Senador da República em terceiro mandato, Paulo Paim (PT) não pretende concorrer à reeleição em 2026. Defensor das pautas antirracista e sindicalista, o parlamentar gaúcho é relator da lei que instituiu o feriado do Dia da Consciência Negra em 20 de novembro e autor de projetos trabalhistas, como da redução da jornada de trabalho - um PL de 2015 de sua autoria e semelhante ao de Erika Hilton (PSOL), que atualmente tramita na Câmara dos Deputados, está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Paulo Paim conta de sua trajetória política de mais de 40 anos - antes de ser senador, foi deputado federal por quatro mandatos -, aborda os assuntos mais atuais do Congresso Nacional e avalia o futuro da esquerda no Brasil.
Jornal do Comércio - Está no terceiro mandato como senador. Qual o balanço destes mais de 20 anos no Senado?
Paulo Paim - Eu estou no Congresso, com este mandato, vai dar 40 anos, com mais os quatro mandatos de deputado federal. Fui constituinte, eu e o Olívio Dutra, do PT, do Rio Grande do Sul, que nos elegeu, naquele momento da Constituição, de 1986 a 1988. Depois, tive mais três (mandatos) de federal, e nesse período todo, para mim, o marco mais importante da minha vida pública foi a Assembleia Nacional Constituinte, que foi a melhor Constituição de todos os tempos. Uma Constituição avançada para a sua época, em que havia muita tensão, mas muitos diálogos também. Diria que os setores daquela época mais à direita, tínhamos mais facilidade de dialogar do que hoje, porque não havia essa política do ódio de um pelo outro. E de lá pra cá, o que mais marcou, além da Assembleia Nacional Constituinte, foram os estatutos que eu consegui aprovar, que foi um marco entre Câmara e Senado, porque eu aprovei primeiro na Câmara, fui para o Senado e aprovei. O Estatuto do Idoso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Estatuto da Igualdade Racial, e o da Juventude. E algo que me marcou muito também foi a política do salário-mínimo, que sempre, desde que cheguei lá - vim de família que ganhava o salário-mínimo - sempre briguei muito.
JC - Pretende ser candidato à reeleição em 2026?
Paim - Na verdade, sou muito pela transição, pela renovação. Não dá para a gente ficar no mesmo posto até os 100 anos de idade. É preciso, então, pensar na rotatividade, passar o bastão para os mais jovens, mas sempre numa linha de que todos temos muito a contribuir ainda. Por isso, quando terminaram as eleições de 2018, já havia pré-anunciado, e depois em 2022 disse de novo: "olha, eu não vou ser candidato nas próximas eleições, agora em 2026". A partir do momento que eu vou dizendo isso, as pessoas passaram a ir se perguntando, e daí foi que a Executiva do PT, com suas representações - inclusive de deputados estaduais e federais - me pediu pra conversar sobre o tema, e eu falei abertamente, falei que era o momento. Eu lutei muito: foram mais de mil projetos apresentados no Congresso, fiz muita coisa em todas as áreas que se imaginar, trabalhei no campo do social, principalmente, mas o social funde com educação, com saúde, com segurança, com habitação, com salário, emprego, redução de jornada. Mas tudo isso tem prazo de validade. Chega uma hora que a gente tem que olhar, pensar em sair e olhar para aqueles que podem entrar.
JC - O senhor relatou a decisão que suspendeu a dívida do RS com a União por três anos, após as cheias. Como foi esse processo?
Paim - A dívida do Rio Grande do Sul é impagável, e todos sabemos que não tem como pagar uma dívida como essa. Inclusive apresentei um projeto que dizia que a dívida não tinha forma de pagar por causa do juro e da correção, que era uma verdadeira agiotagem, e por isso entendia que devia ser calculado somente o juro da dívida, quando foi feito, atualizado e ponto. E isso andou, foi até o Supremo o projeto, inclusive, e até hoje não tem decisão nenhuma. Então no primeiro momento aceitei, mediante um acordo firmado entre as partes, que por três anos, devido ao estado de calamidade pública, não pagaríamos um centavo, e vai dar uma economia de R$ 23 bilhões. Bom, é claro que alguns dizem: "por que não perdão total da dívida?". Isso é um processo. Mostramos que durante o tempo do efeito das chuvas, com tudo que aconteceu aqui no Rio Grande, vamos pegar esses R$ 23 bilhões e deixar para a aplicação para recuperar o Rio Grande. Então é um avanço. Isso não quer dizer que no futuro não se possa discutir novamente e fazer com que a dívida efetivamente não seja paga nos parâmetros que é hoje, que quanto mais se paga, mais se deve.
