1 ano atrás 65

“O declínio cognitivo não deveria ser encarado como algo inevitável. Essa é uma trágica derrota da medicina”, diz especialista

“Infelizmente, ainda não fazemos um check-up do cérebro, embora já tenhamos tecnologia para isso. Seria a melhor forma de mapear o risco do declínio cognitivo e intervir precocemente. Do contrário, a longevidade pode ser uma maldição, e não um bônus”. As palavras, duras, são do médico David Dodick, professor emérito da Mayo Clinic e adjunto da Thomas Jefferson University, entre outras instituições. Assisti à palestra on-line que deu na quinta-feira, na qual apontava a questão como prioridade para a saúde pública global:

David Dodick, professor emérito da Mayo Clinic: check-up do cérebro deveria ser rotina — Foto: Reprodução

“O declínio cognitivo não é o caminho natural, nem deveria ser encarado como algo inevitável. Essa é uma trágica derrota da medicina”.

As estatísticas são alarmantes: as doenças do cérebro afetam uma em cada três pessoas e são a principal causa de incapacidade, além de apresentarem o maior crescimento entre as doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão ou câncer.

“80% dos casos de derrame e 40% dos de demência podem ser evitados. Os países de baixa e média renda respondem por 80% do peso das doenças relacionadas ao cérebro. Quero ser otimista e imaginar que os governos investirão em programas para mudar este cenário”, frisou.

Dodick listou os 12 fatores de risco que respondem por 40% dos casos de demência: hipertensão, diabetes, obesidade, perda de audição, poluição atmosférica, consumo excessivo de álcool, traumas na cabeça, isolamento social, depressão, fumo, falta de atividade física e baixa escolaridade.

Fazendo uma comparação com os EUA, estamos, como eles, em maus lençóis: lá, são 37 milhões diabéticos, quase 50% dos adultos têm hipertensão e apenas um em cada quatro norte-americanos se exercita. Dois terços têm sobrepeso e, desses, 42% são obesos, mas menos de 2% estão em tratamento. No Brasil, há 17 milhões de portadores de diabetes – somos o quinto país com maior incidência, atrás de China, Índia, EUA e Paquistão. São 30 milhões com hipertensão e 22.4% da população apresentam um quadro de obesidade. No quesito atividade física, também vamos mal das pernas: menos da metade se exercita.

“O Alzheimer atinge um em cada dez idosos acima dos 65. É importante lembrar que se passam 20 anos até os sintomas surgirem, portanto trata-se de uma janela de oportunidade para a detecção precoce. Assim é possível tentar retardar o aparecimento da doença, atenuar sua manifestação e ganhar tempo até outras terapias estarem disponíveis”, explicou.

Há indicadores clínicos que precedem o estabelecimento de uma enfermidade, conhecidos como sintomas prodrômicos. No Parkinson, por exemplo, constipação, perda parcial do olfato (hiposmia) e o movimento involuntário dos olhos (nistagmo) são sinais de alerta que antecedem os tremores. Por isso, o “check-up” do cérebro se torna tão relevante, incluindo exames de sangue, imagens neurovasculares, avaliação de visão, audição, discurso, fala, equilíbrio e sono. Aliás, sobre o sono, o professor é incisivo:

“Eu costumava me gabar de que precisava de apenas cinco horas de sono para me refazer, mas os dados são incontestáveis e perturbadores. Na verdade, o que parece ser uma vantagem (dormir pouco) vai diminuindo a capacidade produtiva. E a insônia é um fator de risco tratável”.

O médico ainda citou medicamentos como a metformina e os inibidores SGLT2 que, embora sejam utilizados para o controle do diabetes, são neuroprotetores, reduzindo o risco de Alzheimer. O treinamento cognitivo é outra ferramenta valiosa para preservar as funções cerebrais, como o Teste de Stroop: aquele no qual temos que ler não a palavra escrita, e sim a cor na qual está impressa. Por fim, propõe um esforço coordenado das diversas entidades médicas: “temos que acabar com a medicina de silos, é preciso que as sociedades de diabetes, cardiologia e neurologia trabalhem juntas”.

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