Eu tive clínica, foi tudo muito bem-sucedido, eu passei na residência, eu consegui entrar no Exército, num concurso que é bastante disputado e fiz uma carreira sólida, boa, bem avaliada e muito produtiva dentro do Exército. Quando me convidaram para entrar na política, foi justamente numa majoritária, me oportunizando essa porta que a gente conseguiu transpor.
JC - Este feito ocorre mais de 30 anos após a redemocratização. Avalia que a participação das mulheres na política está aumentando lentamente?
Betina - Eu não tenho muitos elementos para dizer, porque eu não tenho uma experiência pessoal e real de participação em Câmara ou Assembleia ou alguma coisa assim, mas eu verifico que existe realmente uma certa dificuldade dos partidos em formarem o percentual mínimo que se exige, até mesmo por lei, de 30%, para que se tenha mulheres na representatividade real. Os porquês podem ser bem variados. Eu, se for olhar o meu histórico de vida, penso que alguns anos atrás eu não teria me disposto a isso, porque eu acho que é uma situação assim: ou faz bem feito ou não faz. As mulheres tendem a querer estarem perfeitas para tal situação. Muitas vezes a gente vê homens assim: "ah, eu vou entrar aqui e depois eu vejo o que é". E as mulheres não: "eu tenho que estar com essa formação pronta, eu tenho que estar com esse perfil concreto, com essa aceitação mais sólida, para daí entrar". E os homens muitas vezes não são tão exigentes consigo mesmos. E assim, não tem como dizer que não, a mulher é mais demandada dentro de casa. Até no trabalho para conseguir ser reconhecida, muitas vezes se superar, tem que ir além para conseguir ocupar aquele espaço. O que por um lado é bom, que exige bastante, então somente mulheres realmente competentes ficam nos lugares, mas também não deixa de ser um pouco injusto na medida em que exige de forma diferente de homem e de mulher. E não só no local de trabalho, independentemente de onde ela esteja, mas, assim, a mulher ela chega em casa. Ela geralmente dá conta das coisas da casa, de filho, do supermercado, a logística doméstica, as coisas que envolvem os cuidados com a família. Eu, falando por mim - não por todas, porque provavelmente eu vou incorrer em erros -, particularmente, até uns 15 anos atrás, não teria nem cogitado (concorrer), mesmo se esse convite fosse tentador no sentido de "vou fazer uma coisa muito legal, vou entrar para a história, vou ter uma oportunidade de fazer diferente, de melhorar, de cuidar da minha cidade". Mesmo com esse apelo, eu acho que eu não teria entrado por conta das minhas demandas de vida - eu me separei quando a minha filha tinha 6 anos. Então é complicado deixar filho. Mesmo com a presença do pai, mesmo ele sendo um pai ativo, eu não conseguia me ver ficando seis, oito meses afastada dela, ela sendo criança. Então assim, a vida familiar, muitas vezes, acho que impacta nas decisões que as mulheres tomam. No meu caso, agora já tenho uma filha criada, que está com 20 anos, está na faculdade. Ela não tem a mesma demanda que ela tinha quando tinha 10 anos. Eu acredito que isso seja um dos fatores que talvez dificultem que algumas mulheres entrem para a política, a questão familiar pelo viés feminino, no caso. Mas essa é uma visão minha.
JC - Como foi o processo do convite para concorrer?
Betina - Eu estou terminando meu tempo de serviço militar, concluindo. Tenho mais de 32 anos de vida profissional e estava realmente atrás, por assim dizer, de algo legal, algo diferente, útil, para fazer em 2025. E quando houve o convite, então, por intermédio da (vereadora) Comandante Nádia (PL), que eu conhecia já fazia anos - a ideia veio do (deputado federal Luciano) Zucco (PL) -, eu fiquei bastante surpresa no início assim, como eu já havia falado outras vezes, mas muito entusiasmada. Eu precisei recorrer à minha família em termos de opinião, porque como era uma coisa muito alienígena para mim - não sei se seria esse o termo -, mas nunca passou pela minha cabeça entrar para a política, até porque é uma vida bem diferente de tudo que eu estou acostumada. Então, quando veio esse convite, eu levei para minha família e todos ficaram muito felizes e entusiasmados pela oportunidade de eu fazer a diferença a todos que me conhecem, que sabem que eu gosto de trabalhar de forma correta, que eu tenho capacitação para trabalhar na parte de gestão e administração pública. São outras esferas, considerando que a esfera federal, no caso do Exército, é diferente da esfera municipal, mas todos são regidos por uma legislação basicamente congruente. Então eu fiquei muito feliz.
JC - O atual vice-prefeito aparece bastante em público. Pretende manter este perfil?
