Lula desde de carro na França

Crédito, Reuters

  • Author, Julia Braun
  • Role, Enviada da BBC News Brasil a Paris (França)
  • Há 28 minutos

Questionado sobre o estado atual das negociações de paz entre Rússia e Ucrânia, o presidente reiterou a posição brasileira de apoio a um cessar-fogo imediato, mas ponderou que, em situações de guerra, os lados precisam aceitar que nem sempre terão tudo o que desejam.

Lula disse acreditar na possibilidade de atores não envolvidos no conflito, como o Brasil e a China, auxiliarem na criação de uma resolução "para pôr fim à guerra".

"Eu acredito nisso. Quem não acredita ainda são os dois países, tanto a Rússia quanto a Ucrânia", disse.

"Eu, sinceramente, acho que no subconsciente, ou melhor, no inconsciente de todos os líderes políticos do mundo, todo mundo sabe o que vai acontecer. Todo mundo sabe que as condições do acordo já estão colocadas. O que está faltando é coragem das pessoas dizerem o que querem", seguiu o presidente brasileiro, acrescentando que "é muito difícil quando você começa uma coisa, parar".

Lula foi questionado posteriormente sobre o que exatamente crê que pode acontecer nas negociações, mas não detalhou sua posição.

Segundo o líder brasileiro, os líderes da União Europeia (UE), assim como o presidente Donald Trump, dos EUA, Vladimir Putin, da Rússia, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, "sabem o que está para acontecer".

"É só que eu não posso dizer porque eu sou da América do Sul, do Sul Global, não vou dar um palpite em uma coisa tão séria, mas eu também imagino o que vai acontecer. É só fazer cálculo", disse. "A gente vai perceber que a guerra está chegando ao fim. Tem um limite, sabe?"

'Nem sempre acontece aquilo que a gente quer'

O petista foi questionado, posteriormente, sobre se uma negociação que termine com a Rússia em posse de territórios ocupados na Ucrânia seria capaz de abrir precedentes perigosos.

Lula respondeu que, na guerra, nem sempre todos saem da mesa de negociações satisfeitos. "Ora, você está numa guerra. Numa guerra, nem sempre acontece aquilo que a gente quer", disse.

O presidente seguiu seu argumento relatando um episódio específico, em que participou como mediador de uma disputa territorial entre Chile e Bolívia por acesso ao mar em 2010.

Na ocasião, o ex-presidente Evo Morales estaria resistindo a aceitar uma proposta de acordo que permitiria à Bolívia explorar ou usufruir de facilidades no território perdido após a Guerra do Pacífico (1879–1884).

Segundo ele, ele mesmo insistiu que o governo boliviano aceitasse o pacto, já que havia perdido o território em um conflito e não possuía condições de reivindicá-lo com uma nova guerra.

Em seguida, voltou à discussão sobre o caso atual no leste da Europa. "A pergunta é a seguinte: o Putin vai sair da Crimeia? Essa é a pergunta que eu te faço", questionou Lula, dirigindo-se ao jornalista que o havia questionado.

Lula em púlpito durante entrevista coletiva

Crédito, Ricardo Stuckert / PR

Legenda da foto, Em sua passagem por Paris para visita de Estado à França, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma entrevista coletiva à imprensa neste sábado

Negociações de paz

O acordo de paz entre Rússia e Ucrânia tem sido incentivado não apenas pelo governo brasileiro, mas também pelas potências europeias e pelos EUA.

A mais recente proposta foi apresentada pela Rússia na segunda-feira (2/6). No memorando, o Kremlin diz que uma de suas exigências para o cessar-fogo é a incorporação das regiões ocupadas pelas tropas russas, que somam 20% do território ucraniano.

Entre as regiões citadas está a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, Lugansk, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson.

O memorando foi apresentado durante uma segunda rodada de negociações diretas entre delegações dos dois países, realizada em Istambul, na Turquia.

Em resposta, Zelensky chamou a proposta de "ultimato com condições inviáveis". Ele já havia recusado propostas semelhantes no passado.

Em coletiva de imprensa durante evento da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na quarta-feira (4/6), o presidente ucraniano propôs um cessar-fogo completo até que uma eventual reunião com Putin aconteça, e disse estar pronto para o encontro a qualquer momento.

Em sua conversa com jornalistas em Paris, Lula mencionou as negociações em Istambul e defendeu a presença dos dois chefes de Estado nos encontros pela paz.

O presidente brasileiro teria insistido em uma ligação com Vladimir Putin logo após sua passagem por Moscou e Pequim há cerca de três semanas, para que o líder russo fosse a Istambul pessoalmente.

"Seria um gesto que ele [Putin] faria para aqueles que não acreditam que ele quer paz", disse Lula.

Putin não compareceu pessoalmente às negociações. "Eu lamentei que ele não tivesse ido. Se fosse eu naquela situação, eu teria ido", afirmou o presidente brasileiro.

Lula seguiu dizendo acreditar que o acordo "está mais próximo do que parece".

"Por enquanto, eu acho que os dois líderes têm dificuldade de explicar para o seu próprio povo os seus limites. Ninguém vai ter tudo o que quer. Às vezes, eu vou ficar com aquilo que é possível de conquistar. A vida é assim", completou.

Novo ataque à Ucrânia

No mais recente desdobramento da guerra, pelo menos três pessoas morreram e outras 21 ficaram feridas — incluindo um bebê de um mês — no maior ataque de drone russo a atingir Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, segundo a prefeitura da cidade.

O prefeito Ihor Terekhov afirma que vários prédios residenciais foram atingidos após a Rússia lançar quase 50 drones em direção à cidade durante a noite.

Prédio em chamas

Crédito, SERGEY KOZLOV/EPA-EFE/Shutterstock

Legenda da foto, Equipes de resgate trabalham no local de um ataque de drones em Kharkiv, nordeste da Ucrânia, neste sábado

O correspondente da BBC Paul Adams aponta que foi um dos ataques mais intensos a atingir a cidade desde o início da invasão em larga escala da Rússia.

"Este pode não ter sido o ataque mais mortal em Kharkiv desde a invasão em larga escala da Rússia, mas foi certamente um dos mais intensos", escreveu.

Em outra cidade – Kherson –, duas pessoas foram mortas após ataques atingirem prédios residenciais, segundo uma autoridade regional.