Membros do Exército venezuelano usando uniformes e boinas vermelhas.

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Legenda da foto, Os EUA afirmam que o cartel é liderado por integrantes das Forças Armadas da Venezuela, mas o governo do país rejeita as acusações como uma "mentira ridícula"
    • Author, BBC Mundo
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  • Há 22 minutos

Os Estados Unidos designaram o Cartel de los Soles (Cartel dos Sóis, em espanhol) — um grupo que, segundo os EUA, é liderado pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e por outros integrantes de seu governo — como uma organização terrorista estrangeira.

Essa designação dá às agências de segurança e aos militares dos EUA mais poderes para investigar e desmantelar o grupo.

Nos últimos meses, os EUA intensificaram a pressão sobre Maduro, considerando seu governo ilegítimo após a eleição de 2024, amplamente rejeitada por acusações de fraude. A medida representa mais um instrumento para aumentar a pressão.

Mas, por outro lado, questionamentos sobre a existência do Cartel de los Soles também têm ganhado força. O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela rejeitou a designação "de forma categórica, firme e absoluta", a descrevendo como "uma mentira nova e ridícula".

Não surpreendentemente, o ministro do Interior e Justiça da Venezuela, Diosdado Cabello, há muito chama o cartel de "fabricação".

Cabello, apontado pelos EUA como um dos integrantes de alto escalão do cartel, acusa autoridades americanas de usar a alegação como pretexto para atingir adversários.

"Sempre que alguém os incomoda, nomeiam a pessoa como chefe do Cartel de los Soles", disse Cabello em agosto.

Gustavo Petro, presidente de esquerda da vizinha Colômbia, também negou a existência do cartel.

"É uma desculpa fictícia da extrema-direita para derrubar governos que não lhes obedecem", escreveu Petro na rede social X, em agosto.

O Departamento de Estado dos EUA mantém, porém, que o Cartel de los Soles não apenas existe como também "corrompeu as forças militares, de inteligência, o Legislativo e o Judiciário da Venezuela".

Especialistas consultados pela BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) dizem que a verdade está em algum ponto no meio dessas alegações.

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, gesticula antes de uma reunião no Palácio de Miraflores, em Caracas, em 9 de julho de 2019.

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Legenda da foto, O governo dos EUA alega que Nicolás Maduro lidera o Cartel de los Soles

O termo Cartel de los Soles surgiu no início da década de 1990.

Ele foi cunhado pela imprensa venezuelana após acusações de tráfico de drogas contra um general responsável pelas operações antidrogas na Guarda Nacional da Venezuela, e se referia à insígnia em forma de sol usada pelos generais nas ombreiras para indicar sua patente.

Mike LaSusa, especialista em crime organizado nas Américas e diretor adjunto de conteúdo da Insight Crime, afirmou que o termo logo passou a ser usado para todos os funcionários venezuelanos supostamente ligados ao tráfico de drogas, independentemente de integrarem ou não a mesma organização.

O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López (centro), em entrevista coletiva em Caracas com generais do exército em apoio a Nicolás Maduro, em 24 de janeiro de 2019.

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Legenda da foto, O nome "soles" (sóis) vem da insígnia em forma de sol usada pelos generais venezuelanos em seus uniformes

Raúl Benítez-Manau, especialista em crime organizado da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), afirmou que as atividades do grupo começaram no final da década de 1980 e início da década de 1990, em resposta aos acontecimentos na vizinha Colômbia, a maior produtora de cocaína do mundo.

Na época, o poderoso Cartel de Medellín, baseado na cidade colombiana de mesmo nome, estava sendo desmantelado, e uma ofensiva antidrogas no país apresentava resultados.

Com as rotas de contrabando tradicionais sob pressão, argumenta Benítez-Manau, o Cartel de los Soles passou a oferecer caminhos alternativos para transportar cocaína da Colômbia.

O grupo se fortaleceu nos primeiros anos da presidência de Hugo Chávez (1954-2013), presidente de esquerda que liderou a Venezuela de 1999 até sua morte em 2013, segundo Benítez-Manau.

"Chávez gostava de desafiar os EUA e cortou todos os vínculos de cooperação militar entre o exército venezuelano e os EUA", explicou Benítez-Manau.

Sem a supervisão da Drug Enforcement Administration (DEA, agência antidrogas dos EUA), "alguns oficiais do Exército [venezuelano] se sentiram à vontade para fazer negócios com criminosos", disse.

A simpatia de Chávez pelas guerrilhas de esquerda das Farc, na Colômbia — que se financiavam em grande parte pelo tráfico de cocaína — também redirecionou parte do tráfico pela Venezuela, acrescentou.

Sob pressão militar na Colômbia, o grupo guerrilheiro transferiu algumas operações para a Venezuela, seguro de que o presidente venezuelano "os via como aliados ideológicos de esquerda", explicou Benítez-Manau.

