Os pés de uma mãe e filha numa rede

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Legenda da foto, Apesar da importância dos pés, muitos simplesmente esquecem que eles existem
    • Author, Rafael Abuchaibe
    • Role, BBC News Mundo
  • 9 agosto 2025, 19:25 -03

    Atualizado Há 4 minutos

Os pés são obras fascinantes de engenharia biomecânica.

Dentro de uma estrutura triangular surpreendentemente forte vivem 26 ossos, 33 articulações e mais de 100 músculos, ligamentos e tendões que trabalham juntos para mantê-los firmes, amortecer os passos e impulsionar o corpo para a frente.

"Trata-se de uma estrutura pequena, mas muito complexa: diversas partes trabalham em uníssono para que possamos absorver impactos e transmitir forças para todo o corpo", detalha a podóloga e médica esportiva Josefina Toscano à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

E, apesar da importância dessas estruturas, na maioria das vezes nem pensamos nelas.

"A maioria das pessoas está acostumada a se preocupar apenas com os calçados, mas não entende que os pés têm uma função específica", disse a treinadora de alto desempenho Alicia García.

"Quando você explica tudo o que passa pelos pés de alguém, isso muda a vida dela", complementa ela.

A boa notícia é que, com algumas mudanças de hábitos e exercícios simples, os pés podem ganhar mais força e controle rapidamente.

Entenda a seguir o que os pés fazem, como eles se conectam ao resto do corpo, o que acontece dentro dessas estruturas, qual o papel dos calçados — e três exercícios práticos para começar a fortalecê-los hoje mesmo.

Força nos pés

Um pé saudável é rígido e flexível.

"Ele é um triângulo que deve ser rígido para a propulsão ao caminhar e, ao mesmo tempo, ser capaz de flexionar para amortecer o impacto", diz Toscano.

Esse movimento ocorre sempre que damos um passo: quando levantamos os dedos dos pés (especialmente o dedão), o arco do pé se eleva no que é conhecido como mecanismo de guincho, ao criar tensão e gerar eficiência para a impulsão.

Quando aterrissamos, o arco cede o suficiente para amortecer o impacto.

Nessa arquitetura, a fáscia plantar atua como um cordão forte que conecta os três vértices desse triângulo: o dedão, o mindinho e o calcanhar.

"A fáscia determina se o pé é elástico, absorve impactos e nos permite manter o equilíbrio", disse García.

Quando essa estrutura perde o tônus ou o arco cede, o sistema começa a distribuir mal as cargas, e as demais articulações precisam compensar.

Uma ilustração mostrando os músculos e ossos dos pés

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Legenda da foto, Problemas com a fáscia, o tecido conjuntivo da sola do pé, são geralmente conhecidos como fascite plantar

O pé também tem a função de estabilizar.

Quanto mais estável for o suporte, melhor será o funcionamento de tudo o que é colocado sobre ele: tornozelos, joelhos, quadris e coluna, lista Toscano.

É por isso que um pé com bom amortecimento e a capacidade de se enrijecer quando necessário não só torna o caminhar mais fluido, como também previne dores nas costas.

Como se não bastasse, os pés também são um órgão sensorial.

"As terminações nervosas dos pés se conectam com o cérebro e fornecem informações para nos posicionarmos. Com os olhos fechados, dependemos exclusivamente desses sinais", lembra García.

Isso é o que se conhece como propriocepção: o sistema que antecipa os ajustes que o corpo precisa fazer para evitar quedas.

Em pessoas com problemas de propriocepção, tropeços bobos terminam em tombos graves.

Para García, existe um teste simples que pode ser feito para avaliar a saúde dos pés.

"Há um exercício que pratico bastante todos os dias: estabilidade em um único apoio."

"Basicamente, você fica sobre um pé, levanta a outra perna, e fica assim por pelo menos 30 segundos ou 1 minuto", descreve ela.

Alicia García sobre uma perna

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Legenda da foto, García garante que pés saudáveis devem ser capazes de aguentar sobre uma perna sem problemas por pelo menos 30 segundos

"Se você atualmente não consegue ficar em pé sobre uma perna por 30 segundos ou um minuto, ou isso exige um esforço enorme, então é necessário trabalhar muito mais esses pés", complementa ela.