Betina - Eu pretendo atuar de uma forma bem efetiva na gestão, no fazer as coisas acontecerem, porque eu acho que as entregas vão ter que ser maiores do que os primeiros quatro anos. Isso aí é uma coisa que a gente já tinha conversado desde o início, seja o que for, vai ter que ser mais e vai ter que ser melhor. Então isso vai demandar bastante trabalho. Eu provavelmente vou ocupar alguns espaços que o Ricardo não ocupou, ao passo que ele ocupa espaços que eu vou tentar gerenciar da melhor maneira possível, mas talvez não com tanta visibilidade. Não é o meu perfil trabalhar com holofote. Até quando eu falo em público, o pessoal diz: "tu falas pouco". Mas muitas vezes as pessoas não querem grandes conversas, e até por conta dessa habilidade de fala com esse, digamos, "script político", em que se tem que ter um formato de fala, uma colocação de palavras, isso aí não é minha praia. Eu tenho procurado aprimorar isso no sentido de ter uma comunicação clara e eficiente, mas eu não vou me teatralizar, por assim dizer. O que interessa na minha posição atual é que eu consiga fazer as coisas acontecerem da melhor forma possível, da forma mais correta possível, sempre oportunizando que o recurso seja bem empregado, que as coisas aconteçam. Agora, como que isso vai ser propagandeado não é a minha preocupação.
JC - Desde que seu nome foi anunciado, disse que agregaria as experiências do Exército à gestão municipal. Que experiências são essas?
Betina - Principalmente a parte de gestão. A gestão de recursos, gestão de emprego de recurso e agilizar licitações, contratações, fomentar a parte de fiscalização de contratos, porque isso vai ser necessário cada vez mais em saúde, cada vez mais em educação, cada vez mais na qualificação do emprego do recurso, porque se não planeja as demandas dentro do ano e para o ano seguinte, tendes a cometer erros que vão comprometer o exercício fiscal. Então essa é a minha ideia: trazer o meu aprendizado todo, que foi bem grande nessa área. Todas as compras no Exército são muito grandes, e eu sempre trabalhei primeiro Rio Grande do Sul e depois encampei Santa Catarina e Paraná, na medida em que eu fui para o Comando Militar do Sul. Então são 52 mil almas que a gente alimentava, vestia, equipava, municiava. Claro que não é tanto em termos de número em relação à população de Porto Alegre, mas o esqueleto do que tem que ser feito é o mesmo.
JC - Sempre fez elogios à primeira gestão Melo, mas o que poderia ser diferente?
Betina - Eu vejo o Sebastião Melo como o melhor prefeito porque eu moro em Porto Alegre. Muitas vezes cobram do Melo nesses quatro anos como se tivesse sido um período de uma primavera florida, sem nenhum problema. Se esquecem que o Melo pegou uma cidade fechada por conta da pandemia, com uma arrecadação bastante reduzida em função de tudo isso, muito embora o governo federal tenha colocado o respaldo que foi muito importante no completamento das diferentes entradas. Mas ele pegou a cidade fechada, teve ciclone, teve enchente e ainda assim o Melo fez 260 quilômetros de asfalto, aumentou em muito as equipes de atenção primária em saúde, conseguiu fazer com que a cidade ficasse mais segura - e isso aí não é uma questão de opinião, são números. Então realmente teve várias coisas que melhoraram, mas tem muita coisa que ainda tem que ser realmente feita. Temos que melhorar toda a parte que envolve a educação, temos que melhorar o fluxo e a agilidade com relação ao atendimento de saúde na parte de especializações. Então, justamente vendo isso tudo, eu estou participando agora do que é que está sendo nomeado o Escritório de Transição. A ideia é colocar na mesa o que funcionou bem, o que está em encaminhamento, o que tem a oportunidade de melhoria, como que isso vai melhorar, como que isso vai gerar entrega boa.
JC - Assume como vice-prefeita em janeiro, mas no curto prazo tem a estruturação da próxima gestão no Escritório de Transição. Qual será seu papel?
Betina - O meu papel é acompanhar, dar as minhas ideias de acordo com o que eu acho que pode ser colocado em prática, trazendo a minha experiência, não só de Exército, mas da minha experiência de vida e de cidadã. Eu acho que essa reeleição vai ser preciosa para a cidade, porque é alguém que conhece a cidade, as pessoas, a máquina, viu o que funcionou, viu o que não funcionou e está aberta para buscar soluções eficientes e melhores. Para mim vai ser uma oportunidade de ouro, porque eu já vinha conversando com as secretarias, vendo como que a coisa funciona e tal, como que é o rol dos responsáveis em termos de recursos, como funciona a administração. E agora nesse escritório a gente vai poder reunir tudo num lugar só.
JC - Melo já anunciou que cumprirá os quatro anos de mandato. Mesmo assim, a política é dinâmica, e no caso de o prefeito renunciar para se candidatar a outro cargos, se sente pronta para comandar o Executivo?
Betina - Eu ainda não estou preparada, mas eu vou ter pelo menos dois anos para estar, então a gente vai lidar com um problema de cada vez. Por enquanto é conhecer bem a máquina, ver o que pode ser feito. Tenho certeza que a gente vai ter um apoio bem grande para que as coisas sejam viabilizadas. A Câmara vai mudar um pouco em 2025, mas eu levo fé que o diálogo e as construções vão ser mantidas. Acho que tem interesse de todos, até porque todo mundo que está lá foi eleito e, se foi eleito, quer que a cidade melhore. Então acho que todos juntos vamos conseguir melhorar.
JC - Ao fim do mandato, como pretende ser lembrada pela população? Que marca quer deixar?
Betina - Eu tenho certeza que eu vou ser reconhecida como a primeira mulher eleita vice-prefeita de Porto Alegre. Mas eu gostaria muito que, associado a esse título, eu esteja associada a uma boa gestão, a uma boa administração, a uma administração limpa, correta, efetiva, com mais entregas do que antes e que eu possa ter orgulho de sair na rua.
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