JC - Atualmente tramita no Congresso uma proposta de revisão da forma de pagamento das dívidas dos estados, apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Como avalia esta proposta?
Paim - É um debate que todos os estados estão participando, e que cada estado vai ver se interessa para ele ou não aquele sistema, inclusive de entregar patrimônio do estado. Muitos entregam patrimônio para pagar a dívida. Segundo o que ouvi, aquela proposta para o Rio Grande do Sul não resolve. A proposta mais viável para o RS é a que, baseada na atualização da dívida no próprio INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), comprova que a dívida está praticamente paga.
JC - O senhor apresentou um balanço na quinta-feira dos trabalhos da comissão externa para acompanhar a reconstrução do RS, à qual presidiu. Que outras ações ainda podem ser feitas?
Paim - À medida que as demandas vão chegando, encaminhamos para o governo federal. E aí, entre essas medidas, a principal, além da recuperação das indústrias, é também a do agronegócio. Há um movimento muito forte do agronegócio, corretamente também, para que, efetivamente, o dinheiro chegue na ponta, e que os bancos não criem tantos obstáculos, porque, realmente, eles perderam tudo. Como é que eles vão poder, então, receber esse dinheiro? Que, dentro do possível, o certo seria dar uma anistia também, então todo esse debate continua vivo. E a nossa intenção ao estar aqui no Estado é poder comentar o que foi entregue até o momento. Eu diria que fizemos muito, mas há muito ainda por fazer. Temos consciência de que nem tudo o que gostaríamos foi feito.
JC - Nesta quarta-feira, 20 de novembro, ocorre o primeiro feriado da Consciência Negra no Brasil, medida da qual foi relator. Qual a relevância desse marco?
Paim - O Dia da Consciência Negra é uma luta histórica. Viemos há muito tempo lutando para que esse dia fosse também feriado. Lá atrás, chegamos a aprovar que o 20 de novembro fosse o Dia da Consciência Negra, mas não ficou feriado. O Dia da Consciência Negra surgiu aqui no Rio Grande do Sul. Foi uma iniciativa daqui, do advogado (Antônio Carlos) Côrtes e daquele grupo de jovens da época que não aceitava a questão de que a Princesa Isabel somente decretou (o fim da escravidão), mas não assegurou nada para os que mais precisavam. Isso fez com que eles iniciassem um movimento para que fosse reconhecido como o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, em homenagem a Zumbi dos Palmares, e fosse consagrado em nível nacional. Martin Luther King, nos Estados Unidos, foi também consagrado herói, e é feriado em nível nacional lá. Então, briguei na Constituinte para aprovar o feriado nacional, e não consegui. Depois fomos brigando, conseguimos fazer que ficasse o Dia Nacional da Consciência Negra, mas o feriado não passou. E agora, enfim, articulamos com o Rondolfe (Rodrigues, PT) para que ele fosse o autor e eu fui relator, e aprovamos. Para mim, e advoguei sempre nesse sentido, é um dia para a gente discutir todo tipo de preconceito. Claro que Zumbi é referência, é o grande símbolo, é a nossa bússola que orienta o debate sobre o preconceito, o racismo e a discriminação. Então nesse dia espero que, sendo feriado, não seja simplesmente mais um feriado, que seja um dia de reflexão do porquê o racismo é tão contundente no Brasil. Por que os negros são os que ganham os menores salários e os piores empregos? Por que os negros, se você comparar, são aqueles que mais morrem assassinados pela polícia? De cada 10 jovens que são mortos, oito são negros. Queremos discutir o porquê do preconceito e do racismo serem tão fortes. Contra o idoso também, contra as mulheres, contra as pessoas com deficiência, contra os LGBTQIA . É um dia para debater e avançar para melhorar a qualidade de vida de todos.
JC - O debate do momento é a PEC que propõe o fim da escala 6 x 1. Anteriormente, o senhor apresentou um projeto neste sentido. Como o receberia no Senado, caso seja aprovado na Câmara?
