Mulher indígena usando cocar e uma máscara de gás, enquanto segura um chocalho com a mão direita, durante a Marcha Global pelo Clima, evento paralelo à COP30, em Belém. Ao lado dela estão outras pessoas indígenas com adereços tradicionais

Crédito, Bruno Peres/Agência Brasil

    • Author, Leandro Prazeres
    • Role, Enviado da BBC News Brasil a Belém
  • Há 7 minutos

Quase três anos depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter subido a rampa do Palácio do Planalto ao lado do cacique kayapó Raoni Metuktire, o movimento indígena vem protagonizando as principais manifestações que ocorrem durante a COP30, que está sendo realizada em Belém e vai até o dia 21 de novembro.

Desde o início da conferência que discute as mudanças climáticas, indígenas realizaram pelo menos três grandes protestos, incluindo um que resultou na invasão do principal pavilhão do evento e outro que bloqueou, por algumas horas, a entrada do local.

O incidente fez com que o comando da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC, na sigla em inglês) cobrasse mais segurança no entorno das instalações onde a COP30 está sendo realizada.

No sábado (15/11), centenas de indígenas se uniram a manifestantes de movimentos sociais em uma marcha pelas ruas do centro de Belém. O protesto foi pacífico.

Desde o início das manifestações, o governo adotou uma postura cautelosa e evitou criticar os protestos.

Na sexta-feira (14/11), quando indígenas do povo Munduruku bloquearam a entrada do pavilhão onde funciona a zona azul (local onde ocorrem as negociações) da COP30, o presidente da conferência, André Corrêa do Lago, e as ministras do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, Marina Silva e Sônia Guajajara, se reuniram com as lideranças e conseguiram desmontar o bloqueio.

O presidente da COP 30, André Correa do Lago, a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara e a ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva em reunião com lideranças indígenas na COP30, em Belém

Crédito, Hermes Caruzo/COP30

Legenda da foto, André Corrêa do Lago (ao centro, de camisa listrada) e a ministra Sônia Guajajara (dir.) se reuniram com lideranças indígenas na sexta-feira (14/11)

No sábado, Marina Silva chegou a dar boas-vindas a manifestantes que se concentraram no centro de Belém.

"Depois de alguns períodos da realização das COPs em outras realidades políticas, num mundo onde as manifestações eram feitas dentro do espaço da ONU, agora no Brasil, um país do sul global, em uma democracia conquistada e consolidada, sejam bem-vindas", disse a ministra.

Conheça as principais demandas dos povos indígenas na COP30.

Demarcação de terras indígenas

A principal reivindicação feita pelos indígenas de diversas etnias que se reuniram em Belém é a demarcação de territórios indígenas.

Em outubro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) realizou um protesto cobrando a demarcação de 105 territórios cujos processos estavam parados.

Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o governo federal já homologou 16 territórios desde o início do terceiro mandato de Lula.

Manifestantes indígenas vestindo adereços tradicionais e segurando um cartaz onde se lê "Demarca Lula"

Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil

Legenda da foto, Demarcação de terras é a principal reivindicação do movimento indígena durante manifestação realizada no sábado (15/11), durante a COP30, em Belém

"Estamos aqui reivindicando mais terras indígenas para garantir o nosso futuro, para que as nossas crianças tenham um futuro. Há muitos parentes que precisam dessas terras para viver", disse professor e liderança indígena Bepdja Kayapó, que participou da manifestação em Belém neste sábado.

No dia anterior, Raoni também cobrou o presidente Lula sobre a demarcação de territórios.

"Lula, me ouça com muita atenção. Você tinha prometido para mim que, quando assumisse a Presidência, iria demarcar todas as terras. E eu ainda lembro das suas palavras", disse Raoni em um vídeo enviado à BBC News Brasil.

Alessandra Munduruku, que liderou a manifestação de indígenas na sexta-feira, reivindicou a finalização do processo de demarcação de territórios no sudoeste do Pará que vêm sendo alvo da ação de garimpeiros. Trata-se das terras Sawré Muybu e Sawré Ba'pim.

A líder indígena Alessandra Korap Munduruku com adereço de penas na cabeça, pulseira de miçangas no pulso e pinturas tradicionais no rosto e ombros

Crédito, Tânia Rêgo/Agência Brasil

Legenda da foto, Alessandra Munduruku reivindicou a finalização do processo de demarcação de territórios no sudoeste do Pará

Após reunião com Alessandra, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, disse que o governo deverá avançar com o processo nessas duas terras.

Com relação à Sawré Muybu, a ministra afirmou que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) está contratando uma empresa para fazer a demarcação física do território, o que deverá ser feito nos próximos meses.

Quanto à Sawré Ba'pim, a ministra disse que o processo está sendo analisado pelo Ministério da Justiça e que sua pasta vai continuar negociando para obter a demarcação.

"Estamos esperando que [a gente] converse com o Lula. A gente espera que seja feita a demarcação de fato", disse Alessandra Munduruku em entrevista coletiva.

