Gôndola de mercado contendo frascos de suplementos à venda

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Legenda da foto, Cientistas estão investigando os efeitos da creatina sobre o nosso humor e cognição
  • Author, Jessica Bradley
  • Role, BBC Future
  • Há 28 minutos

Essa substância é associada, há muito tempo, ao aumento do desempenho e resistência durante exercícios físicos. Por isso, os fisiculturistas costumam consumi-la na forma de creatina mono-hidratada.

Mas esse composto não é útil apenas para as pessoas que procuram aumentar os seus músculos.

A creatina é um ingrediente químico vital. O nosso corpo produz naturalmente a substância no fígado, rins e no pâncreas e ela é armazenada no cérebro e nos músculos.

A creatina que produzimos, normalmente, não é suficiente para as nossas necessidades. Por isso, a maioria das pessoas recorre a fontes externas.

Certos alimentos, como carne e peixes oleosos, contêm alto teor do nutriente.

A creatina ajuda a administrar a energia disponível para nossas células e tecidos. E existem evidências recentes de que algumas pessoas podem se beneficiar da suplementação de creatina.

Seja para reduzir a fadiga pós-viral, promover as funções cognitivas em pessoas que sofrem de estresse ou até para melhorar a memória, os suplementos de creatina podem fornecer impulsos cognitivos significativos para algumas pessoas.

Com todos esses benefícios, será que o seu corpo tem creatina suficiente à disposição? E quando pode ser uma boa ideia tomar um suplemento?

O professor Roger Harris (1944-2024), da Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, descobriu os benefícios da suplementação de creatina nos anos 1970. E, desde então, a creatina se estabeleceu no mundo esportivo.

Diversas pesquisas relacionaram a substância a melhorias das nossas funções físicas. Mas, nas últimas duas décadas, estudos começaram a revelar outros possíveis benefícios à saúde dos suplementos de creatina.

Uma das maiores áreas de pesquisa inclui as funções cognitivas. Afinal, a creatina participa da neogênese – a formação de novos neurônios no cérebro.

O cientista e pesquisador Ali Gordjinejad, do centro de pesquisas Forschungszentrum Jülich, na Alemanha, começou a observar a existência de estudos relacionando a suplementação de creatina à memória de trabalho e de curto prazo de pessoas privadas do sono.

Ele, então, constatou que aqueles estudos sugeriam que as pessoas precisavam tomar creatina por semanas ou meses para ter eventuais benefícios.

"Considerava-se que a absorção de células de creatina pelo corpo é marginal", explica Gordjinejad. "Por isso, ela não funcionaria para apenas uma noite de privação do sono."

"Até que fizemos o nosso estudo."

Quadro na parede com ilustração de bebê dentro do útero e outras informações médicas

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Legenda da foto, Acredita-se que a creatina possa ajudar a proteger os bebês antes do parto, contra a falta de oxigênio no útero

Ele recrutou 15 pessoas e ofereceu a elas um suplemento de creatina, ou um placebo, às seis horas da tarde.

Em seguida, Gordjinejad testou o desempenho cognitivo dos participantes a cada duas horas e meia, até nove horas da manhã. Os testes incluíram seus tempos de reação e memórias de curto prazo.

Gordjinejad concluiu que a velocidade de processamento era muito maior no grupo com creatina, em comparação com o grupo placebo.

O pesquisador não sabe exatamente por quê, mas ele suspeita que a privação de sono e as tarefas cognitivas colocam os neurônios dos participantes sob tensão, o que faz com que o corpo absorva maior quantidade de creatina.

"Se houver alta demanda de energia das células, a fosfocreatina [que fornece energia para curtas explosões de esforço] entra em ação como um reservatório de energia", explica Gordjinejad. E ele destaca que a creatina da alimentação pode ajudar a reabastecer essa reserva.

O estudo de Gordjinejad foi pequeno. Mas ele acredita que suas conclusões demonstrem que a creatina, potencialmente, pode ajudar a superar os efeitos negativos da falta de sono – mas apenas no curto prazo, até você dormir de novo.

É preciso ressaltar que os participantes do estudo consumiram dez vezes a dose diária recomendada de creatina.

Cada participante recebeu 35 g, ou cerca de meio copo cheio do suplemento em pó. Não tente fazer isso em casa.

Essa dose, segundo Gordjinejad, colocaria em risco pessoas com problemas renais e pode causar dores de estômago na população em geral. O pesquisador pretende realizar um estudo similar, oferecendo aos participantes doses mais baixas.

Ele espera que, no futuro, a creatina possa ser utilizada dessa forma por pessoas que passam por um período prolongado acordadas, como profissionais de serviços de emergência ou estudantes em época de provas.

