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O carnaval da dosimetria

O professor Mário Henrique nunca se cansou de repetir que o problema mais difícil do mundo, caso seja bem formulado, um dia poderá ser resolvido. Já os problemas mal formulados, ainda que fáceis, são todos insolúveis.

Do alto de sua onipotência, o Supremo Tribunal condenou 371 baderneiros golpistas do 8 de Janeiro a 3,3 mil anos de cadeia. Uma parte desse lote já havia fugido. Outra parte rala. Noves fora a cabeleireira Débora, que escreveu "Perdeu, mané" com batom na estátua da Justiça e tomou 14 anos de prisão, convertida em domiciliar há meses, restam outros, como Aildo Francisco Lima.

Ele sentou-se na cadeira do ministro Alexandre de Moraes e fez uma transmissão ao vivo a partir de seu telefone celular. Também tomou 14 anos. Mal formulado, o problema dos figurantes do 8 de Janeiro busca uma solução.

Apareceu em Brasília um projeto que revê a dosimetria das penas. Até aí, tudo bem, mas o projeto virou terreno baldio onde cada um joga seu lixo. Primeiro enfiaram um jabuti que, pelos efeitos, anistia Bolsonaro e seus generais. Depois mudaram o texto de forma que acaba beneficiando bandidos de outra cepa, como larápios e estupradores.

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Deu-se a maldição de Simonsen, o problema mal formulado das sentenças impiedosas revelou-se insolúvel e algumas de suas aparentes soluções revelaram-se absurdas.

Espremendo-se os casos, resulta que o homem da cadeira tomou 14 anos e, para soltá-lo, tirariam da cadeia um estuprador. Isso aconteceu na Câmara dos Deputados, e o Senado deverá retificar o curso do projeto.

A gracinha da dosimetria só aconteceu porque a política nacional passa por um período no qual se misturam egos inflados, desfechos absurdos e, na direção do espetáculo, fica o desprezo pelos outros, aqueles que pagam a festa.

Os ministros do Supremo que deram 14 anos ao homem da cadeira sabiam que ele não ficaria na cadeia nem sete. Os deputados que aprovaram o projeto que beneficia bandidos de outra cepa sabiam que não podiam defender a salada de criminosos, e a turma que esperava uma anistia regeu-se pelo "se colar colou". Cada um no seu quadrado, cada um todo-poderoso.

Isso tudo num tempo em que ministros do Supremo murmuram que o presidente do tribunal, Edson Fachin, se isolou ao defender a adoção de um código de conduta para ele e seus pares. Cadê o código? Ainda não existe, mas Fachin estaria isolado porque teve a ideia de mexer com o vespeiro da conduta de alguns magistrados do Supremo que se protegem pedindo blindagens.

Os juristas Francisco Campos (1891-1968) e seu amigo Carlos Medeiros Silva (1907-1983) saíram de moda, mas o que se busca são suas almas.

Em abril de 1964, depois de redigir o Ato Institucional, dispararam no artigo 7º: "O controle jurisdicional desses atos limitar-se-á ao exame de formalidades extrínsecas, vedada a apreciação dos fatos que o motivaram, bem como da sua conveniência ou oportunidade."

Em português claro: Manda quem pode (nós) obedece quem tem juízo (vocês).

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