Uma bandeira israelense e outra palestina penduradas em uma instalação de arame farpado. Ao fundo, a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, Brasil.

Crédito, PABLO PORCIUNCULA/AFP via Getty Images

Legenda da foto, Israel e o Hamas assinaram no Egito um primeiro acordo que prevê um cessar-fogo indefinido e a libertação tanto de reféns israelenses quanto de prisioneiros palestinos
    • Author, Alicia Hernández*
    • Role, BBC News Mundo
  • Há 8 minutos

O plano foi aprovado pelo gabinete do governo de Israel na noite de quinta-feira (9/10). O cessar-fogo entrou em vigor nesta sexta-feira (10/10), afirmam as Forças de Defesa de Israel (FDI).

A libertação dos reféns vivos deverá ocorrer em 72 horas.

O acordo chega após dois anos em que mais de 67 mil pessoas morreram devido aos ataques israelenses. Cerca de 1,2 mil pessoas morreram nos ataques do Hamas em 7 de outubro, nos quais outras 251 foram feitas reféns.

A ofensiva militar israelense destruiu a maior parte da infraestrutura de Gaza e provocou uma crise humanitária catastrófica. Nas palavras da comissão investigadora da ONU, Israel cometeu genocídio.

O Hamas e Israel estiveram negociando indiretamente nos últimos dias no Egito, com a mediação do Catar, da Turquia e dos Estados Unidos, com base em um plano de paz de 20 pontos apresentado pelo presidente americano, Donald Trump.

Com este acordo, prevê-se que o Hamas liberte os reféns israelenses, que Israel retire suas tropas (continuando a controlar 53% da Faixa de Gaza) e que a ajuda humanitária entre no território palestino.

Isso seria o "primeiro passo para uma paz sólida, duradoura e eterna", disse Trump em sua plataforma Truth Social.

Alguns detalhes, como os nomes dos detidos palestinos que serão libertados, ainda estão em discussão. E há uma forte oposição a este acordo dentro do gabinete israelense.

Na região e no mundo, há uma sensação de alívio coletivo.

No entanto, este é apenas um primeiro passo para o fim da guerra. A seguir, detalhamos os quatro pontos-chave dos quais depende o sucesso deste novo acordo e o fim da guerra.

1. Que nenhuma das partes rompa o cessar-fogo

A confiança entre ambas as partes é praticamente inexistente. E há motivos para que assim seja.

No mês passado, Israel tentou assassinar a equipe de negociação do Hamas com um ataque aéreo em Doha, o que enfureceu não apenas o Hamas, mas também Trump e o Catar, um mediador fundamental.

Em janeiro, já havia sido acordado um cessar-fogo, mas Israel o quebrou em março e retomou a guerra com ataques aéreos devastadores.

A justificativa dada por Netanyahu foi que o Hamas rejeitou as propostas israelenses nas negociações de cessar-fogo e, além disso, intensificou suas atividades para reagrupar suas forças.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (à esquerda), vestido com um terno azul escuro, camisa branca e gravata em tons de bordô. À direita, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, com terno azul marinho escuro, camisa branca e gravata azul clara.

Crédito, Win McNamee/Getty Images

Legenda da foto, Trump, aparentemente impaciente e irritado com Netanyahu, parece ter usado o poder que só os americanos têm para influenciar Israel.

O acordo assinado na quinta-feira prevê que o Hamas libere todos os reféns israelenses que mantém em cativeiro desde 7 de outubro de 2023 entre segunda e terça-feira.

E este é outro ponto fundamental, porque o Hamas sabe que, ao libertar os reféns, perderá sua influência nas negociações. A organização exigiu garantias de que Israel não retomará os combates após a libertação.

Em declarações feitas nesta quinta-feira, Khalil al Hayya, um membro proeminente do Hamas, disse ter recebido garantias dos EUA e dos outros países mediadores de que "a guerra acabou".

O que pode fazer a diferença neste caso para que nenhuma das partes rompa o cessar-fogo é o envolvimento pessoal de Donald Trump, que pressionou não só o Hamas, mas também Israel, para que se chegasse a um acordo.

Desta vez, Trump, aparentemente impaciente e irritado com Netanyahu, parece ter usado o poder que só os americanos têm para influenciar Israel, deixando o primeiro-ministro sem outra opção a não ser participar do processo.

Ameaçado por Trump com um "extermínio total", o Hamas também foi submetido a intensa pressão, e os países árabes e muçulmanos apoiaram o plano do presidente.

O Catar, o Egito e a Turquia participaram ativamente nas negociações e exerceram uma enorme pressão sobre o Hamas, convencendo até mesmo os comandantes mais radicais das suas fileiras de que agora era mais vantajoso libertar os reféns do que mantê-los em cativeiro.

Mantê-los cativos apenas prolongaria uma guerra que os enfraqueceu significativamente em todos os aspectos, embora não tenha destruído seu movimento.

Netanyahu classificou o anúncio como uma "vitória diplomática, nacional e moral para o Estado de Israel".