Cadeias de movimento

Um jovem caindo de um skate

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Legenda da foto, Os pés devem ser fortes e flexíveis para amortecer todos os tipos de quedas

Os pés são os responsáveis pelo primeiro passo na cadeia cinética do movimento.

Para explicar esse papel, Toscano divide os músculos dos pés em dois tipos: os músculos intrínsecos, que se originam e se inserem dentro do pé, e os músculos extrínsecos, que se originam na perna e se estendem para dentro do pé.

"Os músculos intrínsecos sustentam o arco plantar; os músculos extrínsecos fornecem grande parte da estabilidade do tornozelo e ajudam a elevar o arco. Eles trabalham em coordenação", diferencia ele.

Isso significa que, quando uma parte do pé não está fazendo sua função, outra deve intervir para substituí-lo.

"Se uma estrutura não está funcionando hoje, ela 'pede' para a outra fazer sua parte. E essa outra fará o melhor que puder mas, a médio prazo, ocorre uma lesão por uso excessivo", explica Toscano.

Ilustração 3D mostrando os músculos das pernas

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Legenda da foto, Os pés têm músculos intrínsecos, que trabalham apenas na parte interna dessa parte do corpo, e outros que se conectam com o resto da perna

Na prática, um pé hiperpronado (que "cai" excessivamente para dentro) empurra o joelho para dentro.

Isso gera o que é conhecido como valgo dinâmico, que pode, em última análise, causar dor no joelho ou no quadril.

"Vemos muitas patologias de joelhos cuja origem não está no joelho em si, mas na falta de função e de estabilidade do pé", diz Toscano.

Para García, esses tipos de problemas são comuns em muitos dos corredores com quem ela treina: esses atletas têm força da cintura para cima, mas falta trabalhar a musculatura nas extremidades inferiores.

"Eu os coloco em um único suporte e eles não conseguem manter o equilíbrio. Aí vêm as torções, as tendinopatias, a condromalácia, a dor lombar... Tudo começa com os pés", observa ela.

E você não precisa sofrer uma lesão para perceber que algo não vai bem.

Toscano diz que sinais como falta de equilíbrio, torções frequentes no tornozelo ou sensação de fadiga exagerada nas pernas podem sugerir que os pés não estão tolerando bem as cargas.

Para García, há também uma desconexão com o corpo que está relacionada a um elemento cultural.

"Não movemos os dedos, nem temos consciência de que eles estão se mexendo. Recuperar essa consciência já muda a maneira como andamos."

O calçado ideal

Tênis

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Legenda da foto, Calçados com muito amortecimento podem causar problemas em pés saudáveis, dizem especialistas

Já que os pés são tão importantes, que tipo de calçado devemos usar para manter a saúde deles?

Isso depende de cada indivíduo e de quaisquer condições potenciais que possam afetar essa parte do corpo — embora Toscano afirme que há evidências de que calçados com muito amortecimento podem causar problemas em pés saudáveis.

"Tênis com amortecimento excessivo e materiais macios podem isolar o pé do chão, prejudicar a propriocepção e torná-lo mais instável", alerta a especialista.

Mas esse amortecimento pode ser uma ferramenta ideal para pessoas que já apresentam certas fragilidades.

"No entanto, em pés hiperinstáveis ou com certos problemas, ter mais amortecimento pode ser um aliado. Devemos diferenciar perfis e contextos."

Para García, é importante prestar atenção ao ajuste do calçado, garantindo que ele não esteja muito apertado.

"Os calçados são um dos problemas que mais enfraquecem o pé. Se você faz exercícios descalço, mas depois aperta os pés em uma área muito estreita, pode inutilizar os músculos."

Palmilhas de sapatos

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Legenda da foto, Tente medir os pés com a ajuda das palmilhas dos sapatos que você possui: se eles ficarem para fora, esses calçados podem ser estreitos demais para seus pés

García sugere fazer um teste em casa com os calçados que você já tem: remover a palmilha e comparar a largura dela com a dos seus pés descalços.

