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Deputados de SP financiam contratos de entidade de karatê com indícios de sobrepreço milionário

Uma entidade de karatê recebeu desde 2023 mais de R$ 18 milhões via emendas parlamentares estaduais de São Paulo para promover competições esportivas e oferecer aulas de lutas marciais.

A Folha analisou as prestações de contas encaminhadas pela Confederação Brasileira de Karatê Interestilos ao governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e identificou indícios de sobrepreço de cerca de R$ 1,7 milhão na contratação dos fornecedores.

Entre os exemplos, um kit lanche cujos itens somados são encontrados em um site de atacado por R$ 5,13 foi adquirido por R$ 12,96; garrafas de água de 500 ml contratadas em média por R$ 0,95 custaram R$ 2,59; e a locação de uma cadeira de plástico negociada em média por R$ 4,43 saiu por R$ 12,54.

A confederação não é o único grupo de artes marciais que vem recebendo valores vultuosos de deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo ao longo da atual legislatura. Em 2025, também foram beneficiadas a Confederação Brasileira de Artes Marciais Chinesas, com R$ 7,3 milhões em emendas, a Liga Valeparaibana de Artes Marciais, com R$ 4,2 milhões, e a Federação Paulista de Karatê, com R$ 2 milhões.

Em um fim de semana no ginásio Mauro Pinheiro, no parque do Ibirapuera, a CBKI gasta até R$ 1,5 milhão para promover uma competição. Cinco meses de aula em três espaços na periferia da cidade custam até R$ 2 milhões em emendas. Enquanto isso, há cidades no estado que passam anos sem receber nenhum recurso dos parlamentares.

Os deputados do PL Rodrigo Moraes (R$ 5 milhões), Gil Diniz (R$ 3,65 milhões) e André Bueno (R$ 3,5 milhões) e a ex-deputada Adriana Borgo (R$ 5 milhões), do Agir, foram os que mais direcionaram emendas para a CBKI desde 2023.

A reportagem ingressou com 14 pedidos via Lei de Acesso à Informação, solicitando à secretaria estadual de Esportes do governo Tarcísio os planos de trabalho, as prestações de contas e os relatórios de atividades entregues pela confederação. Foram analisadas dez emendas pagas à CBKI cujas contas já foram estudadas e liberadas pela pasta.

O levantamento da Folha consistiu em comparar os preços unitários praticados pelos fornecedores da confederação com preços de itens semelhantes negociados com órgãos públicos pelo Brasil e vendidos no mercado privado. Para isso, a reportagem usou como ferramenta o Portal Nacional de Contratações Públicas. Os preços também foram levantados em consultas diretas com empresas do setor, assim como em sites de venda online.

Em nota, a CBKI negou ter adquirido itens com valores acima dos ofertados no mercado e afirmou que todas as contratações foram precedidas de pesquisa de preços, com a apresentação de no mínimo três orçamentos de empresas especializadas. Também disse que as prestações de contas foram devidamente realizadas e aprovadas pelo governo estadual.

O deputado Rodrigo Moraes (PL) afirmou, em nota, que as emendas parlamentares "são acompanhadas de rigorosos planos de trabalho que definem objetivos, metas e cronograma de execução". O deputado André Bueno (PL) disse que a execução financeira é de responsabilidade da entidade, que não tinha conhecimento de qualquer sobrepreço e que "apoia integralmente a apuração dos fatos".

O deputado Danilo Campetti (Republicanos) também afirmou que a execução dos recursos é de responsabilidade exclusiva da beneficiária. Disse ainda que acompanhará a atuação dos órgãos de controle para que as responsabilidades sejam apuradas.

O deputado licenciado Rui Alves (Republicanos), secretário municipal de Turismo na capital, afirmou que o projeto que financiou, assim como a prestação de contas, passou pelo crivo da Secretaria estadual de Esportes. Os deputados Gil Diniz (PL) e Felipe Franco (União Brasil) e a ex-deputada Adriana Borgo (Agir) não se manifestaram.

Já a Secretaria de Esportes disse, em nota, que todos os termos de fomento "seguem rigorosamente a legislação vigente e passam por análise técnica, administrativa e documental".

A pasta afirmou que os valores apresentados nos planos de trabalho são avaliados com base em uma tabela de referência de preços da secretaria, considerando as "condições específicas de cada contratação, como quantidade, logística, local e período de execução". "Constatada qualquer irregularidade, são adotadas as medidas administrativas cabíveis."

Após a realização do projeto ou evento, a entidade beneficiária da emenda precisa encaminhar à respectiva secretaria um relatório de atividades prestando conta das atividades realizadas, assim como as notas fiscais emitidas pelos fornecedores contratados.

