O tema é absolutamente sensível porque as decisões da corte máxima vão reverberar sobre uma série de políticas de proteção social ligadas à CLT: da Previdência, passando pelo Sistema S, chegando à política habitacional.
Dos CLTs, apenas 2,5% ganham mais de R$ 15 mil
Primeiro, vamos às estatísticas. Atualmente, o Brasil conta com 45,1 milhões de trabalhadores com carteira assinada.
Desse total, oito a cada dez ganham até cinco salários mínimos (R$ 7.590), e apenas 2,5% recebem mais de dez pisos — ou seja, uma remuneração mensal superior a R$ 15 mil. Os dados foram compilados pelo site Poder 360 com base em dados oficiais da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do governo federal.
Embora esses valores nem de longe possam ser considerados baixos para a realidade do país (basta lembrar que, segundo o Censo de 2022, 68% de todos os trabalhadores ganham até dois salários mínimos), o fato é que os brasileiros do andar de cima da pirâmide social têm, cada vez menos, a carteira de trabalho assinada.
Isso se deve sobretudo ao avanço da pejotização (quando pessoas físicas viram pessoas jurídicas e passam a emitir nota fiscal de prestação de serviços) e de suas derivações, como o regime de MEI (Microempreendedor Individual).
Para diversas autoridades, a pejotização é uma burla à CLT para reduzir custos de contratação e driblar direitos, como férias remuneradas e licença-maternidade. Já para os trabalhadores, é essencialmente uma forma de pagar menos impostos.
Um jornalista celetista com salário de R$ 10 mil está enquadrado na alíquota de 27,5% de Imposto de Renda. Um pejotizado, por sua vez, fica na faixa dos 6%.
Já o advogado que no papel é sócio, mas na vida real é empregado de um escritório, não recolhe um centavo sequer em imposto de renda, já que lucros e dividendos são isentos de tributação no país.
FGV: R$ 144 bi será o impacto da pejotização sobre contas públicas
Como se vê, o problema não é necessariamente a legislação trabalhista, mas o amplo leque de subterfúgios que, ao longo de décadas, tornaram a CLT cada vez menos atraente.
Se inicialmente essa era uma tendência típica dos trabalhadores de renda mais alta, agora o fenômeno vem se espraiando para a base da pirâmide.
Segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho, das 4,8 milhões de pessoas que deixaram o regime CLT para virar PJ, entre janeiro de 2022 e outubro de 2024, 93% ganhavam menos de R$ 6 mil.
A consequência dessa 'desarquitetura' é o completo desarranjo das contas públicas — o que, em última instância, também ajuda a explicar a taxa de juros exorbitante praticada no país.
Menos gente formalizada como empregado CLT implica menos arrecadação. Um estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas) calcula em até R$ 144 bilhões a perda de arrecadação em uma década decorrente do avanço da pejotização.
Não à toa, o economista Nelson Marconi, professor da FGV e coordenador da pesquisa, já disse em entrevista a esta coluna que é preciso promover equilíbrio. "A tributação sobre o Simples [regime em que se enquadra boa parte das PJs] é muito baixa e a outra [sobre a CLT] é muito alta", afirmou.
Se trilhar o caminho do "libera geral" às contratações alternativas à CLT, como já sinalizaram alguns ministros, o STF pode sacrificar muito mais que direitos trabalhistas.
A carteira assinada é essencial para compor o caixa da Previdência (que paga aposentadorias), do Sistema S (que capacita trabalhadores por meio do Senai), e da política habitacional (que usa o FGTS para financiar a compra da casa própria).
Convencer jovens sobre a importância de um amplo guarda-chuva de proteção social, garantindo direitos que muitos só vão acessar em décadas, não é de fato uma tarefa trivial — sobretudo em uma época marcada por discursos sedutores, mas para lá de questionáveis, sobre empreendedorismo.
Dependendo do que decidir, o STF pode afastar de vez as futuras gerações da CLT.
Opinião
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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