Uma nova ferramenta de inteligência artificial alcançou mais de 4,1 milhões de visualizações e reacendeu o debate sobre como a tecnologia interfere no luto. Criado pela startup americana 2Wai, o recurso permite recriar digitalmente pessoas falecidas em vídeos, voz e conversas simuladas.
A disseminação da novidade ocorreu após um vídeo mostrar avatares interagindo com familiares vivos, incluindo situações que atravessam anos de convivência fictícia. O impacto dividiu especialistas. Psicólogos apontam riscos emocionais, enquanto juristas destacam dilemas de consentimento e imagem póstuma.
O tema ganhou força porque a IA avança rápido demais para os limites éticos que ainda não foram definidos. A dúvida central é objetiva: conversar com uma versão artificial de alguém que morreu ajuda ou atrapalha o processo natural de aceitação da perda? Veja a seguir detalhes sobre a IA e o que dizem os psicólogos e juristas.
Nova IA viraliza ao ‘trazer de volta’ falecidos; especialistas alertam o uso — Foto: Reprodução/Pixabay O que é a 2Wai e como ela funciona?
A 2Wai permite criar “HoloAvatars”, representações digitais que simulam aparência, voz, trejeitos e até “memórias” de pessoas vivas ou mortas. O sistema usa fotos, vídeos e relatos para reconstruir digitalmente expressões e padrões emocionais.
A proposta rapidamente viralizou após um dos cofundadores, Calum Worthy, divulgar um vídeo demonstrando o funcionamento da ferramenta. O vídeo apresenta uma narrativa completa: uma mulher grávida conversa com a “mãe digital”; depois, a avó virtual lê histórias para o bebê; mais tarde, interage com o menino já crescido. O arco fecha com o anúncio de que ela se tornaria bisavó, reforçando a ideia de continuidade indefinida.
A empresa afirma que a plataforma funciona como “um arquivo vivo da humanidade”. O app já está disponível para iPhone, com versão para Android prevista. O discurso, porém, confronta críticas sobre os limites de transformar memórias humanas em simulações permanentes.
Como a IA recria pessoas falecidas?
A IA utiliza fotos, vídeos e áudios para gerar uma versão digital que responde em tempo real. O processo mescla elementos reais com construções artificiais, o que pode afetar a percepção de memória — Foto: Reprodução: Pexels A ferramenta combina algoritmos de IA generativa, síntese de voz e modelos conversacionais. A partir de imagens e áudios fornecidos, a 2Wai gera um avatar capaz de responder em tempo real. A simulação tenta replicar nuances como entonação, pausas, expressões faciais e padrões de resposta.
Apesar de tecnicamente avançada, a plataforma depende do repertório enviado pelo usuário. Isso significa que as “memórias” do avatar são construções artificiais, baseadas em fragmentos de registros reais. A fronteira entre lembrança e invenção digital se torna, portanto, tênue.
Andreza Ildefonso alerta que essa semelhança pode estimular vínculos emocionais intensos e, em alguns casos, confundir a percepção da ausência real, o que afeta diretamente o processo do luto.
A IA pode atrasar a aceitação da perda?
Segundo a psicóloga Andreza Ildefonso, sim. Ela explica que o luto exige atravessar fases dolorosas, mas necessárias, para que a ausência seja compreendida e integrada emocionalmente. “Quando a tecnologia ocupa o espaço deixado pela pessoa que se foi, ela pode interromper esse fluxo natural e dificultar a aceitação”, afirma.
Para Andréza, o avatar digital age como uma interrupção do percurso emocional. Ao manter conversas artificiais com uma figura que deveria estar ausente, a pessoa pode se afastar da realidade e adiar a reconstrução interna.
Há risco de dependência emocional?
Segundo profissionais de saúde mental, o uso frequente da IA como “presença substituta” pode paralisar o processo de luto e dificultar o retorno à rotina emocional saudável — Foto: Reprodução / Pixabay A psicóloga é categórica: o risco é alto. Ela explica que interagir continuamente com uma versão digital do falecido pode criar um vício emocional. “A pessoa sente que só consegue lidar com a dor se continuar interagindo com essa representação virtual. O luto se paralisa. A dor se mantém. A vida real perde espaço.”
Esse padrão, segundo a especialista, acende um alerta clínico: quanto mais o avatar substitui a ausência real, maior a chance de a pessoa se prender a uma relação que não se encerra.
Há situações em que pode ser terapêutico?
Andreza ressalta que o recurso só teria valor se usado de forma pontual e com acompanhamento profissional, mas jamais como substituto de vínculo.
O problema surge quando a IA passa a ocupar o lugar da pessoa que foi perdida. Nesse ponto, a tecnologia atrapalha mais do que ajuda
— explica Andreza.
Para ela, a função da terapia é justamente reconectar o enlutado ao mundo real, evitando que a simulação se torne uma fuga emocional permanente.
Quem pode autorizar a recriação digital de um falecido?
De acordo com o advogado Pedro Amorim de Souza, a resposta é direta: somente a própria pessoa, em vida, pode autorizar sua recriação digital. Ele explica que isso pode ser feito por meio de instrumentos jurídicos já conhecidos, como testamentos ou documentos específicos que determinam o consentimento.
Alguns chamam isso de ‘contrato de ressuscitação’. É ele que define os limites do uso da imagem e da performance digital da pessoa
— explica Pedro Amorim.
A família pode autorizar?
A plataforma 2Wai usa IA generativa para reconstruir digitalmente entes queridos. O recurso imita trejeitos e respostas emocionais, ampliando a discussão sobre uso ético da imagem póstuma — Foto: Reprodução/Freepik Segundo Pedro, não. Herdeiros não possuem os direitos personalíssimos do falecido, como voz, trejeitos, postura, forma de falar ou comportamento, porque tais direitos são intransferíveis. À família cabe apenas zelar pela honra e memória do falecido.
Isso significa que, mesmo sem poder autorizar a recriação, os familiares podem agir se a simulação distorcer a imagem da pessoa. “Se o avatar adota posições opostas às que a pessoa defendia em vida, há violação grave à memória. Aí cabe responsabilizar quem criou.”
Como entram o direito de imagem e a memória familiar?
Pedro aponta que a base legal está nos artigos 12 e 20 do Código Civil, além de projetos de lei em discussão desde 2023. A proteção envolve garantir que a tecnologia respeite a memória e a história da pessoa representada. Para o advogado, a regra é simples:
Se você está ressuscitando digitalmente alguém, deve considerar essa pessoa como viva para fins éticos. Tudo o que o avatar fizer precisa honrar quem ela foi.
— afirma Pedro.
Ele cita casos como Elis Regina e Paulo Zico, em que famílias colaboraram com criadores para preservar a autenticidade da representação. Nessas situações, não houve contestação judicial porque a memória foi tratada com respeito.
O leitor deve usar essa IA?
A tecnologia avança rápido, mas o consenso entre especialistas é prudência. Psicólogos alertam que o uso contínuo pode atrasar o luto e criar dependência emocional. Juristas reforçam que a recriação digital sem consentimento do falecido viola direitos personalíssimos.
Para quem enfrenta a perda recente, a recomendação é buscar apoio profissional e refletir sobre os impactos psicológicos antes de recorrer à simulação. A IA pode parecer um atalho para amenizar a ausência, mas, como destacam os especialistas, também pode aprisionar o enlutado numa relação que nunca se encerra.
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1 semana atrás
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