Mas o que a PUC-Rio fez de tão significativo para mudar aquele cenário deficitário? Em primeiro lugar, a universidade procurou estancar gastos. Padre Anderson contou que, ao assumir a reitoria, viu 200 profissionais com cartão de crédito em mãos. Em meio a enorme volume de gastos com pesquisa, diversas despesas fugiam ao controle.
"Certa vez, chegou uma conta de R$ 8 milhões de uma pesquisa feita por um professor", explica. "Reduzimos o número de cartões para 17 e passamos a usar cartões pré-pagos, que já vêm com um limite pré-definido." O padre ainda lembra que 70% dos departamentos da PUC-Rio eram deficitários, quando ele assumiu. Hoje, só ao redor de um terço deles ainda gasta mais do que arrecada, como, por exemplo, o curso de física, que "apesar de ter formado profissionais importantes e ter medalhas, não tem dinheiro e não paga nem a conta da luz", segundo disse. A mudança na gestão, no entanto, não passa pelo fechamento de cursos deficitários. "Não podemos cair na narrativa de que olhar para a parte financeira e o fluxo de caixa significa acabar com a excelência da universidade."

Padre Anderson decidiu contratar uma consultoria externa para modernizar a gerenciamento da instituição. Como resultado, a PUC-Rio criou um departamento de controladoria, que deu transparência e fixou parâmetros para os gastos. Outra área implantada nesse choque de gestão foi o compliance, que fiscaliza atividades dentro da instituição para evitar conflitos de interesses, denúncias de assédio e desvios financeiros, por exemplo. Somente a troca na administração do plano de saúde rendeu uma economia de R$ 4 milhões por ano à "empresa".
"Com isso, conseguimos aumentar o subsídio dos planos de saúde aos profissionais com menores salários, que agora contribuem com algo ao redor de R$ 10 por mês e antes não tinham acesso ao plano", afirmou o reitor.
Outro ponto atacado pela nova gestão foi a distribuição sem critérios de bolsas de estudo. Antes, afirmou o padre, as subvenções nas mensalidades eram oferecidas até a estudantes que podiam pagá-las. Com consideráveis variações entre áreas como letras e engenharia, passando por direito, economia e psicologia, os cursos na PUC carioca custam, em média, R$ 5.000 mensais.
"Chegamos a ter 40% de alunos com bolsa integral ou quase integral", afirmou o reitor. "Para corrigir isso, foi implementado o sistema Open Finance para avaliar a real necessidade dos alunos." O reitor faz uma analogia com o sistema criado pelo Banco Central em que clientes abrem suas contas ao mercado financeiro, compartilhando informações, em busca de taxas mais atrativas. O resultado não só melhorou a receita como permitiu que mais alunos tivessem acesso a mensalidades com preços reduzidos.
A busca por atrair mais alunos passou pela decisão de implantar cursos tradicionais que estavam ausentes da PUC-Rio, como medicina e farmácia, mas também de carreiras ligadas a inovação, como IA e sustentabilidade. Nenhum curso foi fechado como parte do choque de gestão.
Professores e funcionários elogiam medidas
Professores, funcionários e alunos concordam que a situação financeira da universidade era delicada. Como o próprio Padre Anderson comparou, a "PUC-Rio estava na UTI, passou por uma internação e agora voltou para a casa, mas ainda precisa de cuidados e de acompanhamento".
"Consideramos bem-vindo que a PUC reavalie uma série de questões em relação à gestão universitária. Não nos opomos de forma alguma à ideia de mais transparência", afirma o diretor da Associação dos Docentes da PUC-Rio, Sergio Martins, professor do curso de História. "Mas temos reivindicações, claro. A principal delas é a universidade dar previsibilidade para os professores horistas e repor as vagas dos professores aposentados."
Professora de Finanças no Departamento de Administração, Naielly Marques afirma que "o cenário é positivo e que os professores e funcionários estão motivados" com o choque de gestão. "A universidade vem incentivando estratégias pedagógicas inovadoras e a reestruturação de currículos para atrair as novas gerações, além de manter a alta qualidade", comenta Naielly, que dirige o Gênesis, uma incubadora de startups da PUC-Rio da qual saiu, no ano passado, a ngcash, fintech desenvolvida por alunos e que este ano ganhou uma injeção de capital de R$ 150 milhões, passando a atuar na região da Faria Lima, em São Paulo.
Davison Coutinho, presidente da AFPUC-Rio, a associação dos funcionários, também aprovou as reformas. "As mudanças eram necessárias para a sustentabilidade universidade e para a preservação de empregos", comentou Coutinho. No entanto, ele lembra que ainda há desafios na relação PUC-funcionários, como aprimoramento do plano de cargos e salários.
Já, com lideranças estudantis, a relação entre reitoria se mostrou mais conflituosa. Os alunos consideram Padre Anderson autoritário e que vem promovendo um estrangulamento do movimento estudantil na PUC-Rio. "Ele se comporta como um CEO, tomando decisões de cima para baixo e virando as costas para os estudantes", disse uma delas, que pediu para não ser identificada.
De qualquer modo, foi esse jeito executivo do Padre Anderson que encantou "celebridades" que participam do ecossistema da PUC-Rio, como o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, o presidente do BID, Ilan Goldfajn, e o ex-presidente do Banco Central e megainvestidor Armínio Fraga.
O que aprender com a PUC-Rio?
A pedido do UOL, o coordenador de inovação e consultoria do Sebrae Rio de Janeiro, Daniel Guimarães, analisou ponto a ponto as mudanças na gestão na PUC-Rio. O objetivo era saber se seria possível transpô-las para o universo de uma empresa de médio ou pequeno porte que esteja passando por uma crise financeira. A resposta foi: sim!
"Embora uma pequena empresa não tenha 200 cartões, a lição é gerir corretamente as finanças, identificar desperdícios e fazer os cortes necessários para a saúde financeira, separando as contas PJ e PF", afirma Guimarães.
A contratação do Sebrae, por exemplo, poderia ter o mesmo efeito que a consultoria externa mencionada teve na PUC. "O Sebrae pode ajudar a aferir o custo do produto através do programa Sebraetec, que oferece orientação para a ficha técnica e a precificação do produto, algo que o pequeno empresário costuma não saber definir. Isso permite mensurar o custo, definir a margem de lucro e o preço de venda, inclusive dando descontos somente no momento certo e não indiscriminadamente."
Com relação aos processos revistos pela PUC, a analogia é: "Se o pequeno negócio for um restaurante, é muito recomendado otimizar o processo desde a cozinha até a prateleira, evitando repetições ou múltiplas pessoas fazendo a mesma coisa."
Para uma empresa que enfrenta dívidas, Guimarães sugere, como na PUC, um diagnóstico que avalie a saúde financeira e adote medidas imediatas. "Uma sugestão é a introdução do nosso programa ALI (Agente Local de Inovação) no negócio. Ele envia um agente por seis meses para fazer um 'radar de inovação', identificando problemas e atuando para aumentar a produtividade", explica Guimarães.
"É essencial ter um planejamento estratégico, com visão, missão, objetivos, e as decisões precisam levar em conta dados e indicadores, inclusive financeiros. Para empresas novas, sugere-se análise de mercado. Para empresas existentes, analisar o histórico de vendas (meses de maior e menor venda) e criar promoções ou novos produtos para meses de baixa." Guardadas as diferenças, foi exatamente o receituário da PUC-Rio.

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4 semanas atrás
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