Kevin Carroll e Debbie Webber, em uma foto em preto e branco, sentados no colo de um Papai Noel

Crédito, Deb, Kevin e Val

Legenda da foto, Quando se conheceram, Deb e Kevin queriam fazer tudo juntos
    • Author, Asya Fouks e Thomas Harding Assinder
    • Role, Programa "Outlook", Serviço Mundial da BBC
  • Há 34 minutos

O ano era 1967. Os dois estavam no ensino médio e eram membros do grupo de teatro das suas respectivas escolas.

"Eu estudava em um colégio de meninos e Deb, em um colégio de meninas", contou Carroll ao programa de rádio Outlook, do Serviço Mundial da BBC.

"E, em um teste de talentos, estávamos todos no auditório nos apresentando, quando eu disse para um amigo meu: 'Está vendo aquela menina? Vou levá-la para a festa do colégio.'"

A reação de Webber foi parecida, segundo contou à BBC.

"Eu estava sentada sozinha no auditório porque não conhecia nenhuma das meninas da escola que estavam no teste", ela conta. "Mas me lembro de que, quando o vi, ele me pareceu o menino mais bonito que já havia visto na vida."

Eles não só acabaram indo juntos para a festa, como, dali em diante, passaram a querer fazer tudo na companhia um do outro.

Eles chegaram a planejar uma fuga para uma pequena cidade no Estado americano de Maryland, onde as pessoas podiam se casar com 15 anos de idade, sem a permissão dos pais.

Mas, duas semanas antes, a notícia de que Deb estava grávida frustrou os planos e acabou separando o casal por mais de 40 anos. Foi uma fase difícil, em que o amor de um pelo outro sempre esteve presente.

"Antes de me casar com a minha esposa, eu disse a ela: 'Veja, realmente não acredito que, quando você diz 'eu te amo' para alguém, possa se retratar desse amor'", conta Kevin, sobre a conversa que teve com sua falecida esposa quando contou os detalhes da sua história com Deb.

"Existe uma parte do meu coração e da minha vida que você nunca poderá ter", disse ele.

Hoje, depois de muitas voltas da vida, Deb e Kevin estão juntos e vivem todos os dias esse amor que não conseguiram viver na juventude.

Mas, para chegar até aqui, eles precisaram passar por uma intensa trajetória que parece obra das melhores mentes criativas de Hollywood.

Barriga de uma mulher grávida

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A notícia da gravidez de Deb desencadearia os eventos que a separaram de Kevin (foto de arquivo).

Notícia inesperada

A reação dos pais de Deb à notícia da gravidez foi de total apoio. Mas era o tipo de apoio que os pais podiam oferecer às filhas naquela época, quando os valores sociais eram diferentes dos que existem hoje nos Estados Unidos.

"Eles foram muito carinhosos, amavam Kevin, sabia que ele era um ótimo rapaz e que nos amávamos muito", contou Deb. "Mas, naquela época, tudo era muito diferente para as meninas que ficassem grávidas."

"Foram tomadas providências para me enviar para um lar de mães solteiras, que permitia que minha mãe me buscasse nos finais de semana para sair com ela, passear e jantar."

Nesse período, tanto Deb quanto Kevin mantinham a ilusão de que, quando ela saísse daquele local, poderiam formalizar seu amor e se dedicar a criar o bebê que estava por nascer.

Kevin estava tão certo desta ideia que convenceu sua mãe a alistá-lo na infantaria da Marinha com 17 anos.

"Fiquei sabendo que, se me alistasse, mesmo não estando casados, eu poderia enviar dinheiro para Deb e a Marinha ofereceria os cuidados médicos necessários para ela e o bebê", relembra ele.

"Minha ilusão era que, quando me deixassem sair do treinamento, poderíamos nos casar."

Mas tudo acabaria assim, na ilusão.

Kevin, no seu uniforme de fuzileiro naval

Crédito, Deb, Kevin e Val

Legenda da foto, Kevin se alistou acreditando poder fornecer segurança a Deb e à filha do casal

Durante seu treinamento militar, Kevin recebeu uma carta de Deb, anunciando que iria entregar o bebê para adoção.

"Recordo o sentimento", conta ele, com a voz embargada.

"Eu estava naquele treinamento com vários marinheiros e não podia demonstrar meus sentimentos, mas meu mundo interno desmoronou."