O parecer conclusivo de uma das emendas pagas à CBKI, datado de 25 de setembro de 2025, ficou sob responsabilidade da executiva pública Sueli Maraschim, que foi uma das pessoas a avalizar a aplicação dos recursos. Sueli é próxima do diretor da confederação, Osvaldo Messias de Oliveira, e da filha dele, Monica Fernandes Oliveira, diretamente envolvida nos eventos.

No Facebook, a servidora marcou Monica em uma publicação de 2017, em um espaço que parece ser uma sala de aula. Em outra foto, Osvaldo comentou sobre Sueli: "Rainha, grande mulher e amiga".

Outro parecer coube ao servidor Rodney Assis de Andrade, que já foi presidente da Liga de Judô Paulista.

A secretaria de Esportes não respondeu se os dois servidores tinham o distanciamento necessário para avaliar as contas da CBKI.

Nas redes sociais, Monica Fernandes costuma publicar fotos de reuniões com secretários do governo Tarcísio, integrantes da pasta de Esportes e vereadores. Em uma delas, aparece ao lado da primeira-dama Cristiane Freitas e diz que teve a satisfação de ser recebida na residência oficial no Palácio dos Bandeirantes para conversar sobre o trabalho da CBKI.

SOBREPREÇO

A Folha identificou que ao menos cinco itens (kit lanche, água, cadeiras, toalhas de mesa e medalhas) foram contratados pela CBKI por valores superiores aos praticados no mercado.

Um kit lanche com três itens, por exemplo, foi adquirido por R$ 12,96. Fotos de relatórios de atividade indicam que o kit é composto por uma barrinha de cereal Nutry, um suco industrializado de 200 ml da Nutri e um biscoito pequeno de embalagem amarela, que aparenta ser da Bauducco. Somados, os mesmos itens, das mesmas marcas, não passam de R$ 5,13 em um site de venda em atacado.

O fornecedor foi Evandro Luiz Hengles, amigo de Monica Fernandes no Facebook. A empresa da mulher de Evandro, Ana Hengles, também emitiu notas fiscais referentes ao kit lanche. O casal forneceu ainda garrafas de água de 500 ml pelo preço de R$ 2,59, valor superior à média de R$ 0,95 encontrada pela reportagem em outras contratações públicas.

Em setembro de 2025, a empresa de Ana venceu um pregão eletrônico da Prefeitura de Itapecerica da Serra (SP) para fornecer kit lanches variados. Um deles era composto por três itens: um sanduíche de pão de forma com queijo mussarela e presunto, uma fruta e um suco integral de 200 ml. Ana arrematou a negociação com o valor unitário de R$ 6,89, muito abaixo do valor fechado com a CBKI.

Para a execução de uma única emenda, Evandro foi contratado para entregar mais de 50 mil lanches. Desde 2023, ele e a mulher receberam R$ 3,1 milhões da confederação, considerando apenas as emendas estaduais analisadas pela Folha.

Em nota enviada à reportagem, Evandro afirmou que pratica preços compatíveis com o mercado e que os valores refletem a qualidade dos itens, assim como os custos envolvidos com mão de obra, embalagem, transporte e frequência semanal das entregas.

Também chamam a atenção os preços contratados para o aluguel de cadeiras plásticas e de toalhas de mesa grandes. A locação diária de uma cadeira simples, sem braços, do tipo bistrô, saiu por R$ 12,54. A média de cinco preços coletados pela reportagem para o mesmo item foi de R$ 4,43.

Cada toalha de microfibra, por sua vez, foi alugada por R$ 87,35. A Folha consultou oito empresas, pelo site ou telefone, e encontrou uma média de R$ 49,70 para o aluguel diário de toalhas de tamanho similar, do tecido oxford (mais comum na fabricação deste tipo de item). Em três lojas online, este tecido e o de microfibra são negociados por valores semelhantes.

Em nota, a empresa Equipafesta afirmou que os cálculos da reportagem carecem de precisão técnica, que os preços variam de acordo com tamanho, tecido, acabamento e complexidade de montagem e que eles também dependem de tabelas sazonais.

Considerando apenas as emendas analisadas pela Folha, a Equipafesta começou a atuar como fornecedora para a CBKI ao fim de 2024. Antes disso, as cadeiras e toalhas eram contratadas junto à empresa Novo Tempo pelo mesmo valor —inclusive as casas decimais.

A Equipafesta não explicou o motivo da repetição de valores. A Novo Tempo disse que não mantém qualquer vínculo com outras fornecedoras e que não participa de alinhamentos de preços. Também afirmou que não houve sobrepreço nos serviços prestados.

A reportagem conseguiu analisar somente itens negociados por valores suspeitos. Não foi possível confirmar se a quantidade de produtos (por exemplo, 1.298 medalhas para dois dias de competição) estava adequada a cada evento. A Folha também não analisou itens de maior complexidade, que poderiam resultar em maior variação nos preços, como as estruturas para montagem dos eventos.

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