Mas Terry McMorris, professor emérito da Universidade de Chichester, na Inglaterra, realizou uma análise de 15 estudos em 2024. Ele concluiu que as pesquisas realizadas até então não sustentam a teoria de que suplementos de creatina podem melhorar as funções cognitivas.

Três fisiculturistas de costas fazem exercícios para ganhar músculos

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Legenda da foto, A creatina é principalmente armazenada nos tecidos musculares e no cérebro, onde serve de fonte de energia facilmente acessível

Mas McMorris afirma que isso pode ocorrer porque os estudos que ele observou utilizaram diversos regimes de suplementos de creatina.

O professor também explica que muitos estudos se basearam em testes cognitivos desatualizados. "Alguns datam dos anos 1930 – são fáceis demais, não forçamos suficientemente as pessoas."

Por isso, embora afirme que não existem evidências suficientes para tirar conclusões, McMorris acredita que esta é uma área que precisa de mais pesquisas.

Além do desempenho cognitivo

Uma razão pode ser que a creatina pode ter efeito protetor antioxidante, que pode ajudar o corpo a suportar o efeito dos fatores de estresse.

Um estudo recente envolvendo 25 mil pessoas concluiu que, entre os participantes com 52 anos de idade ou mais que receberam os níveis mais altos de creatina na sua alimentação, cada 0,09 g adicionais de creatina (quantidade média de dois dias) foram relacionados a uma redução de 14% do risco de câncer.

Os pesquisadores concluíram que, ao longo de oito semanas, seus sintomas melhoraram mais do que entre as pessoas que receberam a mesma terapia, sem administração de creatina.

"Uma razão que pode fazer a creatina ajudar as pessoas com depressão é o seu emprego, em grau significativo, para a produção e uso de energia no cérebro", explica o professor de graduação em nutrição esportiva Douglas Kalman, da Universidade Internacional da Flórida, nos Estados Unidos.

"Se os níveis de creatina forem baixos, isso afeta a produção de energia no cérebro e também os níveis de neurotransmissores" – os sinais químicos que permitem que as células nervosas se comuniquem entre si. E isso, por sua vez, pode alterar o humor das pessoas.

Essa descoberta pode ser especialmente importante para os veganos, segundo o professor de nutrição Sergej Ostojic, da Universidade de Agder, na Noruega.

Pesquisas indicam que esse grupo apresenta maior risco de depressão. E a creatina pode ser um fator para isso, explica ele, pois os estudos concluíram que os veganos possuem menos creatina nos músculos do que as pessoas que seguem dietas onívoras.

Existem pesquisas que indicam que a creatina poderá ajudar até mesmo em condições crônicas.

Em 2023, Ostojic e seus colegas da Universidade de Novi Sad, na Sérvia, testaram os efeitos de suplementos de creatina em 19 pacientes com covid longa.

Os pesquisadores forneceram 4 g de creatina para metade dos participantes e placebo para a outra metade. Eles monitoraram seus sintomas e os níveis de creatina no cérebro e nos músculos.

Depois de seis meses, a equipe concluiu que os participantes que receberam maior quantidade de creatina apresentaram melhora dos sintomas, incluindo redução do nevoeiro mental e das dificuldades de concentração.

Quanto mais grave a doença, menores eram os níveis de creatina no corpo no início do estudo.

"A hipótese foi que o cérebro, com o estresse da covid longa, esgota os níveis de creatina, que é uma substância fundamental para o fornecimento de energia", explica Ostojic.

Ele conclui que a creatina não é a cura da covid longa, mas pode fornecer benefícios.

E existe mais trabalho pela frente. Ostojic quer compreender melhor possíveis diferenças de gênero que entram em jogo em relação à creatina e condições como a covid longa.

Devido às flutuações hormonais, acredita-se que o transporte, a biodisponibilidade e a síntese de creatina no corpo possam mudar ao longo da vida da mulher.

O professor destaca que as mulheres tendem a perder mais creatina pela urina e ter níveis mais baixos de massa muscular, em relação aos homens. E, como é nos músculos que é armazenada a maior parte da creatina, faz sentido que as mulheres tenham menos creatina no corpo.

"Minha sensação preliminar é que as mulheres com covid longa podem reagir melhor à suplementação de creatina [do que os homens]", segundo Ostojic.

O ciclo de vida

Uma alteração recente das pesquisas sobre a creatina é que o seu papel, agora, está sendo examinado ao longo de todo o ciclo de vida da pessoa, segundo Kalman.

As células e tecidos do nosso corpo usam creatina como fonte de energia em todos os estágios da reprodução, segundo a pesquisadora Stacey Ellery, do programa Peter Doherty de início de carreira do Conselho Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde (NHMRC, na sigla em inglês) na Universidade Monash, na Austrália.

A influência da creatina na reprodução inclui fatores como a mobilidade do esperma, o desenvolvimento uterino e da placenta, o crescimento fetal e o leite materno.