"Para mim, aquilo se transformou em uma grande perda", recorda ele. "Eu não culpava Deb, entendia, sabia por quê, que era o mais prático, mas foi difícil."

As voltas da vida

Kevin estava para embarcar para o Vietnã. E, depois de terminar seu relacionamento com ele, Deb conta que ficou atormentada por pesadelos. Neles, ela abandonava seu bebê na ala do local onde ocorriam as adoções.

Por isso, ela ficou muito aliviada quando o médico particular que a acompanhava no final da gravidez contou sobre uma família que estaria interessada no seu bebê.

"Ele disse: 'Tenho uma família com quatro filhos e uma mãe que não pode mais ter bebês. Se você tiver uma menina, eles gostariam de adotá-la'", conta ela.

"Isso fez com que tudo ficasse mais fácil, se é que se pode dizer isso. Fez com que eu me sentisse melhor com aquela situação."

Deb teve uma bela menina que, segundo ela, era parecida com Kevin. Ela a entregou, sem de fato conhecer as pessoas que seriam a nova família da bebê.

"Precisamos sair da zona do hospital", relembra ela. "Nós nos encontramos em um estacionamento, um carro se aproximou e uma mulher que me fez lembrar Jackie Kennedy saiu do carro, enquanto os meninos olhavam pela janela."

A mãe adotiva de Val, com a bebê nos braços

Crédito, Deb, Kevin e Val

Legenda da foto, Deb conta que a mãe adotiva da sua filha, Val, a fez lembrar a ex-primeira-dama dos Estados Unidos, Jacqueline Kennedy (1929-1994)

"Minha mãe veio, pegou Val e a entregou para sua nova família", ela conta.

Depois disso, a família de Deb vendeu sua casa e foi morar em outra região do país, onde ninguém os conhecia, para começar uma vida nova.

Paralelamente, Kevin foi enviado como parte das Forças Especiais da Marinha americana, para combater na Guerra do Vietnã (1959-1975, com participação dos EUA a partir de 1965).

"Meu trabalho era recuperar os pilotos que caíam em combate e, no dia 10 de outubro de 1969, fomos ao resgate de um helicóptero que transportava mantimentos", recorda ele.

"Quando localizamos o piloto, vimos também cerca de 80 ou 90 norte-vietnamitas tentando alcançá-lo. Fui metralhado nos braços, nas pernas e nas costas e precisei usar barro de um riacho próximo para tentar evitar sangramentos."

"Não pensei que fosse sair dali e tive uma discussão com Deus", contou Kevin à BBC, com a voz embargada.

"Eu disse a ele: 'Não consigo acreditar que você vai me deixar morrer aqui, no meio do nada, a 30 mil km de casa, sem voltar a ver Debbie, sem ver meu bebê.'"

A resposta chegou enquanto ele perdia lentamente a consciência. Outro fuzileiro o recolheu e conseguiu evacuá-lo a tempo para tratar dos ferimentos.

Kevin foi transportado para as Filipinas, depois para o Japão e, por fim, conseguiu regressar aos Estados Unidos, para prosseguir com o difícil e complexo processo de recuperação.

Soldados norte-americanos caminhando por um campo no Vietnã

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Kevin sofreu graves ferimentos ao tentar resgatar um piloto no Vietnã (foto de arquivo)

"Eu me submeti a 18 cirurgias naquele período", relembra ele. "Desde então, tive mais 20."

"Mas passei da cadeira de rodas para o andador, do andador para as muletas, das muletas para a bengala e nunca olhei para trás."

Com o passar dos anos, Kevin tentou procurar Debbie, mas as limitações tecnológicas da época o deixaram com muito poucas informações sobre seu paradeiro.

Por outro lado, Debbie fez todo o possível para tentar esquecer uma situação que, para ela, estava relacionada ao sentimento de culpa que ficou depois de entregar seu bebê.

Debbie se casou várias vezes e teve três filhas. Já Kevin ficou viúvo e nenhum dos dois voltou a saber da filha que haviam tido juntos, tantos anos atrás.