Wesley Tabor, ex-agente da DEA que atuou na Venezuela, disse que as Farc encontraram não apenas "um refúgio seguro na Venezuela", mas também que muitos funcionários do governo, "da polícia de rua à aviação militar", rapidamente se tornaram parceiros no tráfico de drogas.

Juntos, eles "começaram a inundar os EUA com centenas de toneladas de cocaína", afirmou.

O ex-chefe de inteligência venezuelano Hugo Carvajal durante sua audiência de extradição para os Estados Unidos, em Madri, 2019.

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Legenda da foto, O ex-chefe de inteligência venezuelano Hugo Carvajal se declarou culpado das acusações de tráfico de drogas e narcoterrorismo nos EUA

O Cartel de los Soles, portanto, difere de outras redes de drogas por não ter uma estrutura formal, disse LaSusa.

Não se trata de um grupo em si, disse ele, mas de "um sistema de corrupção generalizada".

Ele acrescenta que o cartel tem sido alimentado pela crise econômica que atingiu a Venezuela sob o sucessor de Chávez, Nicolás Maduro.

"O regime de Maduro não consegue oferecer um salário decente às forças de segurança e, para manter a lealdade delas, permite que aceitem subornos de traficantes", explicou LaSusa.

Oficiais de patente média e baixa que controlam os principais pontos de entrada e saída do país, como aeroportos, compõem o Cartel de los Soles, disse Benítez-Manau, pois estão em posição privilegiada para facilitar o fluxo de drogas.

Mas autoridades dos EUA insistem que os tentáculos do cartel alcançam os mais altos escalões do governo de Maduro, incluindo o próprio presidente.

Em 2020, o Departamento de Justiça dos EUA acusou Maduro e 14 outros de conspirar com grupos armados colombianos para enviar cocaína aos EUA. Entre os funcionários de alto escalão citados estavam o ministro da Defesa, Vladimir Padrino, e o ex-presidente do Supremo Tribunal da Venezuela, Maikel Moreno.

Na denúncia, os promotores americanos também afirmaram que, desde pelo menos 1999, o Cartel de los Soles era liderado e administrado por Maduro, pelo ministro do Interior, Diosdado Cabello, pelo ex-chefe de inteligência militar Hugo Carvajal e pelo ex-general Clíver Alcalá.

Segundo eles, as informações fornecidas por ex-oficiais venezuelanos de alta patente, incluindo Carvajal e Alcalá, confirmam essas acusações.

Leamsy Salazar, ex-chefe de segurança do falecido Hugo Chávez, forneceu informações sobre o Cartel de los Soles às autoridades dos EUA já em 2014.

Salazar, que deixou a Venezuela com ajuda da DEA, disse que Cabello liderava o Cartel de los Soles.

Cabello negou a acusação, afirmando se tratar de uma "conspiração internacional".

Mas as denúncias de ex-funcionários venezuelanos continuaram.

Em 2020, o general Alcalá se entregou a agentes da DEA após desentendimentos com o governo de Maduro e se declarou culpado por apoiar as Farc e suas operações de tráfico de cocaína.

No início deste ano, o ex-chefe de inteligência venezuelano Hugo Carvajal, que também fugiu da Venezuela após discordar de Maduro, se declarou culpado em um tribunal dos EUA por tráfico de drogas e narcoterrorismo.

"Durante anos, ele e outros oficiais do Cartel de los Soles usaram cocaína como arma, inundando Nova York e outras cidades americanas com veneno", disse um promotor federal sobre Carvajal, conhecido como "El Pollo" (A Galinha), durante o julgamento.

Um homem passa diante de um banner que oferece recompensas por informações que levem à prisão do presidente venezuelano Nicolás Maduro e do ministro do Interior Diosdado Cabello em Villa del Rosario, Norte de Santander, Colômbia.

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Legenda da foto, Os EUA oferecem recompensa por pistas que levem à prisão do presidente Nicolás Maduro e do ministro do Interior, Diosdado Cabello.

Maduro e o ministro do Interior, Cabello, permanecem na Venezuela, mas os EUA aumentaram recentemente as recompensas por informações que levem à captura deles para US$ 50 milhões (R$ 190 milhões) e US$ 25 milhões (R$ 95 milhões), respectivamente.

A BBC News Mundo entrou em contato com o governo venezuelano para comentar as acusações dos EUA, mas não recebeu resposta antes da publicação.

No entanto, o governo de Maduro há muito rejeita as acusações de tráfico de drogas como uma tentativa dos Estados Unidos de justificar a derrubada do presidente.

Em comunicado divulgado na segunda-feira (24/11), o ministério das Relações Exteriores da Venezuela classificou a designação do Cartel de los Soles como organização terrorista como "uma fabricação ridícula".

O governo insistiu que o Cartel de los Soles é "inexistente" e que a medida constitui "uma mentira vil para justificar uma intervenção ilegítima e ilegal contra a Venezuela".