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Dunker explica: celular sequestra seu cérebro ou amplia poderes humanos?

Em entrevista ao Deu Tilt, o podcast do UOL para os humanos por trás das máquinas, ele lembrou que o "corpo tem a ver com prazer e desprazer". Para Dunker, a necessidade de estar o tempo todo grudado na tela mostra como o excesso de uso "nos torna incapazes de suportar a frustração".

Mesmo assim, o professor titular do Instituto de Psicologia da USP defende que não se trata de demonizar o celular, mas de entender o papel que ele ocupa na vida cotidiana.

Uma nova experiência com o tempo

Para Dunker, o celular também transformou a forma como vivemos os momentos de espera, aqueles intervalos mentais que funcionam como um respiro no dia a dia. Essas pausas, que ele chama de "momento do cafezinho", servem para que a gente se recomponha ou se prepare para outra atividade.

Tem uma oscilação tecnicamente entre presença e ausência. Esse fluxo é essencial para a vida psíquica
Christian Dunker, psicanalista

O problema é que o celular acaba dissolvendo, ou até eliminando, esse espaço de ausência.

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Uma característica dessa tela [smartphone] é que ela está sempre oferecendo, sempre dizendo que você tem valor? [Com isso], você vai matando o que é o respiro, a experiência de intervalo entre presença e ausência. Qual o resultado? Um estado de indiferença e apatia. Isso faz muito mal
Christian Dunker, psicanalista

Acompanhados, mas sempre sozinhos?

Nunca foi tão fácil encontrar companhia. Desde o lançamento do Facebook, em 2004, a promessa de conexões se expandiu do ambiente universitário nos EUA para o mundo inteiro. Mas, mesmo com a chance de conhecer milhares de pessoas e ter listas de amigos intermináveis, a experiência da solidão parece crescer cada vez mais.

Segundo Christian Dunker, o que muita gente vive hoje é uma mistura de FOMO (Fear of Missing Out, ou medo de estar perdendo algo) com isolamento e exclusão. Para ele, essa sensação é "perfeitamente compatível com a sociabilidade" atual, pois quanto mais ela se amplia, mais as pessoas se sentem sozinhas em meio à multidão.

Esse tipo de sociabilidade, explica o psicanalista, é frágil e de baixa qualidade. Algo que podemos chamar de "efeito Roberto Carlos":

Tenho um milhão de amigos e só consigo me dedicar a dois, com os outros eu estou em déficit. O que eu consigo fazer com um milhão de amigos? Polir minha imagem
Christian Dunker, psicanalista

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Esse polimento de imagem recai no que ele chama de "economia da inveja", que é quando as pessoas começam a criar comparações entre si de quem fez a melhor viagem, quem tem a casa mais legal ou o carro mais moderno, por exemplo.

Esse "polimento de imagem" alimenta o que Dunker chama de "economia da inveja": a disputa de quem fez a melhor viagem, quem tem a casa mais bonita ou o carro mais moderno. Nesse cenário, muita gente passa a viver no que ele chama de "universo da passarela", ou uma versão editada delas mesmas.

Em casa estou miserável, mas estou num personagem que é grandioso, querido, amado por todos. [Ao vivenciar isso] começo a me dissociar dessa figura que represento para o mundo, e aí começam os efeitos de depressão e ansiedade
Christian Dunker, psicanalista

E completa:

Você não precisa ser um super herói para ser alguém querido e respeitado, não precisa ser um senhor dos mares para ser alguém digno, ter uma vida legal? mas a internet sugere isso
Christian Dunker, psicanalista

Terapia com IA é como refrigerante, diz Dunker: "Você bebe e só sente sede"

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No início do século 20, a teoria behaviorista mostrou como uma sequência de reforços pode moldar o comportamento humano. Essa lógica lembra muito a dinâmica das máquinas: quanto mais uma IA aprende, mais se comporta de acordo com esses aprendizados. As inteligências artificiais conversacionais, ou os famosos chatbots, seguem esse mesmo caminho.

Em entrevista ao Deu Tilt, o podcast do UOL para os humanos por trás das máquinas, Christian Dunker ressaltou que, embora muita gente hoje recorra à terapia com a IA, elas ainda não podem oferecer algo fundamental num bom processo de análise: a capacidade humana de discordar.

Até agora as respostas que IA dá são quase sempre afirmativas: você está certo, vai aos poucos? Ela não faz perguntas boas, e devolve mais ou menos o que você espera ouvir
Christian Dunker, psicanalista

Dá para se apaixonar pela IA? 'Há formas degradantes de amor', diz Dunker

No filme Her, de Spike Jonze, o escritor solitário vivido por Joaquin Phoenix se apaixona por um sistema operacional. Há mais de uma década, quando foi lançado, o roteiro parecia ficção futurista. Hoje, poderia facilmente ser baseado em fatos reais.

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Recentemente, o New York Times publicou a história de uma mulher de 28 anos que criou um namorado virtual, Léo, e passou a viver um relacionamento intenso com ele. Segundo a reportagem, ela chega a passar até 56 horas por semana com o webnamorado e gasta cerca de R$ 1,2 mil na versão premium do ChatGPT para manter a relação.

Nós achamos que o amor é sempre uma coisa boazinha, que salva todo mundo e é super legal. Só que existem amores fetichistas. Uma pessoa se apaixona por botas, pelo gato, pela coleção de selos. E são amores. Tendemos a dizer que, porque não é minha a minha forma de amar, não é amor. Mas é
Christian Dunker, psicanalista

Dunker avisa: 'Até agora o vareio de bola é total: algoritmo 5 x 0 humanos'

Quando pensa no futuro da interação homem-máquina, Christian Dunker se sente um "otimista sem esperança". Apesar de reconhecer o potencial emancipatório de algumas tecnologias, ele vê que, na prática, ainda usamos as ferramentas de forma muito passiva.

Até aqui, temos nos mostrado idiotizados em relação à tecnologia. A gente está em uma selva, achando que esse negócio vai fazer o nosso trabalho
Christian Dunker, psicanalista

Em entrevista ao Deu Tilt, o podcast do UOL para os humanos por trás das máquinas, ele explicou que sua esperança vem da possibilidade de criar instrumentos críticos e coletivos. Mas o ceticismo aparece com a percepção do quanto o placar está desequilibrado:

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Para ele, a situação lembra a semifinal da Copa de 2014, quando o Brasil tomou de 7 a 1 da Alemanha. E essa goleada, segundo Dunker, tem muito a ver com a relação permissiva que temos com as big techs.

DEU TILT

Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.

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