Val com dois dos seus irmãos, quando crianças

Crédito, Deb, Kevin e Val

Legenda da foto, Uma das poucas coisas que Deb sabia sobre sua filha é que ela tinha quatro irmãos

Reencontros inesperados

Com o passar dos anos, Deb chegou à conclusão de que precisava deixar sua culpa de lado. E, para começar, decidiu contar às suas outras filhas o que havia acontecido na sua juventude.

"Era Dia das Mães", relembra ela. "Estávamos na cozinha e lhes disse: 'Tenho algo para contar: quando eu era muito jovem, tive um bebê.'"

"Expliquei a elas toda a situação e como Kevin e eu havíamos nos apaixonado."

Uma de suas filhas tomou a iniciativa e pediu os poucos dados de que ainda se lembrava, que pudessem ajudar a encontrar a bebê.

"Eu sabia o sobrenome, sabia que havia quatro meninos na família e a região onde eles moravam", ela conta.

Os dados foram suficientes para que sua filha encontrasse a família que fez a adoção. E Deb escolheu um dos irmãos ao acaso para fazer contato.

A mensagem foi respondida com uma ligação telefônica. E, do outro lado da linha, estava Val.

Val e Deb, sorrindo

Crédito, Deb, Kevin e Val

Legenda da foto, Para Deb, o reencontro com sua filha Val foi necessário para se desfazer da vergonha e da culpa que sentia pela adoção

"Liguei para ela às 8 horas da manhã", contou Val à BBC.

"Naquele momento, eu já tinha amadurecido o suficiente para começar admitindo que tínhamos muito o que conversar, mas que eu reconhecia o que ela havia feito e o que havia acontecido. Que não havia rancores, de nenhum tipo."

Para Deb, a resposta teve efeito curador.

"Todos aqueles sentimentos de vergonha e culpa simplesmente desapareceram", afirma ela.

Elas se conheceram naquela mesma noite e, durante o encontro, surgiu a pergunta: o que teria acontecido com Kevin?

Elas recorreram novamente à internet e o localizaram rapidamente, graças ao obituário da sua falecida esposa. Deb decidiu, então, escrever uma carta.

"Lamento sua perda recente e adoraria conversar sobre os tempos da escola. Espero que você esteja bem", escreveu, ela, com seu número de telefone.

Kevin, Deb e Val sorriem à mesa de um restaurante

Crédito, Deb, Kevin e Val

Legenda da foto, Depois de quase 40 anos, Deb, Kevin e Val conseguiram se encontrar novamente

Para Kevin, receber a carta foi um milagre.

"Nunca esquecerei o momento em que recebi aquela carta. Peguei imediatamente o telefone e disse que não conseguia acreditar que estávamos tendo aquela conversa."

Mas a surpresa não acabou ali.

"Eu disse: 'Tenho algo para contar'", relembra ela. "Encontrei nossa filha. Você quer conhecê-la?"

Depois de um sonoro "sim", Deb e Kevin combinaram de se encontrar na casa de Val. E, quando ambas o viram chegar, a filha recorda entre risos a reação da sua mãe biológica.

"Ela disse 'ah, mas como ele é bonito!'"

Deb ficou reservada, enquanto Val e Kevin interagiam. Mas ela acabou percebendo que o reencontro, na verdade, era entre eles e os deixou a sós. Eles se sentaram no carro e falaram durante horas.

Kevin e Deb em um evento ao ar livre

Crédito, Deb, Kevin e Val

Legenda da foto, Kevin e Deb ficaram separados por mais de 40 anos. Hoje, estão casados há 14 anos

Kevin relembra que, depois que contaram um ao outro tudo o que havia se passado nas suas vidas, ele confessou que nunca havia deixado de amá-la.

Deb, emocionada, respondeu que se, em seis meses, ele continuasse sendo a pessoa maravilhosa que ela recordava e havia acabado de reencontrar, eles poderiam continuar juntos.

"Seis meses e 14 anos depois, continua sendo incrível", conta Deb sobre o homem do qual precisou se separar por tanto tempo, mas com quem, agora, compartilha sua vida.

Mais de 40 anos depois dos seus planos frustrados de fugir para se casarem, Kevin e Deb finalmente contraíram matrimônio. Agora que ambos estão na casa dos 70 anos de idade, sua preocupação é se manterem satisfeitos e saudáveis, juntos.

"Somos capazes de cuidar e amar um ao outro durante esta etapa da vida. Sinceramente, não sinto falta de mais nada", conclui Deb.