A creatina também pode exercer papel importante na redução dos danos causados pela falta de oxigênio, segundo Ellery, como pode acontecer com fetos durante o parto ou no útero.

A falta de oxigênio pode restringir a capacidade das células de gerar energia suficiente em tecidos cruciais, como a placenta e o cérebro do feto. Isso pode retardar seu crescimento ou prejudicar sua saúde a longo prazo, explica ela.

"Os suplementos podem amplificar a creatina disponível para que as células produzam energia durante a escassez de oxigênio", explica Ellery.

"A comparação é com carregar uma bateria de reserva para uma tomada elétrica. Manter as células energizadas reduz o risco de danos sérios ao bebê em desenvolvimento."

Recipiente de plástico cheio de suplemento de creatina em pó

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Legenda da foto, A creatina se tornou um suplemento popular entre as pessoas que procuram construir músculos – mas ela também pode trazer outros benefícios

A creatina pode ser fundamental para complicações na gravidez.

Mas a segurança da suplementação de creatina durante a gravidez ainda não foi estudada diretamente em seres humanos. Por isso, é importante discutir eventuais suplementos alimentares com seu médico, antes de tomá-los.

A mãe parece enviar maiores níveis de creatina para o bebê durante trabalhos de parto longos e difíceis, segundo Ellery – e níveis mais baixos no sangue da mãe durante os últimos meses de gravidez foram relacionados à maior incidência de natimortos, partos prematuros, nascimento de bebês menores e internação em terapia intensiva.

Mas não se sabe ao certo por que isso acontece, nem se a suplementação de creatina seria benéfica.

As pesquisas nesta área estão em seu estágio inicial. Mas Ostojic publicou recentemente os primeiros cálculos da ingestão diária recomendada de creatina para bebês com até 12 meses de idade.

Ele estimou que os bebês alimentados exclusivamente com leite materno precisam de 7 mg por dia até o seis meses de idade e 8,4 mg por dia entre sete e 12 meses. Ostojic ressalta que são necessários mais dados a respeito.

No outro lado do ciclo da vida, a creatina também pode beneficiar nossa saúde muscular no caso de sarcopenia, uma condição relativa à idade que reduz a resistência e a massa muscular.

"À medida que as pessoas envelhecem, elas têm menos tono muscular", explica Kalman. "E estudos demonstraram que a creatina pode ajudar a reduzir a sarcopenia."

Temos creatina suficiente no corpo?

Cada vez mais evidências indicam que a maioria das mulheres que mantêm dieta ocidental não ingere alimentos ricos em creatina em quantidade suficiente, segundo Ellery.

Um estudo recente concluiu que seis a cada 10 mulheres não consumiram a ingestão diária de creatina recomendada pelos pesquisadores (13 mg por kg de massa do corpo por dia) e cerca de 20% das mulheres grávidas não consumiram nenhuma quantidade de creatina.

Mas não existem recomendações oficiais de saúde pública relativas à ingestão diária de creatina.

A maioria das pessoas consegue creatina da alimentação, segundo Ostojic. Mas os veganos podem correr o risco de não ingerir quantidade suficiente.

A creatina é um composto de ocorrência natural no corpo. Isso significa que ela não é definida como "essencial".

Os nutrientes essenciais não podem ser sintetizados pelo corpo e, portanto, devem ser fornecidos pela alimentação.

Mas alguns pesquisadores, como Ostojic, defendem que a creatina deveria ser classificada como semiessencial, pois nós aparentemente não conseguimos sintetizá-la em quantidade suficiente.

"Dois estudos indicam que as pessoas que não conseguem creatina da alimentação possuem níveis inferiores de creatina nos seus músculos, o que sugere que elas não conseguem a substância em níveis ideais", explica Ostojic.

A creatina não é uma bala de prata, segundo ele, mas deveria ser avaliada adequadamente. E a população deveria receber orientações baseadas em evidências científicas.

Apesar de ser tema de muitos estudos e de estar em falta na dieta de muitas pessoas, as pesquisas sobre os benefícios da creatina à saúde ao longo de toda a nossa vida ainda estão nos seus estágios iniciais.

Pesquisadores como Ellery têm esperança de que o crescente interesse acadêmico pela creatina, em algum momento, se traduza em interesse de saúde pública. Com isso, passaremos a saber quais grupos populacionais se beneficiariam dos suplementos de creatina.

Os riscos da ingestão de creatina

Algumas pessoas podem se beneficiar da suplementação de creatina, mas ela também pode trazer efeitos colaterais, como retenção de líquidos, cãibras musculares e náuseas.

A creatina também não é indicada para algumas pessoas, como os portadores de problemas renais ou hepáticos, ou que tomam certas medicações.

A creatina é geralmente considerada segura e bem tolerada, mas já houve casos raros de eventos adversos importantes associados ao suplemento, como insuficiência renal.

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