É importante destacar que, ao contrário do Hamas, sua declaração não afirmou que o acordo poria fim à guerra.

2. O desarmamento do Hamas

Ainda não há detalhes sobre o desarmamento do Hamas, um ponto importante do plano de Trump.

O Hamas já se recusou anteriormente a depor as armas. Afirmou que só o fará quando for estabelecido um Estado palestino.

O grupo, considerado terrorista pelos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia, declarou na época que não abriria mão de seu direito à "resistência e às armas" a menos que fosse estabelecido um "Estado palestino independente e totalmente soberano, com Jerusalém como sua capital".

Um grupo de jovens palestinos está em círculo com rostos alegres e segura um deles no alto, sobre os ombros de outro. O que está no alto tem o braço levantado, com uma grande expressão de alegria. Todos vestem roupas casuais, camisetas e calças esportivas. É noite.

Crédito, AFP via Getty Images

Legenda da foto, Os palestinos comemoram em Khan Yunis, após a notícia de um novo acordo de cessar-fogo em Gaza.

Ao mesmo tempo, o objetivo declarado de Israel durante a guerra tem sido a destruição do Hamas. Netanyahu afirmou repetidamente que não vai parar até acabar com o grupo.

No fim de semana passado, Netanyahu prometeu: "O Hamas será desarmado e Gaza será desmilitarizada, seja por bem ou por mal".

3. A retirada do exército israelense de Gaza

O alcance da retirada militar de Israel é um ponto controverso.

Essa é uma das principais exigências do Hamas, que pede especificamente a retirada total das forças israelenses de Gaza.

O plano acordado estabelece que o exército israelense se retirará de Gaza "com base em padrões, marcos e prazos" que devem ser acordados por todas as partes.

Um mapa divulgado pela Casa Branca mostrou três etapas propostas para a retirada das tropas israelenses.

A primeira etapa, que foi acordada na quinta-feira, deixa cerca de 53% de Gaza sob controle israelense; a segunda, 40%; e a última, 15%.

Esta etapa final consistiria em um "perímetro de segurança" que "permaneceria até que Gaza estivesse devidamente protegida contra qualquer ressurgimento da ameaça terrorista".

A redação aqui é vaga e não oferece um prazo claro para a retirada total de Israel, algo que o Hamas provavelmente desejará esclarecer.

4. Quem governará Gaza?

Outro ponto que pode causar tensões é quem governará a zona.

De acordo com o plano, estabelece-se que o Hamas não terá nenhum papel no futuro em Gaza.

A ideia é que Gaza seja governada por um órgão transitório temporário de tecnocratas palestinos, supervisionado por uma "Junta de Paz" liderada e presidida por Donald Trump e da qual participaria o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.

A governança da Faixa seria transferida em algum momento não definido para a Autoridade Palestina (AP), que governa na Cisjordânia, é reconhecida internacionalmente e é, além disso, o governo rival do Hamas.

Uma mulher é vista de frente abraçando o que parece ser um homem, de costas. Ela tem os olhos fechados e uma expressão que parece indicar alívio e tristeza ao mesmo tempo. O homem de costas usa uma camiseta preta de alças largas e tem várias tatuagens no braço direito.

Crédito, MAYA LEVIN/AFP via Getty Images)

Legenda da foto, As reações dos israelenses na Praça dos Reféns (Hostage Square) em Tel Aviv, em 9 de outubro de 2025, após a notícia de um novo acordo de cessar-fogo em Gaza.

Embora Netanyahu tenha aceitado na íntegra o plano de 20 pontos de Trump, ele pareceu rejeitar a participação da AP mesmo enquanto estava no pódio ao lado do presidente americano na semana passada, insistindo que a AP não teria nenhum papel no governo do território.

Este é um dos muitos pontos do plano que os ultranacionalistas linha-dura dentro da coalizão governante de Netanyahu contestariam, muitos dos quais desejam manter o controle de Gaza e reconstruir os assentamentos judeus lá.

Em sua resposta, o Hamas indicou que espera desempenhar algum papel no futuro em Gaza como parte de "um movimento palestino unificado". Embora a redação seja vaga, isso provavelmente será inaceitável tanto para Trump quanto para os israelenses.

Em um comunicado, o Hamas afirmou que "renova seu acordo de entregar a administração da Faixa de Gaza a um órgão palestino independente (de tecnocratas), com base no consenso nacional palestino e no apoio árabe e islâmico".

Netanyahu, por sua vez, reiterou sua oposição à criação de um Estado palestino.

Quem vive na Cisjordânia ocupada enfrenta a incerteza do que este acordo implicará para o seu futuro. E os políticos israelenses já estão planejando as próximas eleições e discutindo as próximas etapas deste acordo para garantir que nunca mais haja outro 7 de outubro.

Por enquanto, é importante lembrar que se trata de um cessar-fogo, não de um acordo de paz. E que ele é sustentado por um delicado equilíbrio que depende do cumprimento do acordo por ambas as partes.

*Com informações de Lyse Doucet, Hugo Bachega e Tom Bennett.