Crédito, Embaixada dos EUA na Venezuela
- Author, Gerardo Lissardy
- Role, BBC News Mundo
Há 25 minutos
A notícia pode ter pegado alguns de surpresa: Estados Unidos e Venezuela, dois governos em desacordo retórico e ideológico, trocaram prisioneiros nesta sexta-feira (18/7).
A troca envolve a libertação de 10 americanos detidos na Venezuela e a repatriação de 252 migrantes venezuelanos que os EUA deportaram para El Salvador neste ano, segundo autoridades dos dois últimos países.
O secretário de Estado americano, Marco Rubio, afirmou que o acordo também envolve "a libertação de presos políticos venezuelanos", sem especificar quantos.
Mas a troca também é uma confirmação da capacidade de entendimento mútuo e pragmático que os governos de Donald Trump e Nicolás Maduro desenvolveram, apesar de suas diferenças.
"É exatamente assim que a diplomacia deve funcionar", disse Cynthia Arnson, professora associada da Escola de Relações Internacionais da Universidade Johns Hopkins, em Washington, à BBC Mundo, o serviço da BBC em espanhol.
'Éramos inimigos'
Quando Trump assumiu seu segundo mandato em janeiro, muitos esperavam que ele endurecesse as políticas dos EUA em relação ao governo socialista da Venezuela.
Essas expectativas decorrem, em parte, do que ocorreu durante seu primeiro mandato (2017-2021), quando Trump buscou, sem sucesso, a queda de Maduro por meio de isolamento diplomático, sanções e declarações sobre uma "possível opção militar" para a Venezuela.
"Éramos inimigos da Venezuela", disse o próprio Trump em agosto, em meio à sua campanha para retornar à Casa Branca, chamando Maduro de "ditador".
Crédito, Getty Images
No entanto, após seu retorno ao poder, as surpresas começaram.
Richard Grenell, enviado de Trump, viajou a Caracas em 31 de janeiro, encontrou-se com Maduro e retornou ao seu país com seis prisioneiros americanos libertados por seu anfitrião.
Ele também afirmou ter obtido o compromisso de Maduro de acolher em seu país os venezuelanos deportados pelo governo Trump, em troca do "enorme presente" que a "esperança por um futuro diferente" representava para o líder venezuelano.
Em maio, soube-se que a Venezuela havia libertado outro americano que mantinha preso.
Em seguida, surgiram relatos de negociações para uma troca de prisioneiros como a que foi finalizada nesta sexta-feira.
O acordo acabou sendo paralisado devido a desentendimentos internos no governo dos EUA, informou o jornal The New York Times no início deste mês.
O veículo especificou que essas divergências se deviam ao fato de Grenell negociar um acordo mais atraente para Caracas do que o buscado pelo Departamento de Estado, que permitiria à petrolífera americana Chevron manter suas operações na Venezuela.
Crédito, Presidência de El Salvador / Getty Images
A Chevron é uma empresa cujas operações na Venezuela se tornaram uma fonte crucial de renda para o governo Maduro, mas Washington anunciou em maio que não renovaria sua licença.
Não está claro neste momento se o acordo de troca de detentos inclui a Chevron ou outras concessões.
"Tanto Rubio quanto os republicanos no Congresso não parecem dispostos a aliviar as sanções ao petróleo ou outras sanções ao regime venezuelano, enquanto Grenell e talvez até mesmo o presidente Trump parecem mais abertos a permitir que a Chevron extraia petróleo da Venezuela", explica Arnson.
Embora este analista suspeite que os EUA manterão uma linha dura em relação à Venezuela, outros acreditam que pelo menos a ala menos ideológica do governo Trump prevaleceu sobre uma ala mais rígida que inclui aqueles com laços com as comunidades cubana e venezuelana nos EUA, como Rubio.
Adam Isacson, especialista em segurança e defesa do Escritório de Washington para a América Latina, organização de direitos humanos conhecida pela sigla WOLA, destaca que, nos EUA, "aqueles dispostos a fechar um acordo com o governo venezuelano e até mesmo lhe dar uma vitória propagandística venceram" nesta sexta-feira.
Entre os governos Trump e Maduro, "não há amor, mas certamente há menos tensão do que durante os anos Biden", disse Isacson à BBC Mundo.
'Um padrão diferente'
A ideia de uma troca de prisioneiros entre El Salvador e Venezuela surgiu em abril, depois que o governo Trump deportou 252 venezuelanos para a megaprisão no país centro-americano conhecida por abrigar ex-membros de gangues.
O presidente salvadorenho, Nayib Bukele, disse na época que estava disposto a enviar esses detidos para a Venezuela se o mesmo número de "presos políticos" fosse libertado pelo governo Maduro, que rejeitou a proposta.
Crédito, AFP
Mas a conclusão de uma troca que também envolve cidadãos americanos põe em xeque alegações anteriores da Casa Branca de que não tinha autoridade sobre os migrantes que enviou a El Salvador em troca de pagamentos ao governo Bukele.
"Está claro que El Salvador não teria feito isso sem a participação e aprovação de autoridades americanas. Portanto, isso contradiz o que eles estavam dizendo aos tribunais", argumenta Isacson.
Bukele, que se tornou um aliado-chave de Trump na região e é acusado por críticos de violar as normas democráticas em seu país, afirmou que muitos dos venezuelanos que ele repatriou nesta sexta-feira "enfrentam múltiplas acusações de assassinato, roubo, estupro e outros crimes graves".
Crédito, AFP
O governo Trump tem afirmado repetidamente, sem apresentar provas claras, que os venezuelanos deportados para El Salvador pertenciam ao Tren de Aragua, um grupo que Washington recentemente designou como uma "organização terrorista estrangeira".
Mas essa alegação também parece estar em dúvida agora, já que Washington concorda em permitir que esses mesmos venezuelanos retornem ao seu país de origem, aponta Isacson.
"Você consegue imaginar os EUA concordando em enviar membros da Al-Qaeda de volta ao Paquistão, ou membros do ISIS de volta à Síria?", questiona.
"É um padrão diferente de terrorismo, por assim dizer, especialmente porque sabemos pelas notícias que a maioria desses homens provavelmente não tinha qualquer vínculo com o grupo criminoso."
Comentários
Aproveite ao máximo as notícias fazendo login
Entrar Registro