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DOI-Codi de São Paulo, onde Herzog foi morto, e do Rio lideram mortes da ditadura

A morte sob tortura do jornalista Vladimir Herzog, no dia 25 de outubro de 1975 e nas dependências do DOI-Codi de São Paulo, ajuda a ilustrar a engrenagem da ditadura no país.

Assim como o jornalista, ao menos outras 113 pessoas morreram ou desapareceram de 1964 a 1985 sob custódia em instalações do regime, segundo levantamento da Folha a partir dos perfis das vítimas listados no volume 3 do relatório da Comissão Nacional da Verdade.

Foram considerados para esse número casos expressamente relacionados ao espaço dos endereços oficiais, como quartéis e delegacias, e extraoficiais, como a Casa de Itapevi, em São Paulo, para onde iam militantes sequestrados do PCB, e a Fazenda 31 de Março, usada pelo delegado Sérgio Fleury.

Outros 194 casos estão ligados a órgãos e agentes da ditadura, mas em outros locais, como centros de militância, casa de vítimas e áreas públicas –a exemplo do que aconteceu com os 67 mortos da Guerrilha do Araguaia.

Dos 434 perfis de mortos e desaparecidos do relatório da CNV, a reportagem analisou apenas os casos que aconteceram durante o período oficial da ditadura, totalizando 405. Assassinatos causados pelos regimes da Argentina e do Chile também foram desconsiderados.

O eixo Rio-SP detém a maior parte dos registros de mortos e desaparecidos, com 198 casos mapeados, os episódios, porém, ocorreram em todas as regiões do país. Em 36 casos não havia informação sobre o local da execução ou do desaparecimento.

A simulação de suicídios, tornada pública no caso do jornalista, era um método comum. Foi, por exemplo, a versão oficial da morte do militante do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) José Gomes Teixeira, aos 29 anos, em 23 de junho de 1971, no depósito de presos da base aérea do Galeão, no Rio. A foto e o laudo da perícia mostram ele enforcado com um lençol.

Teixeira foi preso por agentes do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica e torturado para entregar o paradeiro de Carlos Lamarca, guerrilheiro que liderava a luta armada contra a ditadura militar.

Das instalações oficiais, a unidade do DOI-Codi de São Paulo, localizado na rua Tutóia, onde Herzog morreu, foi a mais letal. Segundo o relatório final da CNV, são ao menos 50 mortos ou desaparecidos relacionados ao local. A reportagem considerou 29.

Na agência do Rio de Janeiro, na Tijuca, foram aproximadamente 48 vítimas, segundo a CNV, sendo 20 devidamente registradas nos perfis das vítimas, segundo análise da reportagem. Em muitos casos, havia transferência de presos entre as unidades, com a tortura se perpetuando por diferentes localidades.

Foi o que aconteceu com Sônia Maria de Moraes Angel Jones. Presa com o então companheiro Antônio Carlos Bicalho Lana e levada ao DOI-Codi de São Paulo, foi transferida para a unidade do Rio, onde foi torturada e estuprada com um cassetete. Após 48 horas no local, a repressão a enviou novamente para a agência paulista, onde foi executada sob tortura, tendo os seios decepados.

A Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), consolidou-se como o principal centro clandestino em operação no período, com 16 dos 22 casos registrados nesse tipo de estabelecimento.

"Há diferentes relatos sobre a Casa da Morte, desde incineração dos corpos, esquartejamento, corpos que foram lançados no rio e no mar, com o ventre cortado, com os dedos arrancados, arcada dentária arrancada. Eram técnicas de tortura e de esvaziamento de uma possível e eventual identificação por DNA que os militares usavam", afirma a advogada Nadine Borges, que assessorou a Comissão Nacional da Verdade e presidiu a comissão no Rio de Janeiro.

O endereço teria sido o local de desaparecimento do casal Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva, segundo depoimento do ex-sargento Marival Dias Chaves do Canto, que atuou no DOI-Codi. Em seu livro sobre a ditadura, o ex-delegado Cláudio Guerra relata ter participado da incineração dos corpos dos presos políticos.

O total de vítimas relacionadas a aparelhos da repressão pode ser ainda maior. A reportagem identificou 32 casos sem informações ou com dados insuficientes para fazer tal relação. Em outros 32, as vítimas foram deslocadas para hospitais ou centros de atendimento praticamente mortas.

Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo) e ex-integrante e coordenador da CNV, Pedro Dallari, a principal dificuldade no mapeamento dos casos pela comissão foi a falta de cooperação das Forças Armadas, que não disponibilizaram os arquivos dos órgãos de inteligência.

Até a data da morte de Herzog, agentes da ditadura militar no Brasil já haviam executado ao menos 362 pessoas desde a instauração do regime.

O pico de vítimas da ditadura ocorreu quando o país era comandado por Emílio Garrastazu Médici, de 1969 a 1974, com ao menos 234 mortes. Entre elas, a do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e levado para o DOI-CODI do Rio, em janeiro de 1971, episódio retratado no filme "Ainda Estou Aqui", ganhador do Oscar.

Em 1975, quando Herzog foi morto, o país já estava no período de reabertura, na gestão de Ernesto Geisel. Depois do episódio, mais 41 pessoas foram vítimas do regime.

"A morte dele chocou o país e o papel da imprensa foi determinante, porque teve uma questão de identidade. Certamente isso impulsionou a abertura e o que as Forças Armadas fizeram nesse período e nos períodos subsequentes", afirma Nadine Borges.

A advogada reforça que o efeito traumático da ditadura ainda segue no país diante da falta de punição a torturadores identificados pela CNV. Ela critica o STF (Supremo Tribunal Federal) pela falta de revisão da Lei da Anistia de 1979.

"Neste ano o STF colocou pela primeira vez no banco dos réus militares que atentaram contra a Constituição, mas em um episódio recente. Em relação à ditadura, a inércia segue."

Colaboraram Marcela Canavarro e Marina Pinhoni, de São Paulo

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