O caso da Enel SP não é isolado: serve como um teste de como o país vai lidar com as renovações de concessões de distribuição que vencem nos próximos anos e que envolvem mais da metade dos consumidores brasileiros.
Como funciona a renovação
As concessões de distribuição são da União e têm prazo para vencer. O Decreto 12.068, de 2024, estabeleceu regras para permitir a renovação antecipada por mais três décadas.
O rito é dividido em três etapas:
- A Aneel verifica se a distribuidora cumpriu os requisitos técnicos, como metas de qualidade, indicadores econômico-financeiros e obrigações de investimento.
- O Ministério de Minas e Energia, como titular do serviço, decide se renova ou não.
- Os acionistas da empresa precisam aprovar o termo aditivo ao contrato.
Esse modelo foi adotado para dar previsibilidade a investimentos de longo prazo e evitar o chamado "risco de fim de concessão", quando distribuidoras tendem a reduzir aportes nos últimos anos por incerteza sobre a continuidade.
Também busca modicidade tarifária: em uma licitação, o novo entrante normalmente embute custos de risco maiores, encarecendo as tarifas. Já a distribuidora estabelecida tem conhecimento acumulado da rede, o que tende a gerar eficiência operacional.
Outro ponto é que a renovação permite modernizar cláusulas contratuais. Em vez de manter contratos antigos ou passar por uma troca traumática de operador, o que historicamente gera instabilidade no serviço, é possível atualizar metas de qualidade e de resiliência climática dentro do mesmo contrato.
O que diz a área técnica da Aneel
A nota técnica conjunta divulgada pela Aneel apontou que a Enel SP cumpriu os critérios do decreto: apresentou toda a documentação exigida, atingiu os indicadores de continuidade do serviço e manteve a situação econômico-financeira adequada. Com isso, os técnicos recomendaram a renovação da concessão por mais 30 anos.
O processo está sob relatoria da diretora Agnes da Costa, responsável por elaborar voto a ser levado à deliberação da diretoria colegiada. Não há prazo para essa votação.
Mesmo com um procedimento administrativo aberto após os apagões, a Procuradoria Federal junto à Aneel entende que não há impedimento jurídico para a prorrogação.
Segundo o órgão, não se trata de processo de caducidade formal, mas de um "período de salvaguarda", no qual a distribuidora tem prazo para corrigir falhas. Apenas se não houver melhora é que a Aneel poderia instaurar a caducidade.
Os argumentos contra a renovação
A prefeitura de São Paulo e o Ministério Público Federal discordam dessa interpretação.
Para a gestão de Ricardo Nunes (MDB), a Enel não cumpriu seu papel desde que assumiu a antiga Eletropaulo em 2018. O município cita apagões recorrentes, redução de investimentos e defende que não se deve renovar a concessão enquanto há risco de caducidade em análise.
O Ministério Público Federal reforçou esse entendimento, afirmando que o próprio Decreto 12.068 prevê a suspensão da renovação caso haja procedimento de caducidade em andamento. Para o MPF, o Termo de Intimação de 2024 já seria suficiente para travar a prorrogação.
Os episódios de novembro de 2023 e outubro de 2024, quando milhões de consumidores ficaram sem energia e houve demora na recomposição, são usados como exemplo.
Investimentos ajudam nos números, mas não na imagem
A crise de 2023 mostrou fragilidades na gestão e na comunicação da Enel. A resposta lenta, centralizada na Itália, e a perda de técnicos experientes terceirizados comprometeram a confiança dos consumidores.
Em 2024, a empresa trocou o comando, ampliou investimentos e reforçou equipes próprias. Ainda assim, um novo temporal deixou milhões sem energia e reforçou a percepção de mau serviço. Outras distribuidoras também tiveram problemas no interior paulista, mas a Enel já estava marcada.
Na semana passada, ventos de quase 100 km/h deixaram cerca de 500 mil clientes da Enel SP sem luz. A recomposição foi considerada rápida em comparação com a gravidade do evento e foi mais célere que outras distribuidoras que tiveram problemas no interior de São Paulo, mas apenas empresa estampou as manchetes.
A percepção política seguiu pesando mais do que os indicadores técnicos.
Em nota, a Enel afirmou que está cumprindo os critérios estabelecidos no decreto para a prorrogação antecipada da concessão, e destacou ações de reforço operacional, como a contratação de 1,2 mil colaboradores próprios, a ampliação da frota para 700 geradores em situações críticas e o dobro de podas preventivas, superando 600 mil ao ano.
Segundo a distribuidora, essas medidas já resultaram em redução de cerca de 50% no tempo médio de atendimento emergencial entre novembro de 2024 e março de 2025, mesmo com aumento das ocorrências devido às chuvas. O indicador, afirma a Enel, segue em trajetória de melhoria.
Para o período de 2025 a 2027, anunciou um plano recorde de R$ 10,4 bilhões para modernização, digitalização e expansão do sistema.
O que vem agora
O embate regulatório e jurídico acontece em ambiente político hostil. O prefeito Ricardo Nunes e o governador Tarcísio de Freitas têm criticado duramente a empresa. O governador chegou a falar em intervenção federal e até em dividir a concessão em duas áreas, hipótese malvista por especialistas.
Na Justiça, o juiz da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo determinou que todos os lados sejam ouvidos antes de decisão sobre a ação da prefeitura. Na Aneel, caberá à diretora Agnes da Costa preparar voto tanto sobre o Termo de Intimação quanto sobre a renovação.
Mesmo que a Aneel aprove a prorrogação, a decisão final é do Ministério de Minas e Energia. A Justiça ainda pode intervir, o que seria o pior cenário para qualquer investimento em distribuição e resiliência das redes.
Reportagem
Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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