Paim - Esse debate a gente vem trabalhando há muito tempo. Tem a marca do movimento sindical, e eu vim do movimento sindical. Eu sou, digamos, um sindicalista que está no Parlamento. Já apresentei esse projeto das 40 horas e hoje está na CCJ para votar. Rogério Carvalho (PT-SE) é o senador que é o relator, e ele já pediu para que pautem o projeto, que vai na mesma linha do apresentado pela deputada Erika (Hilton), que é a redução de jornada. No meu projeto, no primeiro momento, 40 horas (semanais), e depois vai diminuindo uma hora por ano até chegar às 36 horas. Está comprovado durante a história do mundo do trabalho que a redução de jornada é um processo inevitável e permanente quanto mais se avança na automação, na robótica, na cibernética, na própria inteligência artificial. Por exemplo, a Islândia adotou a jornada de quatro dias por semana, que é o eixo do projeto tanto o meu como o da deputada. Com isso, a Islândia obteve um crescimento econômico de 5% - o segundo maior entre os países da Europa. Aumenta a produtividade, o trabalhador melhora a qualidade de vida e, consequentemente, tem mais espaço até para lazer, para viver em contato com a própria família. Então, os dados que a gente tem, em todo sentido, se você vai reduzindo a jornada, você vai aumentando o número de empregos, porque se aumenta a produtividade, aumenta a qualidade, e se o empregador vende mais, ele vai também querer ter outros turnos para produzir e vender mais.
JC - Outro tema atual é o anúncio do governo federal de cortes de gastos em diversas áreas. Recentemente, o senhor criticou essa medida. Qual a avaliação?
Paim - Eu estou há tantos anos no Congresso e não tenho o que duvidar - e os fatos não mentem -, cada vez que há uma crise, o mercado, o setor financeiro, eles olham para quê? Olham para a Previdência e para os direitos dos trabalhadores. E aumentam a taxa de juros ainda, que todos perdem. Bom, aí falam em mexer no Fundo de Garantia, mexer na questão do Seguro-Desemprego, em mexer no salário-mínimo. Tudo isso é retrocesso, e os mais pobres são chamados outra vez a pagar conta. Por isso também que há divergência dentro do governo. Acredito que o presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) também não está concordando com essa forma de resolver o problema do déficit fiscal. A taxa de juros continua querendo aumentar. Então a situação para os trabalhadores, para os mais vulneráveis, só piora. Por isso que o ministro do Trabalho tem se rebelado, e também o ministro da Previdência. Eu, por exemplo, na Previdência, eu acho que poderia sair essa história de tributação sobre a folha de pagamento e jogar sobre o faturamento. Se tira da folha, alivia a empresa de imediato e joga sobre o faturamento. Então, quem faturou muito mais, pode pagar um percentual sobre o faturamento. O percentual poderia ser o mesmo para o pequeno e para o grande. Quem fatura mais, paga mais, e quem fatura menos, paga menos.
JC - Após o resultado geral negativo nas eleições municipais de 2024, como avalia o futuro da esquerda no Brasil?
Paim - Acho que fomos mal mesmo. No segundo turno, vamos ver aqui que ganhamos só Pelotas no Rio Grande do Sul. E a nível nacional, nós ganhamos uma capital somente, e não tem como não reconhecer que quem avançou foi a direita e o centro-direita. E também, e vai ter a repercussão no Brasil, a vitória do (Donald) Trump lá nos EUA. A vitória dele também foi esmagadora. E aqui no Brasil também a direita avançou. Então nós temos que ver tudo isso, por isso que eu falo em Frente Ampla pelo Brasil. Olha, primeiro eu gostaria de dizer que temos que pensar numa nova forma de fazer política, tanto sindical quanto partidária, temos que nos reciclar, ter humildade, pensar numa visão de Frente Ampla e defender causas e não coisas. Nós temos que rever tudo isso, e numa retomada de muito diálogo e construindo aquilo que eu chamo uma Frente Ampla pelo Brasil. Acho que é possível se houver muito diálogo, muita conversa, muito reconhecimento do que temos que fazer para que o projeto de nação que a gente vá construindo seja um projeto de nação para todos. Sem exclusão de ninguém, respeitando todo os setores da sociedade, mas construindo, como fizeram em outros países, uma sociedade igualitária, justa, generosa e solidária.
Comentários
Aproveite ao máximo as notícias fazendo login
Entrar Registro