Se os seus pés ficam muito apertados, ou o formato do calçado empurra os dedos "para dentro", isso pode gerar joanetes.

No caso dos saltos altos, García diz que tudo depende do uso.

"Usar salto alto por alguns dias não 'mata os pés'. O problema é a dose e ter que usá-lo a semana toda com sapatos rígidos, estreitos e muito altos."

Toscana diz que adotou muitas práticas típicas do movimento descalço (como sapatos planos, flexíveis e largos) para melhorar a propriocepção do pé.

Mas ela acrescenta que essas não são as únicas opções.

"Nem todo mundo precisa da mesma coisa. Em alguns casos, um modelo minimalista funciona; em outros, o amortecimento é melhor."

A regra de ouro aqui é: escolha um calçado que permita a expansão de todo o pé e respeite os dedos.

Também vale reconhecer que, a depender da atividade e da condição, o tipo de tênis ou sapato deve ser diferente.

Como fortalecer os pés

Uma pequena bailarina na cozinha

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Legenda da foto, Para ter pés fortes, é preciso dar passo a passo

As especialistas concordam que, para começar a fortalecer os pés, existem alguns exercícios básicos que podem ser realizados a qualquer momento e que fazem a diferença no dia a dia.

Alicia García mostra como seu pé se movimenta com a bola

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Legenda da foto, É possível usar uma bola para massagear a sola dos pés. Para melhores resultados, prefira uma garrafa de água congelada

1. Massagem da fáscia com uma bola (ou com uma garrafa congelada)

Em pé ou sentado, coloque uma bola dura (de tênis ou de golfe) sob o pé descalço.

Role o objeto da base dos dedos até o calcanhar por um minuto. Procure pontos sensíveis e respire.

Para um desafio mais eficaz, use uma pequena garrafa de água congelada. O frio potencializa o efeito e gera relaxamento.

"Se um ponto doer mais, permaneça ali por alguns segundos. Isso indica onde está a tensão", aponta García.

Alicia García amassa uma toalha com os pés

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Legenda da foto, Agarrar e estender uma toalha com os pés é um dos exercícios mais fáceis que podemos fazer para fortalecê-los

2. "Agarrar" a toalha para ativar os dedos e o arco

Coloque uma toalha pequena no chão e apoie um dos pés sobre ela.

Abra os dedos e, como se o pé fosse uma garra, amasse a toalha para dentro; depois, desdobre-a novamente.

Repita esse exercício dez vezes em cada pé.

O segredo é sentir como, ao flexionar os dedos, o formato de um arco é criado na parte interna do pé.

"Isso é difícil de fazer no início, porque não movemos os dedos, mas a conexão retorna rapidamente", diz García.

Alicia García mostra como andar na ponta dos pés

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Legenda da foto, Andar na ponta dos pés e levantar os calcanhares são dois exercícios essenciais para fortalecer os pés

3. Andar na ponta dos pés e elevar os calcanhares

García destaca que um dos exercícios mais simples — e que até "te leva de volta à infância" — é andar na ponta dos pés.

"Andar na ponta dos pés, descalço, é essencial", explica ela.

A ideia é fazer esse movimento lentamente, com os calcanhares elevados, caminhar alguns metros e manter o equilíbrio a cada passo.

Se você for devagar, cada pé terá que suportar seu peso todo por alguns segundos, e o trabalho de força e estabilidade aumenta.

Quando esse gesto parecer confortável, é possível transformá-lo em uma progressão: use a borda de um degrau e faça elevações de calcanhar, com subidas e descidas de forma controlada.

"Se você tivesse que fazer apenas um exercício para os pés, seria ficar na ponta dos pés em um degrau", avalia Toscano.

Você pode começar com séries curtas, segurando-se em um corrimão se necessário, e se concentrar em subir e descer bem devagar.

As duas variações treinam os mesmos elementos necessários para se mover melhor: força da panturrilha, ativação do arco e equilíbrio.

Alguns minutos por dia fazem a diferença: o segredo é consistência e técnica cuidadosa antes de aumentar a quantidade ou a velocidade.