A demarcação de terras indígenas é alvo de discussões intensas entre alas do governo federal e a bancada do agronegócio no Congresso Nacional.

Segundo lideranças dos movimentos indígenas do Brasil, o estabelecimento do marco temporal — que limita aos povos originários o direito somente às terras que ocupavam na data em que a Constituição Federal foi promulgada, em 1988 — prejudicaria o pleito de movimentos indígenas por terras que eles consideram como suas.

Por outro lado, a bancada do agronegócio rebate afirmando que a ausência de um marco temporal criaria insegurança jurídica a proprietários rurais do interior do Brasil. Em meio ao impasse, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu uma mesa de conciliação entre o governo e o Congresso sobre o assunto. O tema, no entanto, ainda não foi finalizado.

Ferrogrão

Outro tema alvo de críticas dos indígenas durante a COP30 é a construção da ferrovia conhecida como Ferrogrão. Ela cruza os Estados de Mato Grosso e do Pará, ligando a cidade de Sinop (MT) a Itaituba (PA), às margens do rio Tapajós.

Segundo os defensores do projeto, entre eles o ministro dos Transportes, Renan Filho, a ferrovia facilitaria o escoamento da produção de soja do Centro-Oeste.

Movimentos indígenas e ambientalistas, porém, afirmam que a obra aumentaria a pressão do agronegócio sobre os territórios ainda protegidos na região.

Além disso, para que ela seja concluída, seria necessário alterar o traçado do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará.

"A nossa preocupação é a Ferrogrão. Isso vai nos prejudicar bastante", afirmou Alessandra Munduruku na sexta-feira.

Indígenas dos povos Munduruku, Kayapó, Panará e Xavante ribeirinhos e agricultores familiares do Tapajós, durante protesto contra a construção da Ferrogrão, em Santarém, no Pará, em 4 de março de 2024

Crédito, Reprodução/ X @CoiabAmazonia/Agência Brasil

Legenda da foto, Indígenas de diversos povos têm protestado contra a Ferrogrão desde antes da COP30. Na foto, manifestação em Santarém, no Pará, em 4 de março de 2024

Na manifestação deste sábado, havia diversas faixas e cartazes contra a obra.

Após o encontro com a liderança munduruku na sexta-feira, Marina Silva comentou o andamento do projeto. Ela disse que o pedido de licenciamento ambiental da obra foi devolvido por estar "muito ruim".

"No que concerne à Ferrogrão não existe licenciamento dentro do Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis]. Esse processo está judicializado", disse Marina.

"Quando foi apresentado o EIA Rima [Estudo de Impacto Ambiental], estava muito ruim, o Ibama devolveu e desde então não foi reapresentado. Mas a preocupação deles [indígenas] continua e é legítima", afirmou a ministra.

A obra é alvo de ações no STF e uma delas questiona uma lei federal que reduziu o tamanho do parque, viabilizando a obra.

Até agora, há dois votos favoráveis à redução do parque, mas o julgamento foi suspenso em outubro após um pedido de vistas do ministro Flávio Dino. Ainda não há previsão sobre quando o julgamento será retomado.

Participação na COP30

Maior participação nas áreas de negociações da COP30 foi outra reivindicação feita pelo movimento indígena nos últimos dias. A principal queixa é que, apesar de alguns terem acesso à chamada Zona Azul da conferência, onde ocorrem as negociações, a participação deles neste processo é limitada.

"Os nossos povos, territórios e modos de vida tradicionais fazem parte da solução para combater a crise climática, mas infelizmente a Conferência das Partes não considera oficialmente os povos indígenas como negociadores", disse Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, no dia de abertura da COP30.

"Por isso estamos há meses incidindo com eles para que a demarcação de terras indígenas esteja no centro da agenda. Também vamos nos mobilizar nas ruas e mostrar que a mudança precisa acontecer agora", completou Tuxá.

Manifestantes indígenas segurando um cartaz onde se lê "A resposta somos nós"

Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil

Legenda da foto, Movimentos indígenas defendem maior participação dos povos originários nos espaços dedicados às negociações da COP30. Governo brasileiro afirma que 360 indígenas foram credenciados

Alessandra Munduruku seguiu a mesma linha de Tuxá.

"A gente precisa ser mais ouvido [...] Eu não posso falar sozinha pelo meu povo. Preciso consultar o meu povo", Alessandra Munduruku.

O governo, por outro lado, defende que a COP de Belém deve ser considerada como um avanço em relação ao número de indígenas credenciados para a Zona Azul.

Segundo a ministra Sônia Guajajara, neste ano, foram credenciados 360 indígenas brasileiros para a Zona Azul. Deste total, 150 seriam oriundos da Amazônia.

"A gente conseguiu ampliar, pela primeira vez na história, a participação indígena. Essa participação nunca houve na história das COPs", afirmou a chefe da pasta.

"Foi um trabalho junto ao Itamaraty, à Presidência [da República], assim como junto ao secretariado da UNFCC para garantir que nesta COP na Amazônia a gente pudesse ter essa presença indígena", disse a ministra.