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Maioria dos acusados por crimes da ditadura militar morre antes de julgamento ou denúncia

A maioria dos agentes envolvidos em práticas de violação de direitos humanos durante a ditadura militar brasileira morre antes do julgamento ou mesmo da denúncia do MPF (Ministério Público Federal). É o que aponta a pesquisa realizada pela Clínica de Direitos Humanos da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo).

Segundo o levantamento, pelo menos 96 de 139 envolvidos morreram antes de serem condenados ou denunciados pelas violações das quais tenham participado. O número equivale a 69% e foi calculado sob a coordenação da professora Carla Osmo, da Unifesp. A conta não inclui suspeitos que não são citados em denúncias.

O projeto envolveu as alunas Isabelle Macedo Gaiatto, Isadora Coelho Lemos e Carvalho e Sophia Bianchim de Camargo e foi solicitado pelo Conectas Direitos Humanos. Os resultados surgem em um contexto de reconhecimento internacional da incapacidade do país em investigar e punir fatos ocorridos durante o regime militar (1964-1985).

Em dezembro, foi tornada pública uma decisão da Corte IDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) que condenou pela terceira vez o Brasil por violações de direitos humanos na ditadura. Em 2010, o país foi condenado por fatos ocorridos e não apurados durante a Guerrilha do Araguaia, entre a décadas de 1960 e 1970. Posteriormente, em 2018, a Corte condenou o Brasil pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975.

O caso de 2025 tratou da tortura e do assassinato de Eduardo Leite, o Bacuri, além das torturas sofridas por sua então companheira, Denise Crispim, grávida à época dos fatos. A filha do casal, Eduarda, e o companheiro de Denise após o falecimento de Bacuri, Leonardo Ditta, também figuram na ação.

O MPF já havia arquivado duas investigações criminais sobre o caso. A primeira foi enterrada em 2013, sob o argumento de prescrição dos crimes levantados. No segundo caso, encerrado em 2024, a justificativa foi a morte de possíveis autores, a idade elevada ou a impossibilidade de contatá-los.

"O transcurso do tempo tem uma relação diretamente proporcional à limitação — e, em alguns casos, à impossibilidade de obter provas e/ou testemunhos, dificultando e até mesmo tornando nula ou ineficaz a prática de diligências probatórias com o objetivo de esclarecer os fatos objeto da investigação, identificar os possíveis autores e participantes e determinar as eventuais responsabilidades penais", diz a decisão.

Criada em 1979, a Corte Interamericana de Direitos Humanos compõe o sistema de proteção de direitos humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). O órgão judicial surgiu a partir do Pacto de San José da Costa Rica, cidade em que fica o tribunal.

"A primeira decisão da Corte Interamericana sobre a ditadura militar tratava de desaparecimentos forçados, mas a jurisprudência sobre a impossibilidade de anistias em casos de violações graves não se restringe aos casos de desaparecimento forçado. Então, em casos de violações graves e crime contra a humanidade não pode haver anistia ou prescrição que impeça a responsabilização criminal", afirma a professora.

Segundo a pesquisa coordenada por Osmo, o MPF apresentou 53 denúncias entre 2012 e 2022. Dessas, 32 foram rejeitadas com base na Lei de Anistia. Além disso, das denúncias admitidas, nenhuma resultou em condenação definitiva dos acusados, e as duas condenações em primeira instância foram posteriormente revertidas.

O levantamento aponta ainda que há, no mínimo, 10 recursos pendentes de julgamento no STF, e 9 deles foram concentrados em quatro repercussões gerais. Uma delas está sob a relatoria do ministro Flávio Dino (tema 1.369) e fala sobre a impossibilidade de aplicação da Lei da Anistia a crimes permanentes, como ocultação de cadáveres.

As outras três repercussões gerais (temas 1.374, 1.375 e 1.376) são relatadas por Alexandre de Moraes e trazem enunciados idênticos. O debate nesses casos é sobre a possibilidade de anistiar crimes classificados como graves violações de direitos humanos.

FolhaJus

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Renan Quinalha, também professor de direito da Unifesp, afirma que há uma certa dificuldade em compreender "a abrangência e o alcance" dos impactos da ditadura. Ele comemora, por exemplo, que a Corte IDH tenha reconhecido com especifidade as violações que Denise sofreu como um caso de violência contra a mulher.

Ele critica, entretanto, a maneira como o Supremo conduz o debate sobre a punição de crimes cometidos no regime militar. "Esse mesmo Supremo, que tem uma postura em relação aos atos do 8 de Janeiro bastante implacável, precisa valorizar uma cultura democrática e respeito às instituições e aos direitos humanos", diz Quinalha.

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